Entrevista com Luis Fernando Novoa aborda questões essenciais sobre os debates e encaminhamentos da 26ª edição da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas.

Foto: Roberto Parizotti | Fotos Públicas

“Não podemos falar de mudanças climáticas sem explicitar a injustiça climática que está presente nos acessos diferenciados e particularistas à natureza. Injustiça ambiental e climática para quem fica com  os resíduos contaminantes, com o lixo tóxico, para quem fica nas imensas zonas de sacrifício que abrem caminho para a passagem da fronteira de commodities”.

Com uma afirmação enfática sobre as injustiças ambientais e climáticas praticadas contra as populações mais vulnerabilizadas, Luis Fernando Novoa, professor da Universidade Federal de Rondônia, chama a atenção para as consequências “do discurso despolitizador da mudança climática” que, em sua compreensão,  “dissimula a política de espoliação e pilhagem desses povos”.

Como exemplo, Novoa menciona que as comunidades tradicionais da Amazônia são impactadas “instantaneamente com o avanço do desmatamento, da mineração e da agropecuária, avanço orquestrado por grandes transnacionais e bancos que agora posam como responsáveis social e ecologicamente”.

Ao analisar o papel do Brasil na mais recente edição da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP-26), Novoa enfatizou que o país “não deveria ser considerado um ‘pária internacional’ apenas por conta de Bolsonaro e de seu negacionismo, mas por conta do empresariado transnacional e nacional que condenou o país a um regime de apartheid social, com prerrogativas de apagamento das resistências e das alternativas sociais e ambientais que comunidades tradicionais, camponesas e urbanas carregam”.

Coordenador do Grupo de Pesquisa “Territorialidades e Imaginários na Amazônia” e pesquisador do Grupo “Cidades Globais”, da USP, Novoa conversou com a equipe de Comunicação da Rede Jubileu Sul sobre a COP-26, realizada no mês passado, e sobre os desafios na política socioambiental em curso no Brasil.

Leia a íntegra da entrevista, realizada pelo jornalista Paulo Victor Melo.

Há cerca de um mês, foi realizada a 26ª edição da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas. Qual a importância dos debates e encaminhamentos das Conferências do Clima para o cotidiano da população, particularmente a brasileira?

Um país que nas últimas décadas foi aferrado a um modelo econômico rentista-neoextrativista, ou seja, condenado a ser uma plataforma de valorização de commodities e de livre especulação financeira, precisa entender que a transição “verde” proposta pela agenda climática representa um aprofundamento e uma maior imbricação dos dois componentes deste modelo. Uma convergência entre monoculturas e grandes projetos “sustentáveis” e investimentos financeiros com governança social e ambiental (ESG). Na prática, significa uma anistia unilateral a todas ofensivas e crimes perpetrados contra o meio ambiente, contra os povos e contra as finanças públicas. Afinal, aqueles que movem (e subtraem o PIB) do país estão dentro da agenda verde, de forma que toda devastação será perdoada se estiver vinculada superficialmente a programas-piloto de redução de emissões de gases-estufa.

Luis Fernando Novoa, professor da Universidade Federal de Rondônia

E como as mudanças climáticas têm impactado particularmente segmentos mais vulnerabilizados da nossa sociedade, a exemplo de Povos e Comunidades Tradicionais?

É preciso ressignificar a todo momento o que sejam mudanças climáticas. Não pode ser remetida interferência antrópica indistinta acumulada desde a Revolução Industrial. Foi uma política de classe devastar e depauperar camponeses, povos tradicionais e biomas.

Os processos de globalização associados a ciclos de neoliberalização da economia e da sociedade, a partir dos anos 1970 aceleraram os processos de extração mais-valor e também os desequilíbrios ambientais e as desigualdades sociais.

Então, não podemos falar de mudanças climáticas sem explicitar a injustiça climática que está presente nos acessos diferenciados e particularistas à natureza. Injustiça ambiental e climática para quem fica com  os resíduos contaminantes, com o lixo tóxico, para quem fica nas imensas zonas de sacrifício que abrem caminho para a passagem da fronteira de commodities.

Para as comunidades tradicionais da Amazônia, as mudanças climáticas são sentidas instantaneamente com o avanço do desmatamento, da mineração e da agropecuária, avanço orquestrado por grandes transnacionais e bancos que agora posam como responsáveis social e ecologicamente.

O discurso despolitizador da mudança climática dissimula a política de espoliação e pilhagem desses povos. Espoliação convencional ou verde, continua sendo espoliação: apagamento de vínculos sociais e ambientais justamente dos povos que são exemplo de inteligência climática, “resiliência e adaptabilidade”, para usar os termos aparentemente assépticos deste regime climático pretensamente consensual.

De que forma a população, de um modo geral, e esses grupos, de um modo específico, podem ser incluídos de forma protagonista nas discussões que envolvem o clima?

Primeiro, é preciso atravessar a cortina de fumaça que atribui as mudanças climáticas a um genérico “ser humano”. Não é Antropoceno, é Capitaloceno, com base em uma globalização mais assimétrica, agressiva e financeirizada. Um capitalismo vampiresco, de criador a criatura da destruição que se revela assumidamente por um neoliberalismo autoritário, que combina formas de fascismos políticos, econômicos e territoriais.

Neste contexto, ser protagonista em defesa do clima no Brasil e no sul Global significa defender os territórios compartilhados com biomas integrados, contra os projetos de commoditização e conversão desses espaços não-mercantis em ativos financeiros, sejam com selo ESG ou sem selo. Multiplicar e integrar movimentos de atingidos por grandes projetos, pela mineração, pela soja, pela dívida pública,  atingidos pelo “clima” desse grande negócio com o planeta apresentado com nova embalagem tecnológica e institucional para “salvar o planeta”. A “meta de emissões zero” – ao invés de injustiça zero, racismo zero, espoliação zero -se tornou o mais eficiente atalho para consolidar uma nova ordem global financeira e comercial ainda mais concentrada e desigual.

Qual a sua avaliação sobre a postura do atual governo brasileiro na COP-26 e na política ambiental?

O Governo recuou discursivamente da postura de apologia do crime ambiental e do extermínio dos povos para garantir a manutenção de uma reputação mínima para o agronegócio posicionado no Brasil. Da postura truculenta que vale para as bases internas apoio do bolsonarismo, que podemos chamar de uma lumpen-burguesia que depende da violência nua e da ilicitude para consolidar sua posição de classe, o Governo para uma postura de cinismo ambiental, que é o padrão discursivo mainstream. E se trata de um cinismo ainda mais ralo que os professados pelos governos anteriores. Como enquadrar o capitalismo de desastre brasileiro nos moldes de uma agenda blue-green? Com censura, desvirtuação e censura dos dados, com promessas vazias, com negacionismo pior que climático ou pandêmico, negacionismo da condição necropolítica, racista, neofascista  do nosso modelo de economia e sociedade.

O Brasil não deveria ser considerado um “pária internacional” apenas por conta de Bolsonaro e de seu negacionismo, mas por conta do empresariado transnacional e nacional que condenou o país a um regime de apartheid social, com prerrogativas de apagamento das resistências e das alternativas sociais e ambientais que comunidades tradicionais, camponesas e urbanas carregam.

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