Organizações sociais e populares lutam para a reabertura das negociações do Acordo assinado na gestão Bolsonaro; Conferência Internacional, organizada com o apoio do Jubileu Sul Brasil, reuniu parlamentares brasileiros, eurodeputados e representante do Parlasul para discutir o tema.

Rede Jubileu Sul Brasil presente no Seminário em Brasília (DF) dias 06 e 07 de fevereiro de 2023. Foto: Jucelene Rocha/JSB

Por redação | JSB*

Comunidades tradicionais da região de Santarém, no Oeste do Pará discutiram com a Frente Brasileira contra o Acordo UE-Mercosul os impactos negativos da expansão da fronteira agropecuária na Amazônia, com foco nos efeitos da implantação de infraestruturas logísticas operadas pelos cinco maiores traders globais (ADM, Bunge, Cargill, Louis Dreyfus Company).

Para fortalecer o debate e encaminhar denúncias feitas in loco, a Frente realizou uma Conferência Internacional dividida em duas partes. A primeira foi uma visita de campo onde jornalistas, observadores internacionais e representantes da sociedade civil organizada puderam ouvir relatos das comunidades sobre os prejuízos produção de soja e milho nos territórios e sua cadeia logística no Oeste do Pará, assim como visibilizar os conflitos socioambientais já existentes no território.

 “A visita vai gerar um relatório para apoiar a incidência dos europarlamentares na reunião do INTA-PE, prevista para maio de 2023; e dos representantes do Parlasul na reunião da CELAC, prevista para julho de 2023.”, explica Mauren Santos, coordenadora da FASE, integrante da Frente.

Grupo da Frente Brasileira Contra o Acordo UE-Mercosul durante visita no Oeste do Pará. Foto Thays Puzzi/INESC

A segunda parte da conferência foi dedicada a um Seminário com a participação de membros do governo e parlamentares brasileiros, deputados europeus e latino-americanos, além de diferentes membros da sociedade civil brasileira e latino-americana, entre os quais representantes da Rede Jubileu Sul Brasil: Francisco Vladimir, Sandra Quintela, Magnólia Said, Joilson Costa e Luís Fernando Novoa.

O Seminário resulta do trabalho de aproximação e diálogo realizado pela Frente Brasileira contra os Acordos Mercosul-UE e Mercosul-EFTA com eurodeputados ao longo dos últimos dois anos. E também contribui para a construção de uma Frente Parlamentar Transatlântica Mercosul-UE, cuja criação vem sendo articulada por intermédio de europarlamentares e latino-americanos.

“Esse processo de implementação de um Acordo que é totalmente ameaçador para os povos não deve continuar sendo pensado a partir dos grandes e poderosos sem a participação dos povos e territórios impactados”, destacou o coordenador do Jubileu Sul/Américas para o Cone Sul, Francisco Vladimir.

Retomada de direitos e comércio exterior

Transparência e participação foram os principais destaques do primeiro dia de diálogos no Seminário “A retomada da democracia no Brasil: o papel da política externa e do comércio internacional”, em Brasília. Durante o Painel I, “Por que o Acordo UE-Mercosul precisa ser revisitado e discutido com a sociedade?”, houveram diversas intervenções de representantes de movimentos populares evidenciando a falta de debate com as organizações sociais, e o quanto a implantação dos acordos pode impactar negativamente no desenvolvimento sustentável do Brasil, particularmente em territórios e comunidades tradicionais, em três vertentes: econômica, social e ambiental.

Um dos destaques foi a intervenção de Kerexu Guarani, representante da APIB, que ressaltou como houve aumento das invasões, queimadas, assassinatos de lideranças, com o avanço do agronegócio e do garimpo ilegal — não só na terra indígena Yanomami, mas em vários outros territórios — “Queremos rever o Acordo, que seja construído com nossa participação, em consonância com a Convenção 169 da OIT, que nos garante consulta prévia livre e informada”, ressaltou.

Ao centro o deputado paraguaio do Parlasul, Ricardo Canese que também integra a Rede Jubileu Sul/Américas denuncia as assimetrias do Acordo. Foto: Jucelene Rocha/JSB

Parlamentares latinoamericanos falaram sobre a importância de um diálogo proporcional entre os blocos União Europeia e Mercosul. “Temos que falar das assimetrias. Não se pode pensar em integração do elefante (União Europeia) com a formiga (Mercosul). Se a formiga pisa no elefante, nada acontece. Se o elefante a pisa, acaba com a formiga”, comparou o deputado paraguaio do Parlasul, Ricardo Canese que também integra a Rede Jubileu Sul/Américas.

Em resposta, o embaixador Michel Arslanian Neto garantiu que o novo governo pretende realizar um seminário sobre acordos internacionais, e que todos os textos relativos ao Acordo entre União Europeia e Mercosul estarão em breve disponíveis em português no site do Itamaraty. Ao final do painel, uma comitiva de representantes da Frente foi recebida para uma conversa com o chanceler Mauro Vieira.

A articuladora da Rede Jubileu Sul Brasil, Sandra Quintela, contextualizou o cenário que, segundo grandes historiadores e pensadores do país, fundou o pensamento econômico do Brasil: latifúndio, trabalho escravo e agricultura para exportação. “Esse acordo reitera todos esses elementos de nossa história colonial que precisam ser absolutamente revistos. Estamos vivendo uma reconfiguração das hegemonias mundiais. Estamos no meio de tudo isso com grande capacidade de ser a criação do novo, a criação da possibilidade de viver uma outra sociedade. Temos uma oportunidade, mas se perdermos o horizonte utópico, perdemos a capacidade de convencer mais gente de que é possível mudar o rumo das coisas”, destaca Sandra.

Desafios e perspectivas

Durante a segunda mesa de debate “O Acordo UE-Mercosul em temas: desafios e perspectivas”, Joilson Costa, coordenador executivo da Frente por uma Nova Política Energética para o Brasil e membro da Rede Jubileu Sul Brasil, destacou questões sensíveis para o tema energia. “A nossa maior preocupação nesse aspecto da energia é que o governo brasileiro faça seu dever de casa, isso porque o Brasil não tem moral para querer exportar energia verde para a Europa, uma vez que somos um país que tem em sua matriz energética, majoritariamente, energia não renovável. Só para termos um panorama rápido, o Brasil pulou de 2020 para 2021, de 51,05% de participação de fontes não renováveis para 55,03% e esse dado é tão vergonhoso que a Empresa de Pesquisa Energética, na divulgação de seu balanço, nem coloca esse dado, porque ele revela que não aumentamos a participação de energias renováveis em nossa matriz energética. Essa não transição energética continua, infelizmente. O governo brasileiro precisa assumir que primeiro deve fazer a nossa transição energética antes de querer ajudar outros países em algo que ainda não temos”, denunciou Joilson.

Joilson Costa (de camiseta vermelha) e Sandra Quintela (de pé à direita), durante mesa “O Acordo UE-Mercosul em temas: desafios e perspectivas”. Foto: Jucelene Rocha/JSB

Parlamentares brasileiros também compartilharam posicionamentos a respeito das perspectivas e os desafios em relação ao tratado comercial: Fernanda Melchionna (PSOL/RS), Célia Xacriabá (PSOL/MG),  Nilto Tatto (PT/SP), Duda Salabert (PDT/MG) e o eurodeputado Miguel Urban se posicionaram sobre o Acordo mostrando vontade política para sustentar a retomada do diálogo entre parlamentares.

Representantes de sindicatos e organizações sociais brasileiros e europeias apontaram suas preocupações em relação a temas específicos do tratado como energia, clima, expansão da fronteira agrícola, agricultura familiar e lobby das empresas, entre outros. Também estavam presentes Tom Kuchartz do observatório espanhol Ecologistas en Acción, representantes do grupo Agro é Fogo, CONAQ e IPT – Oficial.

Ao final do painel, uma comitiva de representantes da Frente foi recebida para uma conversa com o chanceler Mauro Vieira.

O deputado federal, Guilherme Boulos (PSOL/SP), em encontro com delegados da Frente Brasileira contra os Acordos Mercosul-UE/EFTA no Congresso demonstrou um “compromisso total” da bancada do PSOL com o combate ao acordo comercial.

Ele criticou os impactos econômicos, ambientais e sociais que o Acordo poderia ter “ao estimular ainda mais o agronegócio predatório e o processo de primarização da economia”. Ele adverte que o Acordo pode contribuir para a desindustrialização do Brasil e comprometer os direitos da classe trabalhadora tanto na América Latina quanto na Europa. “Temos que discutir o modelo de desenvolvimento porque os povos indígenas, por exemplo, defendem outro modelo que conviva com o meio ambiente”, acrescentou.

Participantes do Seminário durante momento de encontro com parlamentares no Congresso Nacional. Foto: Tiago Rodrigues

A bancada petista também compartilhou as preocupações expressas pelas organizações sindicais, camponesas, indígenas e sociais do Brasil, América Latina e Europa sobre os impactos do acordo UE-Mercosul. “A falta de transparência e participação no acordo comercial UE-Mercosul é inaceitável para o PT”, disse em comunicado.

A Conferência Internacional foi realizada em duas fases entre os dias 03 e 07 de fevereiro de 2023, pela FASE, Amigos da Terra Brasil, REBRIP, Internacional dos Serviços Públicos, Rede Jubileu Sul e Contraf Brasil e contou com o apoio da Misereor e da HEKS.

* Com informações de Cláudio Nogueira e Paula Schitine/FASE

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