Instigar a reflexão por meio da arte, valorizando saberes e identidades estão entre os caminhos que a arte-educação trilha nos territórios em luta por moradia digna e acesso à cidade

Por Flaviana Serafim – Redação Jubileu Sul Brasil

Deixa eu ser feliz do jeito que sou,
Meu cabelo crespo eu herdei do meu avô.
Deixa eu ser feliz do jeito que sou,
Meu cabelo crespo veio da África oiô.

Toca macumba toca, toca macumba aí
Da árvore que veio da África o instrumento vai surgir

No ritmo do ijexá, a canção que desconstrói a palavra macumba abriu a oficina de formação com arte-educadoras da Ação “Mulheres por reparação das dívidas sociais”, realizada virtualmente em 18 de outubro.

Compositora da canção que não só desconstrói preconceitos sobre a expressão macumba, mas que também discute racismo, a arte educadora baiana Raíssa Pessoa, que atua nas comunidades de Salvador, fez sua apresentação usando objetos comuns e acessíveis como instrumentos musicais, a exemplo do estojo de escova de dentes e copos plásticos usados marcando a melodia com a percussão.

Engajada no projeto de música e dança Notas Coloridas, ela explica que, a partir da música, se instiga a curiosidade e o diálogo mostrando que, ao contrário do sentido pejorativo e preconcebido, macumba é o nome de uma árvore africana com a qual se faz um instrumento de percussão de mesmo nome, semelhante ao reco-reco, usado em cerimônias das religiões afro-brasileiras. A canção também é uma forma de trabalhar a construção da identidade e sua valorização pelas crianças e adolescentes.

Depois, as participantes assistiram a um vídeo de Ana Mae Barbosa (confira abaixo), educadora e referência no estudo de arte-educação no Brasil, discorrendo sobre a importância da interculturalidade no processo educativo. “Durante a sua mediação, quais curiosidades você tem provocado?” foi a pergunta geradora que deu sequência ao debate, em que as participantes compartilharam seus relatos e percepções sobre a arte educação enquanto instrumento de formação, e sobre como essa estratégia tem sido utilizada nos territórios.

Saberes e culturas entrelaçados

Mediadora da formação, a pedagoga, contadora de histórias e arte-educadora Ana Paula Evangelista, articuladora de São Paulo, conduziu a oficina e também apresentou seu projeto “Trançando saberes”, voltado à educação antirracista.  Pesquisadora das relações étnico-raciais e especialista em educação, ela promove a iniciativa há oito anos em parceria com a também pedagoga Jeniffer Cornelio, para contar histórias negras, promover a igualdade racial e educação antirracista construindo narrativas que valorizem a cultura africana e afro-brasileira, em espaço de educação formal e não formal.

“É uma proposta que traz a importância da estética negra a partir das tranças, seus significados, a história, cultura e memórias por trás dessa prática cultural tão antiga. As pessoas escravizadas trouxeram essa simbologia de África e aqui isso foi se ressignificando com elementos de outras culturas, mas principalmente africano porque a trança tem um significado para cada povo”.

Ainda segundo Ana Paula, em alguns trançados nagôs era comum o uso de sementes presas aos cabelos como forma de preservá-las e levá-las aos quilombos, por exemplo, e em outros o desenho feito nos cabelos mostrava rotas de fuga às negras e negros escravizados.

Ao final da oficina, a poesia “Tudo nela é de se amar” (veja a íntegra no final do texto), que deu origem ao livro de mesmo nome, da poetisa e escritora negra fluminense Luciene Nascimento, que ficou conhecida antes da publicação da obra com seus vídeos de “pedagopoesia” que viralizaram nas redes sociais. Nas palavras da poetisa:

O bagulho é louco e é necessário ser mais louco que o bagulho,
Porque vem chegando dia 20, o dia da consciência de que radical
é o militante cansado de ter paciência.
Mas a gente tenta porque na prática o método aperfeiçoa,
A gente vem falar rimando pra ver se não magoa.
Mas se vocês estão escutando é porque a gente não fala à toa
”.

As iniciativas da Ação Mulheres por reparação das dívidas sociais ocorrem numa parceria entre o Jubileu Sul Brasil, 6ª Semana Social Brasileira (SSB) e Central de Movimentos Populares (CMP), com apoio do Ministério das Relações Exteriores Alemão, que garantiu ao Instituto de Relações Exteriores (IFA) recursos para implementação do Programa de Financiamentos Zivik (Zivik Funding Program).

As ações também integram o processo de fortalecimento da Rede Jubileu Sul Brasil e das suas organizações membro, contando ainda com apoios da Cafod, DKA, e cofinanciamento da União Europeia.

O conteúdo desta publicação é de responsabilidade exclusiva da Rede Jubileu Sul Brasil. Não necessariamente representa o ponto de vista dos apoiadores, financiadores e co-financiadores.

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