Camille Chalmes, da PAPDA, no encontro em solidariedade ao Haiti. Fotos: Flaviana Serafim e Juce Rocha/Jubileu Sul Brasil

Confira a declaração de apoio ao país caribenho que há anos passa por múltiplas crises e está prestes a enfrentar mais uma ocupação militar

Por Redação – Jubileu Sul Brasil

Representantes de movimentos populares, organizações, sindicatos, partidos e ativistas de 16 países da América Latina e Caribe participaram do encontro em solidariedade ao Haiti, com a presença de Camille Chalmers, da Plataforma Haitiana para o Desenvolvimento Alternativo – PAPDA. O ato político ocorreu no último dia 25 de outubro, no auditório Vladimir Herzog do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo (SJSP), no centro da capital paulista. 

Publico de 16 países durante o ato político no Sindicato dos Jornalistas

A atividade contou com apoio do Comitê “Defender o Haiti é defender a nós mesmo”, e fez parte da programação da Conferência Internacional “Soberania Financeira: Dívida, Exploração e Resistências”, promovida na cidade de São Paulo entre os dias 23 e 25 de outubro, numa iniciativa numa iniciativa da Rede Jubileu Sul/Américas (JS/A), do Comitê para a Anulação da Dívida do Terceiro Mundo (CADTM-AYNA) e do Conselho de Educação Popular da América Latina e do Caribe (CEAAL). 

No debate no SJSP, Chalmers alertou para a gravidade das múltiplas crises enfrentadas pelo povo haitiano há anos: insegurança alimentar, crise humanitária, intervenção militar, instabilidade político-econômica e institucional. Ele denunciou a gangesterização do Haiti por milícias financiadas com apoio dos Estados Unidos, e ainda o papel das políticas impostas por organizações, como o Fundo Monetário Internacional (FMI), no cenário vivido pela população haitiana. 

Rosilene Wansetto (ao microfone), secretária executiva da Rede Jubileu Sul Brasil

Ao final do encontro, as entidades organizadoras da conferência de soberania financeira divulgaram um documento em apoio ao povo haitiano, confira a íntegra na versão em português: 

Declaração de Apoio e Solidariedade com o Povo do Haiti

Da Conferência Internacional “Soberania Financeira, Dívida, Exploração e Resistências”, nos manifestamos em solidariedade com o povo haitiano na luta pelas suas vidas e por soberania e contra a nova invasão e ocupação planejada pelos Estados Unidos com o apoio da Organização das Nações Unidas –  ONU.

O Haiti atravessa uma grave crise econômica, política e institucional. O país vive cinco anos consecutivos de recessão econômica e enfrenta uma crise de inflação, que ultrapassa os 50% anuais, e uma grave crise cambial com a perda de 3000% do valor da moeda nacional face ao dólar. Tudo isso acompanhado de um congelamento do salário mínimo. Os governos de extrema-direita, impostos pela chamada “comunidade internacional”, destruíram as instituições democráticas. Há dois anos que não existe parlamento e o poder judiciário não funciona. Está claro que as desigualdades se agravaram e 50% da população está em situação de insegurança alimentar.

Esta situação dramática se deve à ação das forças de extrema-direita que controlam o sistema político do país e todas as instituições do Estado desde 2011. A ação das sucessivas missões das Nações Unidas e da Organização dos Estados Americanos – OEA, presentes desde 1992, – e incluindo uma ocupação militar em grande escala entre 2004 e 2017 – a MINUSTAH -, foi um fracasso retumbante. Estas missões contribuíram para agravar a crise na sociedade haitiana, enfraquecendo as instituições do Estado, aumentando a dependência política do país. A aplicação das políticas neoliberais impostas pelo Fundo Monetário Internacional – FMI contribuiu para o enfraquecimento do sistema produtivo, criando uma perigosa dependência alimentar e a destruição de empregos, criando as condições objetivas para o florescimento de gangues que exploram a desesperança de um grande número de jovens desempregados e sem perspectivas. Além disso, a MINUSTAH foi autora de graves violações dos direitos básicos do povo haitiano, incluindo violações massivas de mulheres e crianças e a introdução da cólera que matou 40.000 pessoas e infectou 800.000, com enormes danos à economia e ao tecido social.

Esses crimes contra o povo haitiano não devem ficar impunes. Mais do que uma nova ocupação, o Haiti precisa e tem direito à punição dos responsáveis ​​e a indenizações e reparações proporcionais aos crimes cometidos.

Desde 2019, testemunhamos a presença crescente de gangues armadas que exercem violência feroz contra os moradores dos bairros populares da região metropolitana. O recente relatório do Grupo de Peritos do Comitê de Sanções das Nações Unidas, mandado pelo Conselho de Segurança, confirma que estes bandos foram armados por líderes políticos para destruir as mobilizações populares e excluir as classes populares do jogo político. O crescimento do poder destas milícias foi favorecido pelo contexto de privatização e destruição das instituições do Estado, impulsionado pelas opções políticas do FMI e pelas orientações da extrema direita que mantêm laços estreitos com o tráfico de drogas e a economia do crime organizado. Os países imperialistas, a OEA e a ONU, ofereceram apoio total aos sucessivos governos do Partido Haitiano Tèt Kale – PHTK, simultaneamente com a crescente gangsterização do sistema político, que levou ao assassinato do ex-presidente Jovenel Moïse, em julho de 2021.

Toda luta contra a insegurança deve procurar soluções políticas com a participação da população que, em abril de 2023, lançou processos de autodefesa bem-sucedidos através do movimento “Bwa Kale”. Um elemento estrutural confirmado por vários relatórios de organizações de direitos humanos é que estas gangues recebem um fluxo constante e massivo de armas de guerra e munições dos Estados Unidos, ao mesmo tempo que este mesmo país aplica um embargo e não vende armas às Forças Públicas haitianas. Existem dois elementos-chave: o fornecimento de armas e munições desde os Estados Unidos e por meio da fronteira com a República Dominicana, e o benefício da impunidade total que os atuais líderes do governo de fato garantem aos membros e líderes destes grupos armados, apesar de todas as evidências da sua responsabilidade na organização de mais de 12 massacres durante o período 2018-2023.

Juntamente com o povo haitiano, queremos soluções reais para os problemas mais urgentes. Isto implica a cessação do apoio oferecido ao PHTK e aos seus aliados que produziram a atual situação caótica, e não uma transição de continuidade garantindo o monopólio do PHTK com o Doutor Ariel Henry. Denunciamos o apoio do FMI ao poder atual e salientamos que as orientações impostas pelas instituições financeiras internacionais – IFIs, particularmente pelo FMI, têm desempenhado um papel determinante na criação do caos com que o poder hegemônico procura impor a aceitação nacional e internacional desta nova ocupação.

Em 2 de outubro, o Conselho de Segurança da ONU adotou a resolução 2699, autorizando o envio de uma “Missão Multinacional de Apoio à Segurança no Haiti”, repetindo os erros cometidos nas últimas duas décadas. Nós nos opomos a esta nova ocupação militar. A solução para os problemas de insegurança passa pela destruição dos laços orgânicos que existem entre os atualmente responsáveis ​​pelo Executivo de fato, e pela eliminação do fornecimento de armas e munições a partir do território norte-americano.

A ocupação militar visa apoiar o poder de Ariel Henry, primeiro-ministro de fato, oferecer a possibilidade de organizar uma mudança arbitrária na Constituição de 1987 e avançar para a organização de eleições fraudulentas totalmente controladas pela extrema direita.

A polícia queniana, anunciada como a que vai liderar esta nova missão, vai fazê-la de fato sob o controle do governo dos Estados Unidos. Sabemos também que a polícia queniana é conhecida pelas múltiplas violações cometidas contra a população do seu país, incluindo o assassinato de cidadãos quenianos durante manifestações pacíficas.

O Haiti necessita da solidariedade ativa do povo latino-americano para superar as múltiplas crises que o afetam gravemente.

As organizações sociais e políticas do Haiti, no contexto de uma consulta muito ampla, desenvolveram uma proposta coerente e viável conhecida como “Acordos de Montana”, para a implementação de uma transição de ruptura. Exigimos respeito pela autodeterminação do povo haitiano e apoio às soluções elaboradas pelos atores haitianos.

Por um Haiti Livre e Soberano!

São Paulo, Brasil, 25 de outubro de 2023″

Veja o álbum de fotos do encontro:

Ato em solidariedade ao Haiti

Deixe um comentário