Jubileu Sul Brasil inicia atividades nas ocupações Dom Paulo Evaristo Arns e Jean Jacques Dessalines, do MLB, e no Centro de Acolhida do Imigrante Casa de Assis, do Sefras, organização membro da Rede. No processo de construção cartográfica, brasileiros e imigrantes partilham suas demandas, sentimentos e lutas por moradia digna e direito à cidade

Migrantes da Casa de Assis com equipes do Sefras e Jubileu Sul Brasil. Foto: Ana Paula Evangelista

Por Flaviana Serafim I Jubileu Sul Brasil

A Rede Jubileu Sul Brasil (JSB) deu início ao processo de construção da cartografia social nas ocupações Dom Paulo Evaristo Arns e Jean Jacques Dessalines, no bairro da Liberdade, e também no Centro de Acolhida do Imigrante Casa de Assis, na Bela Vista, todos na região central da capital paulista.

As atividades começaram em novembro, após articulação da Rede com as coordenações das ocupações lideradas pelo Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB) e, na Casa de Assis, numa parceria com o Sefras – Ação Social Franciscana, organização membro do JSB.

Nas ocupações Dom Paulo e Jean Jacques, vem sendo construída uma única cartografia coletiva, já que ambas estão na Praça Carlos Gomes e têm demandas semelhantes. No caso da Jean Jacques Dessalines, uma especificidade é a forte presença de migrantes em luta pelo direito à moradia.

“Passeamos pelo entorno e pude perceber que os moradores das ocupações têm pouca relação com o território. As crianças nunca tinham ido até a feira do bairro da Liberdade nem a outros espaços, que elas não conheciam porque sofrem com a xenofobia”, explica a articuladora Ana Paula Evangelista. Ela conta que num dos dias da atividade, ao entrar num mercado para comprar água, o grupo de moradores foi seguido por seguranças que afirmaram que as crianças estavam pedindo esmola.

“Foi uma situação bem vexatória e, dela, foi possível entender porque os moradores das ocupações têm pouca ou nenhuma relação com o bairro, pois o tempo todo alguém diz ‘você está aqui, mas não é daqui’”. Por isso, para o próximo ano a proposta da articuladora é fortalecer atividades que abordem o pertencimento, o direito à cidade e os direitos dos migrantes.

Uma das moradoras da ocupação guiou Ana Paula pelo bairro e a primeira coisa que parou para mostrar foi a estátua inaugurada em abril último em homenagem à Deolinda Madre, mais conhecida como Madrinha Eunice, fundadora da Escola de Samba Lavapés, em 1937, uma das mais antigas escolas de samba paulistanas.

Segundo a articuladora, os moradores das ocupações têm clareza quanto à disputa de narrativa que envolve o bairro da Liberdade – historicamente ligado às pessoas escravizadas e excluídos em geral até o século XIX, mas só as características orientais do “bairro japonês” é que são majoritariamente conhecidas, visibilizadas e valorizadas na atualidade, em detrimento do histórico de resistência do povo negro.

Nesse sentido, compartilhar a história do bairro da Liberdade foi parte da construção cartográfica, como o sítio arqueológico descoberto em 2018 próximo à Igreja Santa Cruz das Almas dos Enforcados. A área abrigou o primeiro cemitério público da capital – o Cemitério dos Aflitos, onde de 1775 a 1858 eram enterradas as pessoas excluídas, indigentes, escravizadas, muitas enforcadas no Largo da Liberdade, onde havia um pelourinho e o “Largo da Forca”. O terreno onde as ossadas foram encontradas está sendo desapropriado pela Prefeitura paulistana para construção de um memorial.

Passear e conhecer o entorno também foi parte do processo, como os parques, o aquário e outros equipamentos da região.

“Mesmo sob um sol escaldante, as crianças estavam super felizes porque não conhecem o entorno e estudam em escolas distantes, em Santa Cecília, na Bela Vista, ou seja, é um outro recado: ‘nem estudar vocês podem aqui porque é um bairro oriental, de pessoas não negras, que também são migrantes, mas de outro tipo’. Esse entendimento ficou coletivo no diálogo com os participantes”, completa Ana Paula.

Pertencimento

Acolhendo temporariamente centenas de migrantes, refugiados ou solicitantes de refúgio, a Casa Assis, mantida pelo Sefras, oferece alimentação, acomodação, atendimento social, psicológico e jurídico por até três meses. Na ação em parceria com a Rede JSB, participam principalmente mulheres angolanas.

“Falamos um pouco sobre o bairro e observei que elas têm uma relação de pertencimento local, que reconhecem os equipamentos de acesso à saúde, educação, cultura, lazer, sejam públicos ou privados”, relata a articuladora.

Caminhando pelo bairro da Bela Vista com a articuladora, as migrantes foram mostrando as escolas, o hospital, o teatro, o campo de futebol e outros locais significativos para o grupo. Um dos locais apreciados apontados por elas foi um bar com música ao vivo, onde costumam se reunir para dialogar. 

“A princípio fiquei preocupada, mas elas já se organizaram em roda, sentaram e iniciaram um ritual de trocas. Comemos um espeto e ali se deu o momento mais significativo dessa experiência. Elas falaram sobre suas famílias, religião, cultura, e que em Angola costumavam se sentar no bar, conversar sobre as dificuldades do cotidiano e aproveitavam para sonhar com um mundo melhor”, afirma Ana Paula, ressaltando a relevância do local como espaço de articulação política entre as migrantes. 

Da região da Casa de Assis, a Câmara Municipal de São Paulo foi um dos poucos espaços que as migrantes até então não conheciam no processo de construção da cartografia. A demanda resultou num encontro realizado no dia 13 de dezembro, entre elas e as parlamentares do campo progressista, entre as quais a vereadora trans Erika Hilton (PSOL), eleita deputada federal nestas eleições como a 9ª candidata mais votada do Estado, e a vereadora Elaine Mineiro (PSOL), da mandata coletiva Quilombo Periférico. 

As parlamentares falaram sobre políticas públicas, direito ao trabalho, sobre os conselhos municipais. “Elas acolheram as mulheres migrantes e se colocaram à disposição para auxiliar e a amparar nas políticas públicas”, diz a articuladora.

A partir desse diálogo, “já foi agendado um encontro para o próximo ano nesses gabinetes e vamos articular com outros para que elas possam conhecer, acompanhar plenárias, votações e se sentir pertencentes àquela que é a casa do povo”, conclui.

As iniciativas integram o processo de fortalecimento da Rede Jubileu Sul Brasil e das suas organizações membro, contando com apoios da Cafod, DKA, e cofinanciamento da União Europeia.

O conteúdo desta publicação é de responsabilidade exclusiva da Rede Jubileu Sul Brasil. Não necessariamente representa o ponto de vista dos apoiadores, financiadores e co-financiadores.

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