Participantes e formadores na aula sincrônica sobre o papel da comunicação

Por Marcos Vinicius dos Santos* | Jubileu Sul Brasil

Se estivesse vivo Paulo Freire completaria cem anos em 2021. Por meio de sua obra na Formação de Multiplicadores – Direitos Humanos e Comunicação, realizado pelo Jubileu Sul/Américas e Jubileu Sul/Brasil em 1º de julho, que as facilitadoras do quarto encontro buscaram desenvolver a ideia de que a comunicação pode ser manipuladora, mas também é um instrumento de resistência.

Antes de tudo, a comunicação é um ato humano, que humaniza um ser que cria uma fase de racionalidade, que é o pensamento e a linguagem. Os saberes populares, as múltiplas conexões, formadas através de gerações e gerações, são construídas pela comunicação entre os pares e base de toda a ciência moderna.

Para propor o debate sobre o tema, participaram Roberta Traspadini, educadora popular, professora da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA), e a jornalista Luciana Araújo, militante do Movimento Negro Unificado (MNU) e da Marcha das Mulheres Negras de São Paulo.

Ao mesmo tempo, os meios de comunicação na sociedade capitalista que vivemos excluem saberes populares, colocando-os como secundários ou inválidos. Um processo de silenciamento e apropriação das minorias, parte da busca desenfreada por poder sobre os outros seres sustentando uma dominação violenta, como colocou Traspadini.

“A comunicação é como uma expressão histórica e social de nossa própria história como humanidade e, nesse sentido, seja ela violenta, ou coletiva e não violenta, não a comunicação falada apenas, mas as diversas expressões do se comunicar, a comunicação dos olhos, do corpo, do sentido. A comunicação do silêncio, porque a gente comunica muito no silêncio e no silenciamento mais ainda, porque uma sociedade na qual um grupo silencia o outro define a violência como construção social”, definiu a educadora popular.

Ao se dominar as comunicações, se hierarquiza a sociedade à luz do seu próprio poder e isso é violento, pois através dessas construções sociais são definidos estereótipos, ou quem pode e quem não pode ter o direito à palavra, à alimentação, o direito ao corpo, ao prazer ou à beleza.

Comunicar e resistir

Como dizia Paulo Freire, comunicar pode ser manipular, mas ao mesmo tempo pode ser resistir, e aquele que resiste deve aprender as técnicas da manipulação porque a sociedade hegemônica exige e deve manter a história de superação, destacou Traspadini:

“Vejam que é duplo o sentido de comunicar sendo classe trabalhadora, classe indígena, classe negra, classe mulher. É duplo no sentido que é refém dessa ordem dominante, mas é também propagador do histórico dessa dominante. Já trazemos em nós mesmos esse duplo movimento, ser como eles, diria Eduardo Galeano, e ser como nós, para nós, não necessariamente como eles”, pontuou.

Luciana Araújo buscou exemplificar esses processos de silenciamento. O exemplo usado por ela foi a relação entre as mulheres e a tecnologia. É comum a sociedade capitalista classificar profissões dessa categoria como “tecnicamente masculinas”, mesmo tendo as mulheres à frente de diversas criações tecnológica apagadas da história.

“A história da comunicação é a mesma da potência feminina apagada. Como o caso do primeiro algoritmo ter sido criado por uma mulher, que frequentemente é apagada. O primeiro sistema de segurança doméstico foi desenvolvido por uma mulher negra. Precisa-se reintegrar à posse das contribuições no papel da construção dos nossos países e nossas nações”, defendeu a jornalista.

Essa característica de apagamento passa por padrões de atuação das mídias hegemônicas. São alguns deles: a ocultação, que ocorre na definição do que é ou não é o fato jornalístico; quando não é possível ocultar é feita a fragmentação, onde os fatos são expostos de uma forma incompleta e muitas vezes é descontextualizada; Além disso temos a inversão que transforma a linguagem de uma declaração oficial em principal elemento e mais importante do que realmente é, como no caso de corrupção das vacinas ser considerado mais importante que o genocídio em curso; e a indução realizada através do sensacionalismo da imprensa sobre determinados episódios.

“Esse é um exercício que o jornalismo nos impõe todos os dias. Decidir o que é um fato, mas o que é um fato para mim, mulher, negra, militante, de origem pobre, mãe solo, militante, é muito distinto do que é um fato para grandes emissoras, grandes conglomerados de comunicação. A minha vida normalmente não é um fato jornalístico de interesse da comunicação hegemônica”, concluiu.

Esse quarto encontro encerrou as aulas expositivas. A quinta e última aula da formação, em 8 de julho, é uma troca de experiências nas áreas de direitos humanos e comunicação a partir dos territórios, com os relatos de representantes das organizações membro na América Latina e Caribe.

O curso integra o Módulo III da formação de multiplicadores em torno dos temas prioritários da Rede é parte do projeto de fortalecimento do Jubileu Sul Brasil, Jubileu Sul/Américas e suas organizações membro, com cofinanciamento União Europeia.

*Com supervisão de Jucelene Rocha

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