Em reunião no Rio de Janeiro, representantes das organizações analisaram os avanços e desafios de 2024, e os rumos para o próximo período

Por Flaviana Serafim – Jubileu Sul/Brasil

Organizações que integram as redes Jubileu Sul Brasil (JSB) se reuniram na tarde do último dia 16 de novembro (sábado), no centro do Rio de Janeiro (RJ), com a presença de representantes do Jubileu Sul/Américas (JS/A) nas sub-regiões Andina, Caribe e Cone Sul, onde compartilharam o contexto dos países e os desafios para seguir construindo uma sociedade sem dívidas e por reparações.

As entidades membro cumpriram extensa agenda de atividades na capital fluminense, iniciada no dia 14, com a Cúpula dos Povos frente ao G20, seguida do Tribunal Popular “O imperialismo no banco dos réus”, na tarde do dia 15, na Fundição Progresso. Na noite do mesmo dia, houve a celebração dos 25 anos da rede Jubileu Sul Brasil e Jubileu Sul/Américas, reunindo entidades membro e parceiros no Tuia Café Cultural. A Marcha dos Povos “Palestina livre do Rio ao Mar: fora imperialismo”, na manhã do dia 16, que mesmo sob forte chuva na Praia de Copacabana, contou com a participação de 10 mil de pessoas, segundo a organização do protesto.

Por isso, a pauta central da reunião foi uma análise do conjunto das mobilizações, os desafios do próximo período, além do contexto dos países e lutas na conjuntura atual. A reunião foi mediada por Rosilene Wansetto, secretária executiva do JSB.

Sandra Quintela, articuladora e da coordenação do Jubileu Sul Brasil, fez um breve resgate da construção coletiva da Cúpula dos Povos frente ao G20, que reuniu cerca de 700 participantes na Associação Brasileira de Imprensa (ABI), trazendo as pautas e a visão dos povos e territórios em contraponto à Cúpula do G20, que reuniu líderes do grupo das 20 entre as maiores economias globais nos dias 18 e 19 de novembro, também na capital fluminense.

De forma autônoma e independente, o processo de construção da Cúpula dos Povos foi iniciado em abril a partir de comitês locais, a exemplo das cidades de Fortaleza e Rio de Janeiro. “Foi um trabalho duríssimo, de muita negociação, conversa, conciliação, diálogo. A Rede sai muito fortalecida nesse processo, porque o Jubileu Sul não é uma instituição, é um jeito de fazer as coisas”, afirma Sandra.

Representantes das entidades membro das redes e equipe do Jubileu Sul Brasil na reunião realizada na capital fluminense. Foto: Claudia Pereira

Solidariedade ativa ao Haiti

Entre as partilhas que abordaram o cenário nas sub-regiões, a conjuntura do Caribe a partir do relato de Henry Boisrolin, coordenador do Comitê Democrático Haitiano e dirigente da Plataforma Haitiana para o Desenvolvimento Alternativo – PAPDA. Há anos a população do Haiti enfrenta múltiplas crises: insegurança alimentar, crise humanitária, intervenção militar, instabilidade político-econômica e institucional.

Ele explicou que a atuação das gangues “nada mais são do que uma decomposição do sistema neocolonial ou a própria crise interna”, que agem na tentativa de desmantelar o movimento popular haitiano para subjugar o país aos Estados Unidos. Atuam por meio de serviços de inteligência, que enviam pessoas para dentro de cada grupo, promovem treinamento sobre manuseio de armas e estratégias.

Segundo Boisrolin, essas gangues “sempre existiram, agora com mais força, grupos armados que nada mais são do que paramilitares, cujo objetivo fundamental é semear o caos. Um caos planejado para destruir as bases populares, que alimentam as forças populares, e as armas, a munição, vêm dos Estados Unidos. Não sou eu que estou dizendo isso, eles próprios deram uma lista de quem compra as armas no Haiti e a lista dos que vendem nos EUA”, denuncia.

Por isso, ele ressaltou que “não é uma nova ocupação do Haiti que irá resolver a vida do povo haitiano. A estratégia é cortar a circulação de armas para as gangues, cortar o apoio às gangues”.

O dirigente destacou ainda a importância da solidariedade internacional necessária ao povo haitiano nesse enfrentamento. Ele propôs que na agenda de atividades para o ano de 2025, a Rede Jubileu Sul/Américas realiza uma formação, abordando a história, a geopolítica e outras informações que contextualizem a realidade do Haiti para as organizações e movimentos populares de outros países.

Argentina

Da sub-região Cone Sul, Beverly Keene, do Dialogo 2000 (Argentina) chamou atenção para o avanço “de tudo que é a economia irregular, como às vezes se diz, a economia ilegal, que está absorvendo mais e mais mão de obra desempregada, está enchendo os refeitórios populares, pelo menos na cidade de Buenos Aires é assim”.

Keene destacou que, “é uma realidade cada vez mais presente em todas as nossas cidades e temos que olhar com muito mais atenção: como ela se relaciona com a economia legal, como se alimenta e o que significa na vida das pessoas, nos processos de organização, de mobilização”.

Entre as agendas para o próximo ano, Beverly propôs o engajamento da Rede JS/A no processo de criação de um novo Fórum da Tríplice Fronteira, previsto para abril de 2025 assim como fortalecer processos do Tribunal Internacional dos Povos e da Natureza com audiências e sessões nos territórios.

Itaipu binacional, dívida e reparações

O líder Celso Japoty, do povo Avá-guarani no Oeste do Paraná, falou do processo de luta pelo reconhecimento de seus territórios, dos conflitos e violências enfrentados pelos indígenas que têm sofrido seguidos ataques por fazendeiros do agronegócio.

Japoty atualizou ainda o embate por reparações aos Avá-guarani do Brasil e do Paraguai, afetados há décadas pela construção da hidrelétrica de Itaipu. Eles reivindicam ressarcimento da dívida histórica com as comunidades indígenas pelo etnocídio cometido por Itaipu Binacional, e que as reparações sejam levadas em consideração pelos dois países na revisão do Anexo C do Tratado de Itaipu, que ocorre 50 anos após o acordo entre os dois países.

Os impactos da hidrelétrica também foram destacados por Marcial Gomez Gimenez, da campanha Itaipu 2023 Causa Nacional (Paraguai). Além da ausência de indenização às comunidades camponesas e populações indígenas que tiveram suas terras inundadas, ele recordou que Itaipu consumiu bilhões de dólares do Paraguai para pagamento da dívida contraída com o Brasil para construção da usina.

O mesmo país que nega reparações e territórios aos povos tradicionais, é historicamente marcado pela forte concentração fundiária: 85% das terras estão nas mãos de 2,5% dos proprietários, e o quadro pode se agravar com a aprovação de projetos de lei na Câmara dos Deputados paraguaia.

“O que pretendem é legalizar todas aquelas terras que foram distribuídas ilegalmente na época da ditadura, que chamamos de ‘tierra mala vida’, que estão registradas, documentadas, mais de 8 milhões de hectares de terras públicas que foram entregues de forma totalmente fraudulenta para os amigos do general que liderou nosso país. Também 30% das comunidades camponesas e indígenas que têm as terras sob sua administração, digamos assim, estão sem documentos, e essas terras também serão confiscadas com essa lei”, criticou.

Avanços e consciência popular

Da sub-região Andina, Aurora Donoso, da Acción Ecológica, explicou que o Equador atravessa um governo de extrema direita com o presidente Daniel Novoa, um bilionário exportador de bananas que têm interesses imobiliários e em mineração, e que seu país vive uma situação de insegurança, impactado pela narcopolítica e pela  narcoeconomia.

Ao mesmo tempo, as lutas populares têm tido avanços positivos, com conquistas históricas no período, como a consulta popular nacional na qual 60% do povo equatoriano decidiu pela não exploração petrolífera numa área na Amazônia, no Parque Nacional Yasuní. Numa consulta regional, a população também votou pela não exploração da mineração industrial em uma área importante de biodiversidade, o Choco Andino.

“De alguma forma, o que isto nos diz é que existe um nível de consciência. Demorou 30 ou 40 anos para influenciar a população, no nível local, no nacional, nas instituições, mas sobretudo nos cidadãos como um todo, nas pessoas, para valorizar a natureza, os rios, as águas, as florestas, fortalecer as lutas territoriais e atingir níveis nacionais de voto pela não exploração”. Para Aurora, “dentro de todo esse panorama sombrio, é bom que tenhamos conquistas como as que ocorreram agora, inclusive para poder coordenar com diversas organizações, convocar, manter vivos esses espaços e a participação da Rede”.

25 anos do Jubileu Sul Brasil

No marco da celebração dos 25 anos do Jubileu Sul Brasil, Rosilene Wansetto destaca os desafios para o seguimento na trajetória de lutas da Rede:

“Para o próximo período, a Rede se coloca o desafio da construção coletiva, de um plano estratégico e articulado que fortaleça a sinergia nas lutas para fazer frente aos avanços da extrema direita no Brasil, América Latina e Caribe. Construir fortalecendo politicamente os processos, articulações, coletivos, os povos e territórios. E o de contribuir para um saldo organizativo nas ações que levem a uma sociedade sem dívidas e com reparação”, conclui. 

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