Por Flaviana Serafim I Jubileu Sul Brasil

Os Avá-Guarani paranaenses realizaram mobilização em 19 de abril, entregando à presidência da hidrelétrica de Itaipu o documento  Deuda histórica de Itaipú Binacional Lado Paraguayo, con el Pueblo Ava Guaraní Paranaense, no qual reivindicam reparação pelas violações às comunidades indígenas expulsas para a construção da usina, há quarenta anos.

O parlamentar do Mercosul, Ricardo Canese. Reprodução/Itaipu 2023 Causa Nacional

Parlamentar do Mercosul, Ricardo Casese acompanhou a entrega protocolada pela Comissão dos Povos Indígenas e afirma que as violações cometidas contra os Avá-Guarani configuram crimes contra os direitos humanos que são imprescritíveis, que exigem reparação, condenações e podem ser julgados a qualquer tempo:

“É um crime contra os direitos humanos extremamente grave. Temos que buscar solucionar conjuntamente no Paraguai e no Brasil porque a perda é muito grande. Acredito que o mais prudente é que resolvam internamente antes que o país passe por um mau momento por não obedecer a uma determinação [internacional]. É uma situação que vem da ditadura e que não foi resolvida pelos governos democráticos que se sucederam”.

Segundo os Avá-Guarani, o Tekoha Guasu é a soma dos territórios dos tekoha formado por “uma entidade sociopolítica, econômica e territorial autônoma” que constitui a sociedade Guarani, na qual “cada pessoa faz parte de uma família extensa e se identifica com ela”. Um tekoha “cobre facilmente cerca de 5.000 hectares”. Toda essa estrutura foi destruída com a expulsão das comunidades.

Por isso, na reivindicação ressaltam que as reparações feitas há 40 anos por Itaipu binacional não incluíram “as estratégias de vida ou sobrevivência da população mais carente, que vivia na área. (…) O que ficou bem definido foi o fato de que essa população teve que ser forçada a se deslocar”. 

Cristóbal Martínez, líder do Tekoha Sauce. Reprodução/Itaipu 2023 Causa Nacional

Na visão dos Paĩ Tavyterã expressa no pedido de reparação “parcelar a terra e vender é como massacrar a própria mãe. É como se cada um de nós encontrasse a própria mãe em um açougue, que coloca os pedaços dela à venda!”.

“O que nós Avá-Guarani queremos primeiro é recuperar nosso território, nossa terra. Os danos e os prejuízos de Itaipu com nosso povo têm que ser reparados, indenizados. Até o momento, o Estado do Paraguai não fez nenhuma declaração oficial sobre o documento, mas nos reunimos com o chanceler e ex-presidente do Congresso, que se comprometeu com a criação dessa mesa interinstitucional”, diz Cristóbal Martínez, líder da comunidade Tekoha Sauce, que representou a Comissão dos Povos Indígenas na entrega de reivindicações ao governo paraguaio.

As comunidades ressaltam que o descaso do Estado com o povo Avá-Guarani fere a Convenção 107 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), de 1957, relativa à proteção e integração das populações indígenas e outras populações tribais e semitribais de países independentes. O Paraguai era signatário do tratado internacional, ratificado no país desde 1968.

A Convenção 107 foi atualizada pela OIT em 1989, com a Convenção 169 sobre Povos Indígenas e Tribais, ratificada no Brasil em 2004. Apesar do país ser signatário, o Decreto 10.088/2019 de Bolsonaro consolidou o conjunto de convenções da OIT ratificadas no Brasil, fazendo com que o cumprimento esteja sujeito à aprovação do Congresso Nacional, a quem cabe resolver sobre acordos internacionais quando “acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional”, segundo o artigo 49 da Constituição.

Centro da aldeia Ocoy/Jacutinga, nas margens do rio Paraná (1979). Acervo do Cimi, reproduzido do livro Imagem e memória dos Avá-Guarani Paranaenses

No Brasil, as violações sofridas pelos Guarani paranaenses desde os anos 1940 estão reconhecidas nos relatórios da Comissão Nacional da Verdade e na Comissão Estadual da Verdade do Paraná. Além dos crimes decorrentes da construção da usina, há outros anteriores causados pelos conflitos por terras, como a tortura de indígenas.

Os relatórios das comissões recomendam, entre outros, identificar e mensurar as violações, os agentes envolvidos e locais em que ocorreram; identificar as empresas e particulares que obtiveram vantagens com as violações; reparar os danos materiais, morais e ambientais sofridas pelos indígenas, como a regularização de terras e recuperação ambiental. 

> Leia também: Povo Avá-Guarani exige reparação à dívida histórica por violações de Itaipu

Gerações atravessadas pelo medo

Presidente da Asociación de Comunidades Avá Guaraní del Alto Paraná (ACIGAP) e vice-presidente da Asociación Yvy Parana Rembe’ýpe, Cristóbal e seu Tekoha Sauce vivem pela segunda vez os temores do exílio forçado, pois sua comunidade está entre as que retornaram às terras indígenas e pode ser expulsa a qualquer momento da reserva natural de Limoy, uma área de 13,3 km² de floresta densa administrada pela Itaipu Binacional. Ele conta que os indígenas não recebem nenhum benefício ou assistência do Estado paraguaio.

Famílias Avá-Guarani do Tekoha Pyau, no Oeste do Paraná. Foto: Osmarina de Oliveira/Cimi

Sobre as memórias da primeira expulsão, o líder e outros Avá-Guarani recordam que muitos só saíram quando a água já estava subindo. Eram transportados repentinamente até um lugar chamado Vakaretã, de onde tinham que caminhar 10 quilômetros porque os caminhões de Itaipu não chegavam ao destino final, o assentamento Yukyry.

A área para onde foram deslocados não tinha água nem comida, a perda da subsistência no território e a tristeza levaram a mortes, principalmente de idosos e crianças, e suicídios. “O que mais sinto foi ter perdido meus filhos por causa da fome. Sobrevivíamos como podíamos”, relata na reivindicação Ricardo Álvarez, do Tekoha Marangatu-Ára Pyahu.

Como afirma o cacique Ílson Dias, da Aldeia Tekoha Y’Hovy, em Guaíra & Terra Roxa – Relatório sobre Violações de Direitos Humanos contra os Avá Guarani do Oeste do Paraná:  

“Quando a gente fala de reparação, muita gente já pensa em dinheiro. Mas reparação, ela nunca vai ser completa. Você não fala de um ambiente perfeito se nesse ambiente tiver casa de alvenaria, carro de luxo. Isso não é reparação, não é um ambiente perfeito. O ambiente perfeito era a fauna e a flora que antes existiam, a grande natureza em que a gente tinha liberdade de ir, de ver e viver”.

Imagem de capa: Mulheres em cerimônia religiosa no Tekoha Ocoy. Reprodução do livro Imagem e memória dos Avá-Guarani Paranaenses – Acervo do Cimi


Para saber mais:

Livro
Expropriados da terra: o conflito de Itaipu

Documentários

Três Alves – Uma Breve História da Migração Guarani no Oeste Paranaense:

 
El retorno del pueblo que sobrevivió a Itaipu (em espanhol)
https://youtu.be/HZ70KxNLH6c
 
 
Acesse a íntegra da 1ª versão do documento com as reivindicações:

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