Alegando investir na preservação ambiental na área próxima ao porto, gestão do prefeito Felipe Augusto (PSDB) pretende remover 29 moradias na comunidade tradicional na Baía do Araçá. Projeto que não ouviu moradores tem oposição de vereadores e é investigado pelo Ministério Público Federal
Por Cida Oliveira – Rede Brasil Atual
Um projeto da Prefeitura de São São Sebastião, litoral norte paulista, trouxe muita preocupação para os caiçaras da comunidade da Baía do Araçá. Em março, o prefeito Felipe Augusto (PSDB) publicou decretos que incluem a retirada de 29 moradias. São casas de famílias que habitam o local assim como fizeram seus pais, avós, bisavós. A remoção acompanha um projeto, segundo a gestão, de revitalização de toda a orla do município. O objetivo seria a preservação ambiental, conforme destaca a equipe do prefeito em seu site com ações da gestão. Ali ele destaca seus “esforços pela preservação da Baía do Araçá”
A proposta da prefeitura não foi bem aceita e houve resistência da comunidade, que contou com apoio de setores da Câmara. O projeto com finalidade urbanística acabou arquivado, mas não os decretos sobre as remoções. Por isso o vereador Giovani dos Santos (PP), mais conhecido como Pixoxó, apresentou um projeto de decreto legislativo (PDL). O objetivo é suspender a transferência dos caiçaras para outras regiões. A Comissão de Justiça aprovou a proposta por unanimidade na semana passada. E havia a expectativa de aprovação pelo plenário nesta terça-feira (23). Mas a votação foi adiada.
À RBA, Pixoxó criticou o projeto e a condução da proposta pelo prefeito, que não consultou os moradores sobre a sua proposta. “Na verdade não apresentou nenhum projeto à sociedade, não fez uma audiência pública, não discutiu com os parlamentares”, disse o vereador, lembrando que as famílias afetadas são tradicionais no local, onde vivem da pesca há gerações.
Narrativas e estratégias contra a comunidade, dizem caiçaras
Segundo a comunidade, a prefeitura utiliza diversas narrativas e estratégias para intimidar e desanimar os moradores. A começar pelo abandono em termos da oferta de serviços públicos. “Por diversas vezes o prefeito tem nos atacado, dizendo que nossas casas são feias, que nós sujamos a praia. Isso não é verdade. O lixo que vem para cá desce pelo Córrego Mãe Isabel. Nós, moradores, diversas vezes fizemos denúncia para o setor da prefeitura. Mas nada foi feito; temos foto do lixo que recolhemos, que fica por semanas na praia e ninguém vai retirar”, disse em entrevista à RBA o morador Humberto Almeida.
Pescador, filho, neto e bisneto de pescadores locais, Humberto conta que é a comunidade que zela pela baía do Araçá. “Fazemos replantio de mangueiras e a limpeza do mangue, porque já pedimos diversas vezes que a prefeitura nos ajudasse. A resposta foi sempre que nada podia ser feito. Hoje eles falam em reflorestar o mangue depois de um serviço árduo que nós, moradores, fazemos. Com meus filhos e colaboradores fizemos mudas do mangue e tentamos replantar. E não só no mangue do Araçá, mas também nas praias vizinhas. E assim nós vamos fazendo. Agora o prefeito tirou as pessoas que limpavam a praia para dizer que os moradores sujam o mangue”, disse.
Segundo relatou, até recentemente uma empresa contratada pela prefeitura para a coleta de lixo despejava chorume próximo ao córrego Mãe Isabel. Do mesmo modo, empresas que trabalhavam para o porto descartavam ali óleo queimado. Eles denunciaram, inclusive com a entrega de vídeos. “E o prefeito responsabiliza os moradores”, lamentou.
Moradores desconfiam de projeto de expansão do porto
Os planos de expulsar do local os caiçaras não são de hoje, segundo relatos. As tentativas sistemáticas coincidem com os projetos sucessivos de ampliação do porto, atualmente arquivados, como mostra o documentário Pulsante, que pode ser visto no final da reportagem. E ganharam força mais recentemente, em meados de 2015, quando Felipe Augusto iniciou sua primeira campanha, elegendo-se prefeito pela primeira vez em 2016.
“Ele já falava que queria essa área para guardar contêiner que viria do porto e que nos daria um terreno no bairro da Enseada duas vezes maior do que o nosso, para que nós aceitássemos. Nós não aceitamos porque aqui é uma comunidade que vivemos da pesca local, mariscagem no mangue e da nossa cultura. Mas infelizmente dentro do município de São Sebastião as comunidades não têm oportunidade de levar a cultura adiante. E tentam nos calar com mentiras, calúnias e ameaças”, disse Almeida. Segundo ele, desde que a prefeitura anunciou os decretos de remoção várias pessoas da comunidade adoeceram. “Além dos casos de depressão, há até quem fala em suicídio”, disse.
Os decretos do prefeito tucano estão na mira do Ministério Público Federal (MPF), que investiga o caso. Segundo a procuradora Walquiria Imamura Picoli o processo de desapropriação é ilegal, porque desobedece a legislação, acordos internacionais que o Brasil é signatário e também a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais (PNPCT) e pela Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho).
Projeto da prefeitura desrespeita legislação e acordos internacionais
“Se você tira essa comunidade desse território, ela desaparece. Seria determinar o extermínio de uma comunidade pesqueira. Perde-se a técnica, o conhecimento, perde-se tudo. É muito grave essa medida, ainda mais uma desapropriação em massa de uma comunidade tradicional”, disse a procuradora.
Criada pelo decreto 6040, de fevereiro de 2007, a PNPCT tem entre os objetivos principais garantir aos povos e comunidades tradicionais seus territórios e o acesso aos recursos naturais que tradicionalmente utilizam para sua reprodução física, cultural e econômica. Além disso, “garantir os direitos dos povos e das comunidades tradicionais afetados direta ou indiretamente por projetos, obras e empreendimentos”.
Prefeitura alega que objetivo é proteger o meio ambiente
Em nota enviada à reportagem, a Prefeitura de São Sebastião afirmou estar em tratativas com moradores da orla do Mangue do Araçá, no bairro Varadouro, “que estariam interessados na desapropriação de seus imóveis de forma amigável”. Segundo a gestão ressaltou na nota, “a área de preservação ambiental encontra-se bastante degradada”, razão pela qual há dezenas de campanhas anuais de conscientização à preservação. Esse foi o motivo, segundo informou, da criação do Programa Ambiental de Desocupação de Orlas, cujo “objetivo exclusivo” é recuperar estes ambientes degradados pela intervenção humana. Segundo a versão da prefeitura, há no local instalação de comércio e igreja, além de ponto de tráfico e consumo de drogas.
Para os moradores, apesar das pressões ainda há fé na Justiça e na verdade. “Nós não temos interesse de sair da nossa terra, aonde temos lembranças dos nossos antepassados, memórias de cada árvore que plantamos dentro do nosso quintal. Tudo tem uma história, um significado. E isso não tem dinheiro que pague. Eu não vendo a nossa cultura, que a gente passa de geração em geração embora estejam querendo nos arrancar de uma forma injusta”, disse Humberto Almeida.
Confira documentário Pulsante, sobre a comunidade do Araçá: