A atividade está programada para acontecer em diferentes territórios dos seis estados que integram a Ação Mulheres por reparação das dívidas sociais: Amazonas, Bahia, Ceará, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul.

Crianças e adolescentes que participaram da Cirandinha no Movimento Cultural de Águas Claras, comunidade acompanhado pela Ação Mulheres por reparação das dívidas sociais, em Salvador (BA). Foto: Josilene Passos.

Por Natasha Cruz

Ter lugares saudáveis e seguros para brincar, contato próximo com a natureza, ter a mobilidade garantida, com transporte público confiável e opções de rotas acessíveis para caminhar, são fatores fundamentais para o pleno desenvolvimento das crianças.

O direito à participação dos pequenos está previsto e garantido em lei: está na convenção dos Direitos da Criança e do Adolescente da ONU (Organização das Nações Unidas), na Constituição Federal, no ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) e também no Marco Legal da Primeira Infância.

A distância entre as previsões legais e sua efetividade no cotidiano, desdobradas como políticas públicas efetivas, no entanto, permanece como um grande desafio a ser superado. Especialmente em contextos urbanos densamente populosos, como é o caso das capitais do país atualmente, onde os gargalos das políticas públicas são tão significativos que grandes intervenções estruturais são necessárias e urgentes.

É o caso do direito à moradia digna, por exemplo, um dos eixos principais de atuação da Rede Jubileu Sul Brasil através da Ação Mulheres por reparação das dívidas sociais, e suas interfaces com o direito à cidade como um todo.

Crianças e adolescentes em atividade na Cirandinha realizada na comunidade Raízes da Praia em Fortaleza (CE). Foto: Nenzinha Ferreira.

O direito à cidade – que, de forma resumida, compreende que não basta que a cidade possua espaços públicos em todos os bairros se seus habitantes não tiverem direito e condições de circular e acessá-los livremente – também está previsto legalmente, na Constituição Federal. O capítulo sobre a Política Urbana da Constituição e o Estatuto da Cidade determinam que toda a gestão da política urbana precisa ser democrática, mas, novamente, há a distância entre a previsão legal e o cotidiano das cidades.

Escuta e participação efetiva das crianças

Como seriam as nossas cidades se as políticas públicas urbanas considerassem a necessidade e o desejo dos pequenos em suas execuções? Não é difícil imaginar que haveriam mais praças e parques, mais natureza e mais espaços coletivos, certo? Uma cidade melhor para as crianças é uma cidade melhor para todos, afinal, uma cidade que proporcione acesso aos equipamentos de lazer, cultura, esporte e educação, assegura uma infância plena para um desenvolvimento de fato integral.

Promover espaços de escuta e participação de crianças e adolescentes é, portanto, tarefa importante no atual contexto, especialmente quando consideramos como o acirramento da violência urbana os afasta cada vez mais dos espaços públicos e fragiliza os laços comunitários, fragmentando a própria noção de sujeito.

Refletir sobre si e a partir de si lançar seu olhar para o território

As cirandinhas, como foram denominadas as atividades com crianças e adolescentes no âmbito da Ação Mulheres, tem por objetivo favorecer a reflexão sobre as realidades locais dos territórios a partir da perspectiva das próprias crianças. Buscam “proporcionar o lúdico como ferramenta de ação, educar aprendendo com brincadeiras que podem chamar os sujeitos crianças e adolescentes à sua totalidade traduzida no amálgama corpo-mente-emoções”.

O trecho é do documento Sem perder a ternura: Orientações da Rede Jubileu Sul Brasil para ações com crianças e adolescentes, publicado recentemente na esteira dos acúmulos da atuação territorial com mulheres. O documento indica ainda que a ideia é a de que o trabalho “contribua para que os segmentos exerçam a descoberta de si mesmo, dos seus corpos, dos corpos dos demais, do corpo social a que pertencem e o seu lugar no mundo enquanto e como sujeitos fundamentais para a coletividade no reconhecimento das diferenças”.

Crianças e adolescentes do Planalto Pici em Fortaleza (CE), desenhando durante Cirandinha. Foto: Nenzinha Ferreira

Nas comunidades Raízes da Praia e Planalto Pici, em Fortaleza (CE), as Cirandinhas contaram com a participação de cerca de 30 crianças com faixa etária variando entre 5 a 12 anos. Partindo de uma apresentação musical, contação de história sobre a cidade e roda de conversa sobre o bairro, os pequenos partiram para um momento de desenho do bairro como viam e como gostariam que fosse. Embora apontem o bairro como lugar de afeto não deixam de apontar os problemas de estrutura, como a falta de espaços de lazer, não deixam de evidenciar como a violência está presente no cotidiano. “Tem tiro todo dia”, apontam.

Na cidade de Salvador (BA), no território de Águas Claras, foi justamente a violência o tema da atividade com as crianças. Para conhecer suas diferentes manifestações na comunidade a partir das percepções das crianças, que, também através do desenho, construíram um Mapa das Violências na comunidade.

É engano pressupor que as crianças não compreendam a realidade de onde estão inseridas. Na verdade, crianças e adolescentes saudáveis são curiosos e muito críticos a respeito do seu entorno e utilizam o seu repertório para expressar essas interpretações. Por isso é tão importante estimular, a partir do lúdico, momentos qualificados de escuta e participação. Ainda que, em face da gravidade da ausência de políticas públicas e sociais, que mantêm moradores das periferias urbanas, especialmente mulheres, em condição de permanente violação de direitos essenciais, pareça distante priorizar na agenda coletiva a promoção da participação de crianças e adolescentes.

As cirandinhas acontecerão em diferentes territórios dos seis estados que integram a Ação Mulheres por reparação das dívidas sociais: Amazonas, Bahia, Ceará, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul.

Ação Mulheres por reparação das dívidas sociais é uma iniciativa da Rede Jubileu Sul Brasil em parceria com as Pastorais Sociais/Semana Social Brasileira e a Central de Movimentos Populares (CMP), com apoio do Ministério das Relações Exteriores Alemão, que garantiu ao Instituto de Relações Exteriores (IFA) recursos para implementação do Programa de Financiamentos Zivik (Zivik Funding Program). As ações contam ainda com apoios da Cafod, DKA, e cofinanciamento da União Europeia.

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