A pesquisadora colombiana Johana Peña explica o mecanismo de “ação climática” que substitui uma dívida externa antiga por outra nova

Arte: Jubileu Sul Brasil com imagens do Pixabay/CC

Por Flaviana Serafim – Jubileu Sul Brasil

“A troca da dívida pela natureza, uma falsa solução que perpetua dívidas ilegítimas” foi tema da exposição apresentada pela pesquisadora e mestre em estudos socioambientais Johana Peña, da Censat Agua Viva (Colômbia). No último dia 24, no debate “Austeridade, dívidas sociais e climáticas e a relação G20-FMI/Banco Mundial”, 3º encontro virtual do ciclo “A Cúpula dos Povos: de pé frente ao G20”, ela apresentou dados parciais de um estudo que está desenvolvendo junto com o Centro de Reflexão de Política Fiscal da Universidade Nacional da Colômbia.

O levantamento mostra aumentos crescentes da dívida pública colombiana nos últimos anos, e que o pagamento de juros da dívida consome mais recursos do que o orçamento das áreas de educação, saúde, ambiental e desenvolvimento sustentável. Outro fator para o maior endividamento são empréstimos feitos junto ao Fundo Monetário Internacional (FMI) em 2020, durante a pandemia de Covid-19, que levaram seu país a sofrer, em 2021, forte queda no grau de investimento, classificação que indica a capacidade do país em honrar compromissos financeiros.

Há uma regra fiscal na Colômbia (Lei 1473 de 2011) para reduzir o gasto público no país e manter o equilíbrio fiscal, garantindo a sustentabilidade da dívida pública e a estabilidade macroeconômica. Porém, Johana explica que a restrição se aplica unicamente aos gastos sociais, não afetando o serviço da dívida nem as despesas militares.

“Digamos que tudo isso que acabei de mostrar é como os argumentos que o presidente Gustavo Petro apresenta para dizer que é necessária uma troca de dívida por natureza na Colômbia. No momento não sabemos como funcionaria em detalhes. Sabemos que os fundos seriam dedicados principalmente à conservação da Amazônia colombiana”, afirma.

Troca substitui dívida antiga por nova

Mas afinal o que é a troca de dívida por natureza? “É um mecanismo que poucas pessoas conhecem e não sabem em que consiste basicamente. O objetivo é trocar uma parte da dívida externa de um país que é considerada impagável para investi-la em projetos ambientais”.

Segundo a pesquisadora, em tese o que se presume que a troca seria mais benéfica aos país devedor porque este tem que “pagar os novos juros com a moeda local e não nas moedas fortes, que são o dólar e o euro”.

A pesquisadora da Censat Agua Viva, Johana Peña (à direita) e a economista Beverly Keene, moderadora do debate.

Ainda de acordo com Johana, a visão de organizações como o FMI e a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) é de um “ganha-ganha, que com esse mecanismo podem ser gerados projetos ambientais positivos. Mas o que conseguimos mostrar com a pesquisa é que este é mecanismo que perpetua o domínio dos países do Norte sobre os países do Sul Global e que, portanto, é uma aposta colonialista”, alerta. 

“É muito importante deixar claro, porque não significa uma troca real da dívida, mas sim uma substituição de uma dívida antiga por uma nova dívida”, completa.

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Falta de transparência e impactos nos territórios

Entre outros problemas envolvendo essa troca, Johana observa a questão da transparência das empresas vinculadas, pois “há negociações que são feitas de forma obscura, de forma secreta”. Além disso, o processo de recompra pode aumentar a dívida externa, falta participação da sociedade civil nas negociações e há apropriação de bens comuns pelos credores privados, inclusive o despejo de comunidades locais de seus territórios.

Um exemplo é o caso de Belize, país na costa leste da América Central, onde o orçamento da saúde e da educação teve de ser restringido para investimento em conservação marítima. “À medida que o território passa a ser administrado por ONGs conservacionistas, o que temos visto é que se inibe a livre circulação pelas comunidades ou chegam com projetos que não contemplam a realidade dos territórios”, denuncia.

Outro exemplo é o da Costa Rica, em 1991, onde comunidades locais foram desapropriadas após uma troca de dívidas com a WWF e a TNC. “Houve um deslocamento de comunidades em um parque que foi justamente criado a partir da troca de dívidas, o que obviamente fez com que as comunidades deixassem de ter acesso a bens comuns”.

Quem são os verdadeiros devedores
Ao final da exposição, Johana mostrou um ranking que deixa claro quais são os maiores devedores climáticos e ecológicos: países como Estados, China, Rússia, Alemanha, Japão e França.  Ela afirma que os estudos mostram que os países industrializados do Norte é deveriam pagar ao Sul pelo seu maior grau de apropriação da atmosfera. “Os países ricos deveriam pagar 170 bilhões de dólares até 2050 para compensar a colonização da atmosfera por causa das emissões de carbono excessivas”.

Ranking de países devedores climáticas e ecológicos apresentado por Johana Peña

No caso dos Estados Unidos, o país deveria pagar US$ 80 bilhões pelas emissões excessivas até 2050, e que o Brasil, a Colômbia e o México são os países aos quais se deve mais dinheiro em termos absolutos.

“Apoiamos a auditoria da dívida na Colômbia porque, embora tenhamos mudado para um governo que talvez seja um pouco mais progressista ou de esquerda, tem sido muito complexo poder acessar uma auditoria da dívida porque o presidente Petro não permitiu. Estudos em países onde foi feita auditoria da dívida mostram que, em 80% das dívidas analisadas, identificou-se que são ilegítimas, ilegais e odiosas em sua constituição. Por isso consideramos o mecanismo de troca como uma falsa solução”, conclui.

Ao final, a moderadora Beverly Keene falou sobre os próximos passos das organizações e movimentos populares, incluindo o fortalecimento da educação ambiental popular e a expansão da denúncia de mecanismos como a troca de dívida por natureza ou a ação. Segundo a representante do Diálogo 2000, “fazem parte das falsas soluções promovidas pelo grande capital, através do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial. Será um dos eixos a discutir no Tribunal dos Povos e da Natureza contra estas instituições”, que se reunirá no âmbito da Cúpula dos Povos frente ao G20, no dia 16 de novembro e 17, no Rio de Janeiro, uma iniciativa coletiva que acontece paralelamente ao calendário oficial do encontro de líderes do Grupo dos 20.

O debate “Austeridade, dívidas sociais e climáticas e a relação G20-FMI/Banco Mundial” também teve como convidados o padre Dario Bossi, da Comissão para a Ecologia Integral e Mineração da Confederação Nacional de Bispos do Brasil (CEEM-CNBB), Sonia Mara Maranho, do Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB e Sandra Quintela, da Rede Jubileu Sul Brasil, com moderação de Beverly Keene, do Diálogo 2000 (Argentina), e transmissão ao vivo pelo canal Tarima Digital (Paraguai).

Confira a apresentação de Johana Peña:

Série de debates segue até novembro
Iniciado em julho, o ciclo A Cúpula dos Povos: de pé frente ao G20 tem o objetivo de aprofundar o debate sobre temas que estão em pauta na Cúpula de líderes do G20 (combate à pobreza, crise do clima, dívida, desenvolvimento sustentável, governança global e soberania), que ocorre em novembro próximo, no Rio de Janeiro. Por isso, a série de debates dá ênfase à perspectiva dos povos e territórios do Sul global nestas discussões.

Outro objetivo da série de encontros é fortalecer a mobilização popular e a reflexão sobre como as decisões da Cúpula do G20 afetam a vida cotidiana, pois os chefes de Estado e de governo dos países do G20 é que decidem os rumos da política econômica e do neoliberalismo global.

Os debates ocorrem mensalmente até 26 de novembro, sempre na última terça-feira de cada mês, com transmissão ao vivo no canal da Tarima Digital e na página do Jubileu Sul Brasil.

Reserve a data dos próximos encontros virtuais:
29/10 – “Justiça e reparação: colonialismo, escravidão, genocídio”, com a economista e educadora popular Sandra Quintela, do Jubileu Sul Brasil, e Camille Chalmers, da Plataforma para o Desenvolvimento Alternativo do Haiti (PAPDA), professor na Universidade do Estado do Haiti e dirigente do partido Rasin Kan Pèp la.
26/11- Balanço: como seguimos?

O ciclo é uma iniciativa da articulação do Cone Sul na Rede Jubileu Sul/Américas, em parceria com a Rede Jubileu Sul Brasil, Alba Movimientos, Diálogo 2000 (Argentina), Tarima Digital, Campanha Itaipu Causa Nacional (Paraguai), Conselho de Educação Popular da América Latina e Caribe – CEAAL e a Jornada Continental pela Democracia e contra o Neoliberalismo.

Assista o 3º debate

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