Iniciativas para geração de renda, a partir dos princípios da economia popular solidária, garantem também formação política, além de independência financeira para mulheres

Por Isabela Vieira – Jubileu Sul Brasil*

Ao longo dos 25 anos de história, a Rede Jubileu Sul vem atuando em territórios de todo o país, constatando sempre que as mulheres são as mais afetadas pela violência, pelo desemprego, pela retirada de direitos sociais e de políticas públicas. Como lutar pela reparação das dívidas sem considerar a centralidade e o papel da mulher nesse embate? É neste contexto que a Ação “Mulheres por Reparação das Dívidas Sociais” surge e se fortalece. 

Quando falamos em pobreza social também falamos de moradia, segurança alimentar, educação, saúde e lazer. Na teoria são direitos garantidos pela Constituição Federal a toda a população brasileira. No entanto, mais de 30%, cerca de 62,5 milhões de pessoas, não têm acesso a esses direitos e sofrem com as dívidas sociais históricas. 

Nesse cenário é essencial apoiar a luta das comunidades, especialmente a partir das mulheres, compartilhando momentos formativos, incentivando atividades culturais e viabilizando iniciativas da economia popular solidária para gerar renda e trabalho.

Grupo produtivo “Tecendo Renda” na ocupação Vida Nova, em Porto Alegre (RS). Foto: Sherlen Borges/Jubileu Sul Brasil

A economia popular solidária pode ser entendida como a produção, venda, troca, compra e finanças organizadas coletivamente por trabalhadoras e trabalhadores, com a proposta de uma autogestão em comunidade. O objetivo não é exclusivamente o lucro, mas também a busca do desenvolvimento humano, garantindo a soberania alimentar, levando em consideração o menor dano ao meio ambiente, o consumo consciente e o uso inteligente dos recursos naturais. 

Trilhando os caminhos dos princípios da economia popular solidária as mulheres geram renda, sustento financeiro e alimentação às famílias e também emancipação – aqui, além da luta contra a fome que afeta mais de 30 milhões de pessoas no país, vale destacar a importância do empoderamento e da autonomia financeira às mulheres em geral e, sobretudo, às que são vítimas de violência doméstica, pois o acesso à renda é essencial para romper com o ciclo dessa violência. 

É nesse sentido que a Ação Mulheres apoia iniciativas nos territórios de atuação, como é o caso da Cozinha Produtiva Ocupação Vito Giannotti, no Rio de Janeiro (RJ); do Apoio a Projetos Socioeconômicos Autogestionários, em Salvador (BA); do Tecendo uma Vida Nova: Ateliê de Reativação de Talentos, em Porto Alegre (RS); do projeto Resistir e Transformar a partir da Organização das Mulheres, de Manaus (AM); além do Mulheres Fortalecendo o Território na Perspectiva da Segurança Alimentar e Economia Solidária, em Belo Horizonte (MG); e dos Grupos produtivos do Ceará, em Fortaleza (CE). 

Segurança alimentar

Tanque de peixes do Sisteminha no Conjunto Palmeiras, em Fortaleza (CE). Foto: Lucas Calisto

Criado em 2020, durante a pandemia, o Sisteminha é uma das ações pensadas para promover segurança e soberania alimentar para comunidades que antes estavam em situação de vulnerabilidade. O Sisteminha visa a produção solidária de alimentos, com  criação de peixes em tanques com recirculação e filtragem de água, e galinheiros e hortas comunitárias. Pode ser instalado em áreas urbanas e rurais, é facilmente adaptável às experiências das pessoas, condições climáticas e mercado local. 

De acordo com Taciane Soares, articuladora local em Fortaleza, a ação que começou com foco na luta pela regularização fundiária resgatou a identidade das comunidades e contribuiu com a segurança alimentar, independência e proatividade das pessoas envolvidas. “As ações fortalecem muito as discussões a respeito das necessidades de moradia digna, acesso à alimentação de qualidade, saúde, educação e também ao trabalho. A discussão a respeito da valorização do trabalho doméstico, a valorização das mulheres e do potencial delas também ganhou espaço”, afirma. 

Já a cozinha comunitária da Ocupação Vito Giannotti, no Rio de Janeiro, é uma das fontes de renda que garante a manutenção da rede elétrica, saneamento básico com esgoto, limpeza e reparo de equipamentos comuns da ocupação. Atualmente são produzidas cerca de 400 quentinhas que possibilitam a segurança alimentar de diversas famílias.

Organização das mulheres

Mulheres do grupo produtivo de Manaus. Foto: Patrícia Cabral

Em muitos casos, a partir da ação nos grupos e de encontros nas comunidades, a população começa a identificar problemas enfrentados no dia a dia. É o caso das mulheres da ação “Resistir e transformar a partir da organização das mulheres”. Realizado em Manaus, o grupo produz sabão ecológico e artesanato para comercialização, gerando renda e senso de coletividade, uma vez que o grupo produtivo também é um espaço de acolhimento e diálogo. 

Para a articuladora local Marcela Vieira, os trabalhos com a comunidade têm resultados positivos como a revogação da reintegração de posse e a regularização de uma das comunidades. “Vamos formalizar uma associação de mulheres, elas estão lutando por direitos como transporte público, educação e saúde. Já são grandes resultados”.

Gorete Gama, articuladora local no Rio, fala sobre o papel social dos grupos produtivos e o impacto na vida das famílias. “Quando falamos de cozinha coletiva/comunitária, estamos falando de economia popular solidária. Percebemos que há um sentimento de pertencimento, como se somente as ações realizadas coletivamente fossem capazes de garantir qualidade de vida às famílias que ali moram”, conclui.

*Reportagem publicada originalmente na edição 2023 da Revista Ação Mulheres. Confira a íntegra da publicação clicando aqui.

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