Por Pe. Alfredo J. Gonçalves, cs

Hoje, dia 23 de setembro, tem início a primavera no hemisfério sul. No Brasil, de um ponto de vista socioeconômico e político, a primavera começa com cara de outono (para não dizer inverno, o que pode parecer muito pessimista). Não seria exagero falar de um túnel sombrio, com pouca ou nenhuma luz ao final. Caminhamos às apalpadelas, como míopes que perderam os óculos. Debatemo-nos e tropeçamos com obstáculos, informações e comentários que, no mínimo, nos deixam com um sabor de amarga incerteza. Multiplicam-se por toda parte os sintomas deste período informe e indefinido.

As reformas em curso no Congresso Nacional caminham aos atropelos. Entre Senado e Câmara, emergem sinais de uma disputa subterrânea pelo protagonismo. Não bastasse isso, o conteúdo de tais reformas permanece dúbio, intrincado e nebuloso, revelando-se um terreno minado com armadilhas de todo tipo. De uma forma ou de outra, tem-se a impressão de que se reproduz o esquema da Casa Grande & Senzala: privilégios intocáveis para a primeira, favores eventuais para a segunda. Além do mais, na relação rumorosa e estridente entre os três poderes, voam farpas envenenadas e cheias de mal-entendidos.

Do lado da segurança, um fato trágico (e infelizmente corriqueiro) chama nossa atenção: Ágatha Félix, menina de oito anos, morreu hoje no hospital, após ser atingida ontem por uma bala perdida no Complexo do Alemão, Rio de Janeiro. Bala perdida? Que o digam os cariocas! São frequentes as vítimas dos tiroteios entre policiais e milicianos, e o ano de 2019 já contabiliza algumas mortes. Até o momento, nenhuma palavra das autoridades municipais, estaduais ou federais. Pesa sobre o ocorrido um silêncio de estridente indiferença. Triste, muito triste, quando por bagatelas palacianas, ergue-se tantas vezes um ruído sem fim de ataques, agressões, insultos e ofensas irracionais. Para os familiares de Ágatha, a primavera terá um gosto tempestuoso de inverno. Será essa a política de segurança pretendida pela bancada da bala?

O foco dos próximos dias, porém, encontra-se em outro lugar. Estamos às vésperas de dois eventos significativos: a 74ª Assembleia Geral da ONU, nos Estados Unidos; e Sínodo sobre a Amazônia, no Vaticano, este último com cerca de 250 participantes, em particular da região amazônica. Em ambos os casos, a temática sobre o clima e a preservação do meio ambiente ganhará espaço preponderante. Qual será a posição do Brasil? Ou melhor, existe uma política pública do atual governo brasileiro para a defesa da fauna e da flora em geral e da Amazônia em particular? Ao mesmo tempo, quais os planos e projetos para a defesa dos direitos dos povos indígenas, das comunidades quilombolas e das populações ribeirinhas?

O grande desafio, entre outros, está em resolver a difícil encruzilhada entre fontes de energia “limpas” e produção de alimentos. À medida que os combustíveis fósseis (carvão, petróleo e gás) se tornam vilões do aquecimento global, a pesquisa científica sobre alternativas energéticas tem concentrado boa parte de seus esforços sobre fontes de origem agrícola. Essa busca vem entrando em rota de colisão com a necessidade crescente de alimentos. Como conciliar as duas coisas em um nível simultaneamente local, regional e global? A resposta tem a ver com um novo modelo de produção de bens, com uma melhor distribuição das riquezas naturais e com uma nova convivência com “nossa casa comum”, nas palavras do Papa Francisco.

Voltando ao Brasil, as nuvens carregadas da primavera outonal adensam-se de forma particular na área da educação e da saúde. Verifica-se aí um desmonte sistemático com relação aos passos, embora lentos, que vinham sendo dados nas últimas décadas. O estudo permanente e a pesquisa no campo da ciência representam o alicerce de qualquer desenvolvimento sério e minimamente competitivo. Sobe quase que diariamente a busca por produtos e bens de qualidade. O que requer grossos investimentos na educação e saúde. Como fazer isso com os óculos míopes de quem enxerga comunistas por toda parte?

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