Se você mora no Brasil, participa de grupos de mensagens, acompanha o noticiário nacional e local, se tem acesso às informações que circulam fora dos eixos do mercado da notícia, você certamente termina o dia em contato com um conjunto de fatos que deveriam gerar indignação, consternação e revolta.
Esses fatos, tanto se identificam com a barbárie, com a certeza da impunidade e com o ódio baseado em preconceitos inaceitáveis, que alimentam fenômenos desumanos, como tem sua origem na disputa por terra e território, orquestrada especialmente por setores do agronegócio, da mineração e em outras formas de exploração e especulação financeira em terras tradicionais.
Diariamente, vivemos cenários de horror em todos os cantos do país e os fatos recentes não nos deixam esquecer. No Rio de Janeiro (RJ), o jovem congolês Moïse Kabagambe foi brutalmente assassinado após cobrar pagamento de duas diárias de trabalho. Em Barreiros, na Mata Sul de Pernambuco, o pequeno Jonatas de Oliveira dos Santos, de apenas 9 anos, filho do líder rural Geovane da Silva Santos, foi assassinado por um grupo de homens encapuzados. Em São Gonçalo (RJ), o militar Aurélio Alves Bezerra matou o vizinho negro, Durval Teófilo Filho, após “confundi-lo” com um bandido. No Quilombo Cedro, localizado em Serrano (MA), o líder quilombola, Seu Quiqui, sofreu atentado em casa e não resistiu aos ferimentos. Entre janeiro de 2020 e outubro de 2021, quatro outros líderes dos camponeses foram assassinados em Cedro.
Os fatos revelam: o racismo, a xenofobia, a homofobia, o machismo, a misoginia, a intolerância religiosa, o classismo, o antissemitismo, estão armados! Esses agentes do ódio e do caos estão dispostos a fazer qualquer coisa para manter no poder o governo que garante e legitima esse cenário no país. Ocupam espaços na mídia, na padaria, no mercado, nas igrejas, nas rodas de conversa em bares ou em família. Neste ano eleitoral, que está apenas começando, quem ainda não viveu em seu cotidiano a cena em que é interpelado ou mesmo agredido por alguém que inicia uma conversa soltando farpas contra a esquerda e suas principais lideranças?
As Eleições Gerais, em outubro de 2022, vão acontecer em um cenário bastante difícil. A extrema direita não dorme e tem fiéis escudeiros em movimentação estratégica para o contra-ataque, que certamente virá. Temos pela frente uma eleição violenta!
Não é hora para o clima de vitória antecipada, por parte das alas progressistas, contra Bolsonaro. O momento exige inteligência política e compromisso democrático. Seguimos na defesa de um projeto político que garanta a inclusão social, direitos humanos e crescimento econômico com justiça socioeconômica, com distribuição de renda. Além do mais, os muitos retrocessos políticos, sociais, culturais, educacionais e econômicos que herdaremos do governo Bolsonaro, exigirão uma verdadeira força-tarefa para dissolver o bolsonarismo que seguirá presente no cenário nacional, seja lá qual for o resultado da disputa eleitoral.
A história e a ciência política já nos ensinaram que a política não é uma questão de vontade, é a correlação de forças. Nesse sentido, sociedade civil organizada, partidos políticos, instituições democráticas, precisam avançar de forma a alterar a aceleração do despertar de monstros sociais, como o aumento de grupos sociais e políticos alinhados às culturas fascistas e nazistas.
Apesar da violência e ameaça crescente direcionadas às lideranças territoriais, às instituições comprometidas com a defesa de direitos humanos, segue a resistência a partir da formação e mobilização nas bases com as mulheres, as juventudes, a classe trabalhadora. No entanto, o buraco que nos encontramos é profundo.
De um lado está a violência física crescente, de outro, o poder econômico que vai jorrar do Fundo Eleitoral e favorecer iniciativas financiadas com dinheiro público. No último dia 24 de janeiro, o presidente Jair Bolsonaro sancionou o Orçamento com um valor de R$ 4,9 bilhões para o Fundo.
Com esse cenário, que tende a encolher a bancada progressista no Congresso Nacional, é sabido que para a população pobre, preta, para as mulheres ou para as populações que são excluídas por sua identidade social, cultural, religiosa e econômica, o resultado deste pleito, na verdade, será uma questão de vida ou morte.
Vivemos num cenário de colapso e de barbárie alimentado pelo capitalismo, e estamos passando por uma ruptura abrupta do capital constante, sobretudo, dado o advento da 4.0 industrial que está modificando as relações no mundo do trabalho, a precarização e o pauperismo já é a realidade para grande parte da classe trabalhadora. Essa ruptura traz desdobramentos como relações difusas e violentas. O resultado será uma multidão ainda maior de pessoas em extrema pobreza, excluídas do sistema, pessoas que não vão conseguir postos de trabalho ou qualquer forma de geração de renda.
O negacionismo do presidente da República e de seus ministros, com relação à Covid-19, segue tirando a vida de centenas de pessoas diariamente. De acordo com a comunidade científica, sem uma vacinação ampla e acessível para países do Norte e do Sul mundial, as variantes seguem com fôlego para permanecer entre nós por mais algum tempo, sem falar na chamada Covid longa, nas crianças órfãs, nas milhares de trajetórias familiares e individuais afetadas.
O que estamos conseguindo de respostas a esse cenário de colapso? Não basta chamar mobilizações é preciso organizar a construção política, porque a resposta não está no campo eleitoral, mas na força organizativa da política, que vai além de períodos eleitorais a cada dois anos. A verdadeira luta política não está no campo eleitoral.
Como se dará o caminho da unidade das forças progressistas do país, em vista da construção de um projeto popular para o Brasil? O que nos unirá nessa construção? Em outros momentos, como na ocasião do Plebiscito Popular, que impediu a adesão do Brasil à Área de Livre-Comércio das Américas (ALCA), em 2002, a demonstração da força da unidade já se concretizou.
A esperança não está morta, como querem nos fazer acreditar. As forças da extrema direita e o bolsonarismo atuam para estrangular a organização social e assassinar qualquer resistência possível. Nunca é demais reafirmar: o povo não é bobo! “Há que ter muito respeito no trato com a moça, cada toque é um cumprimento à sua beleza, cada gesto é entendimento da sua grandeza, essa rosa é sempre-viva. Aquieta revolta ela dorme e sonha um pouco, mas nunca está morta! Cuida bem da rosa-povo senão ela corta, sempre-viva também sonha mais nunca está morta”, canta os versos de luta do poeta e compositor Gonzaguinha.
Não devemos, não pagamos!
Somos os povos, os credores!
Rede Jubileu Sul Brasil, 15 de fevereiro de 2022