por Manfredo Oliveira*
Nosso país foi apontado pela ONU como exemplo a ser seguido porque políticas sociais, aqui implementadas, retiraram o país da lista dos que são marcados pela vergonha de pertencer ao mapa da fome. Hoje voltamos à vergonha. No Brasil atual, milhões de crianças e adolescentes vivem marcados pela fome, violência e necessidade de trabalho precoce: 9.1 milhões vivem em situação de extrema pobreza com uma renda per capita domiciliar de até 250 reais. A miséria conduz à insegurança alimentar: uma em cada três crianças sofre de anemia.
Mas isso não é só a situação das crianças: 19 milhões de pessoas passam fome hoje no Brasil, fruto da combinação terrível de desemprego, inflação de alimentos e desmonte sistemático das políticas de segurança alimentar e das outras políticas sociais através dos cortes no orçamento da saúde, na educação, na assistência social, na construção de moradias populares, deixando o povo mais desprotegido e vulnerável, inegavelmente uma situação de barbárie. Gandhi dizia que a fome é a forma de violência mais assassina que existe.
Difundiu-se na mídia um vídeo, humanamente repugnante, da Comunidade do Trilho, aqui de Fortaleza: pessoas famintas e desesperadas revirando os sacos recolhidos por um caminhão de lixo de um supermercado. E há pessoas que estão tão fragilizadas que não têm mais condições nem de “catar comida no lixo”, como diz o povo. No entanto, uma política emergencial de combate à fome não entrou até agora na agenda pública.
Esta tragédia humanitária exige medidas urgentes. Guilherme Boulos sugere um plano emergencial contra a fome com quatro medidas principais: a) Garantia de uma renda básica permanente para as famílias mais vulneráveis nas periferias e no interior do país; b) Recuperação dos estoques públicos de alimentos da Companhia Nacional de Abastecimento, cujo papel é colocar produtos no mercado para diminuir preços nos momentos de surto inflacionário (O atual governo vendeu mais de 30 armazéns públicos destes estoques reguladores que precisam ser recuperados); c) Retomada imediata dos programas de estímulo à agricultura familiar a exemplo do Programa de Aquisição de Alimentos para aumentar a produção de alimentos para o mercado interno; d) Apoio às redes de distribuição de alimentos nas zonas urbanas mais vulneráveis, como restaurantes populares e cozinhas solidárias.
O papa Francisco, em sua encíclica Fratelli Tutti, fala do escândalo da fome e chama o atual sistema de assassino: “As crises sociais, políticas e econômicas fazem morrer à fome milhões de crianças, já reduzidas a esqueletos humanos por causa da pobreza e da fome; reina um inaceitável silêncio internacional”(n.29). “Por isso, a política mundial não pode deixar de colocar entre seus objetivos principais e irrenunciáveis o eliminar efetivamente a fome. Com efeito, quando a especulação financeira condiciona o preço dos alimentos, tratando-os como uma mercadora qualquer, milhões de pessoas sofrem e morrem de fome…. a fome é criminosa e a alimentação é um direito inalienável”(n.189). Não é nossa sociedade marcada por uma enorme falta de sensibilidade dos humanos para com outros seres humanos?
* Manfredo é assessor das Pastorais Sociais, CEBs e organismos da Arquidiocese de Fortaleza e Atualmente, é professor emérito da Universidade Federal do Ceará e atua como professor permanente do Programa de Pós-Graduação em Filosofia da UFC (Mestrado e Doutorado)[4]. Foi professor visitante na pós-graduação em Filosofia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul e no CESEEP, em São Paulo.