Tanque de criação de peixes do Sisteminha no Conjunto Palmeiras. Foto: Leo Silva
Tanque de criação de peixes do Sisteminha no Conjunto Palmeiras. Foto: Leo Silva

Por Flaviana Serafim I Jubileu Sul Brasil

Emancipação, empoderamento, geração de renda, partilha de saberes e afetos. São múltiplos e diversos os frutos colhidos ao longo dos doze meses da ação “Comunidades articuladas para velhos e novos enfrentamentos”, impulsionada pelo Movimento dos Conselhos Populares (MCP) e pelo Instituto Negra do Ceará (Inegra) em comunidades de Fortaleza (CE), com apoio do Jubileu Sul Brasil, entre março de 2021 e abril de 2022.

Os passos dessa caminhada vêm de longe e puderam se fortalecer em meio à pandemia com a implementação do Sisteminha, estrutura integrada de produção de alimentos (tanques de criação de peixes, galinheiros e hortas comunitárias) visando à segurança e soberania alimentar, e também à prática de uma construção coletiva e solidária de alternativas ao atual modelo de desenvolvimento. Na comunidade Raízes da Praia foi construído um tanque de criação de peixes e no Conjunto Palmeiras, além do tanque de peixes também foi criado um galinheiro.

> Saiba mais sobre o Sisteminha nas comunidades em Fortaleza

“O senso de comunidade está cada vez mais escasso dentro de uma sociedade competitiva, onde a lida pela sobrevivência está cada vez mais acirrada devido os recursos necessários à vida estarem escassos e alienados no mercado. E na construção do Sisteminha as pessoas são estimuladas a construírem juntas uma proposta de autonomia emancipatória na partilha de saberes e afetos. Cria-se uma prática comunitária”, diz Pedro Fernandes, morador do bairro Serviluz, voluntário dos mutirões do Sisteminha e precursor da proposta na comunidade.

Sisteminha de criação de peixes na comunidade Raízes da Praia. Foto: Leo Silva


O senso comunitário e de partilha são os principais resultados alcançados, por meio de uma proposta viável e instigante, avalia Fernandes: “O peixe é partilhado, mas antes temos a colaboração do tempo e do espaço, ou seja, da vida com propósito viável de ser algo além das relações mercadológicas que fazem da vida um sacrifício”.

Para o futuro, Pedro defende que a ação do Sisteminha precisa ser fortalecida “com ampliação e capacitação das pessoas envolvidas para podermos colher melhor seus frutos”, completa.

Criado em 2002 pelo pesquisador Luiz Carlos Guilherme, então doutorando em zootecnia na Universidade Federal de Uberlândia (MG), o Sistema Integrado para Produção de Alimentos (Sisteminha Embrapa) tem como princípios básicos a miniaturização da estrutura, replicabilidade, escalonamento da produção, segurança alimentar e nutricional.

Aperfeiçoado pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), e implementado inicialmente em aldeias indígenas e assentamentos nas regiões Norte e Nordeste do Brasil, o Sisteminha atravessou o Atlântico e chegou ao continente africano, beneficiando comunidades em Angola, Camarões, Etiópia, Moçambique, Gana, Uganda e Tanzânia. A Embrapa oferece curso gratuito sobre o Sisteminha pela internet (acesse o curso clicando aqui).

Renda, autocuidado e formação política

A ação contemplou ainda grupos produtivos com atividades formativas, de geração de renda e de autocuidado. 

Reunião do Grupo Jornada da Vida. Foto: Emanuela Ferreira Matias

Moradora do Conjunto Palmeiras e membro da Associação de Mulheres, Emanuela Ferreira Matias, a Manu, explica que o Grupo de Jornada da Vida existe na comunidade desde 2013, reunindo mulheres e homens que se organizam para prática do autocuidado com a massoterapia, produtos fitoterápicos da Farmácia Viva a partir de plantas medicinais, produção de artesanato e formação social. As atividades acontecem todos os dias, nos períodos da manhã e da tarde.

“Trabalham sobre a perspectiva da fé e fazem também reflexão política, com ações e participação nas lutas da comunidade. Atualmente o grupo conta com quatro homens e 32 mulheres”, relata Manu.  Ela avalia que o grupo impacta positivamente a comunidade, “pois se torna uma alternativa de encontro, relaxamento, espaço formativo e que também possibilita a geração de renda tanto para as mulheres quanto para os homens, que muitas vezes estão acometidos de depressão por falta de uma ocupação”.

Para Manu, um dos principais resultados alcançados foi a organização da estrutura física do espaço, que nas comunidades teve o apoio do projeto Protagonismo da Sociedade Civil nas Políticas Macroeconômicas, promovido pelo Jubileu Sul Brasil com cofinanciamento da União Europeia, além do fortalecimento do grupo com as formações políticas e o engajamento nas atividades e mobilizações comunitárias.

Quanto às expectativas sobre o futuro das ações, Manu afirma que é continuar e ampliar o espaço, ter mais formação, oficinas, mais atendimentos de massoterapia, buscar mais parceiros e aumentar ainda mais a participação das mulheres e da comunidade. “Fazer com que mais pessoas da comunidade nos conheçam e engajar mais mulheres no Grupo Jornada da Vida”.

Fortalecer a auto organização

Outro grupo no qual Manu está engajada na promoção de atividades é o Mulheres do Jangurussu, que reúne participantes do Gereba, uma comunidade hoje consolidada que surgiu de uma ocupação próxima a um aterro sanitário que existia em Fortaleza.

Reúne atualmente 10 mulheres que se organizam em busca de alternativas de geração de renda e também de participação frente à ausência de políticas públicas que afeta a comunidade. Entre as atividades realizadas estão  oficinas de artesanato, como produção de sabonetes, além de formação política.

Oficina de sabonetes artesanais no Grupo de Mulheres do Jangurussu

“Com as oficinas, o que pretendemos é dar às mulheres a possibilidade delas se organizarem nos grupos produtivos, gerando renda e também um impacto de fortalecimento para que possam se organizar. São mulheres que já se organizavam, mas que estavam dispersas e que, por meio do projeto Protagonismo, estamos ajudando a se reorganizar, a fortalecê-las para se auto organizar”, explica Manu.

Por isso, ela destaca ainda o impacto do projeto principalmente na vida das mulheres, que são maioria entre as beneficiárias da ação e também lideram as atividades em suas comunidades.

“Essas atividades têm empoderado ainda mais as mulheres, principalmente por ter uma ocupação e a possibilidade de ter uma renda, além de mais conhecimento de si e dos seus direitos tanto sobre as leis que as beneficiam como também na luta na comunidade”.

No bairro Planalto Pici, as ações também foram realizadas junto ao Grupo de Mulheres Brilho da Lua, criado em 1992 reunindo mulheres na comunidade para orientar sobre cuidados e ações na área da saúde. Além do incentivo ao uso de plantas medicinais e fitoterápicos, o grupo também produz artesanato, promove formação feminista, cultura, lazer.  

Reconhecimento

Cerimônia de recebimento do Prêmio Frei Tito. Foto: Assembleia Legislativa do Ceará

O MCP, junto com a Coletiva de Mulheres do Jubileu Sul Brasil, receberam em dezembro de 2021, da Assembleia Legislativa do Ceará, o Prêmio Frei Tito de Alencar de Direitos Humanos, que no ano passado teve como mote “A solidariedade é amor e humanismo em ação”. Criada em 2001, a premiação reconhece trajetórias de respeito, defesa e promoção de direitos humanos de indivíduos e organizações no estado.

Na ocasião, Elisabeth Vieira da Silva Bezerra, membro do MCP, explicou ao público o que é o Sisteminha e falou como a solidariedade ganhou força, sobretudo com o engajamento das mulheres, em meio aos desafios e dificuldades enfrentados em meio à pandemia de Covid-19.

“A realidade se agravou muito, mas ao mesmo tempo criou uma rede de solidariedade. A gente sentiu que muitas pessoas começaram a ajudar, a vir pra luta. E nesse dia a gente quer convocar a nós todas e a outras, pra continuar na luta e ir para as ruas”, afirmou.

Ao todo, o prêmio contemplou 25 coletivos e movimentos que se auto organizaram como redes de solidariedade às populações vulneráveis durante a pandemia. Leia mais sobre a entrega da premiação.

Além do projeto “Protagonismo da Sociedade Civil nas Políticas Macroeconômicas”, cofinanciado pela União Europeia, as atividades promovidas pelo Jubileu Sul em Fortaleza contaram com apoio da Cafod, da DKA e da Bé Ruys Fonds.

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