Dia da independência oficial do país, o 7 de setembro foi, mais uma vez, momento de uma pluralidade de movimentos populares, pastorais sociais, denominações religiosas, coletivos de direitos humanos, entidades sindicais, grupos de juventudes, dentre outros segmentos, afirmarem que há ainda um longo caminho para a verdadeira independência do Brasil.
Por todos os cantos do país, o Grito dos/as Excluídos/as que completou a sua 26ª edição, foi palco de denúncia da morte enquanto projeto de Estado e de defesa da vida como direito fundamental. Afinal, quando milhares de mortes são banalizadas no discurso e na ação de governos e empresas, dizer “Vida em primeiro lugar”, tema do Grito, é em si um ato de resistência.
Em respeito ao necessário distanciamento físico como medida de proteção da saúde e das vidas, o Grito ocorreu tanto virtual quanto presencialmente, neste último caso, garantindo-se todos os protocolos e recomendações das autoridades públicas sanitárias.
Nesse sentido, diversas foram, além das vozes, as formas de realização das atividades, evidenciando que a criatividade é um elemento próprio das manifestações populares. Lives, atos simbólicos, celebrações interreligiosas, performances cênicas, intervenções culturais, passeatas, carreatas, utilização de carros e bicicletas de som foram alguns dos modos encontrados pelas diferentes entidades para dialogar com o conjunto da população.
Reivindicações
Com o lema Basta de miséria, preconceito e repressão. Queremos trabalho, terra, teto e participação”, o Grito foi diverso também no que diz respeito às temáticas abordadas.
Uma das pautas prioritárias nas manifestações foi o enfrentamento ao genocídio da população negra das periferias. Divulgado dias antes do Grito dos Excluídos e Excluídas, o Atlas da Violência evidenciou mais uma face da desigualdade racial que estrutura as relações políticas, econômicas e sociais no Brasil; enquanto os homicídios entre não-negros caíram 12,9%, num período de dez anos, aumentaram em 11,5% os assassinatos de negros e negras. Feito com base nos dados de 2018, o Atlas apontou que a chance de um homem negro ser assassinado é 74% maior do que um homem não-negro.
Os diversos crimes socioambientais recentes no Brasil, e a omissão do Estado na resolução dos casos e no apoio às vítimas, também foram denunciados nas mobilizações do Grito. O derramamento de petróleo na costa do país e os rompimentos de barragens em Brumadinho e Mariana foram alguns dos casos rememorados.
Como não poderia ser diferente, considerando a grave pandemia que atravessa o país, o tema da saúde pública também esteve no centro das atividades do Grito dos Excluídos e Excluídas. Revogação da Emenda Constitucional 95, que congelou os investimentos em saúde e outras áreas sociais, ampliação dos recursos para combate ao novo coronavírus e valorização dos trabalhadores e trabalhadoras da saúde foram algumas das reivindicações.
Uma das ações a respeito disso foi a coleta de assinaturas para a petição pública “Você vai deixar o SUS perder R$ 35 bilhões em 2021”, lançada em agosto deste ano pelo Conselho Nacional de Saúde, que busca sensibilizar parlamentares para que não aprovem o Projeto de Lei do Governo Federal que encerra o orçamento emergencial para enfrentamento à pandemia e retoma a vigência da EC 95 na saúde.
Compreendendo que o Brasil enfrenta mais que uma crise sanitária e sim uma crise social, política e econômica, articulada a uma autorização oficial para a intolerência, o autoritarismo e o ódio por parte do Governo Federal, que os atos dessa segunda-feira, tanto online quanto presenciais, também gritaram “fora, Bolsonaro”.
“Não há mais dúvidas de que há uma disposição na cúpula do Executivo Federal em avançar na retirada de direitos, ataques à soberania nacional e na promoção de medidas de fechamento do regime, através da contenção dos demais poderes, da instrumentalização para fins políticos de órgãos de inteligência, investigação e segurança e do estímulo à movimentos na sociedade civil de caráter neofascista”, destaca trecho da carta da campanha #ForaBolsonaro.
Ecos de solidariedade contra a fome e a pobreza extrema
Exercitando na prática um modo de vida oposto ao que produz miséria e repressão, o Grito dos Excluídos e Excluídas de 2020 também foi marcado pela solidariedade com as famílias mais empobrecidas, vítimas de uma ação governamental que as ignora, inclusive num momento de pandemia.
Em João Pessoa, por exemplo, 50 cestas básicas foram doadas a moradores de áreas acompanhadas por movimentos sociais, além de distribuído sopão em cozinhas comunitárias do Alimentando com Afeto, projeto do Movimento dos Trabalhadores por Direitos (MTD). Também na capital da Paraíba, integrantes da Marcha Mundial das Mulheres (MMM) distribuíram água sanitária para limpeza doméstica.
Em Mossoró, no Rio Grande do Norte, cestas com alimentos e materiais de higiene foram entregues a segmentos em vulnerabilidade social, dentre os quais imigrantes venezuelanos e pessoas em situação de rua. Na comunidade Terra Prometida, periferia da cidade, kits de alimentos, higiene pessoal e roupas também foram doadas.
Ação semelhante ocorreu em Campinas, São Paulo, onde doações da Campanha de Solidariedade do Grito foram feitas no Acampamento Marielle Vive e na Ocupação Nelson Mandela.
Localizado na região do Vale do Rio Doce, área de constantes crimes socioambientais, o município de Governador Valadares, em Minas Gerais, teve nesse 7 de Setembro o Varal Solidário, em que roupas e alimentos foram distribuídos a famílias desempregadas ou em situação de extrema pobreza.
Na capital paranaense, Curitiba, houve a distribuição de 5 mil marmitas à população em situação de rua, na Praça Tiradentes, iniciativa que ocorrerá todas as quartas-feiras até o final do ano, coordenada pelos grupos Marmitas da Terra e União Solidária, vinculados ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e outros coletivos de agricultura familiar.
Todas essas ações, realizadas de forma coletiva, se revelam necessárias num momento em que tanto no Brasil quanto em nível mundial crescem a fome, a insegurança alimentar e a pobreza extrema. Dados do relatório “O estado da segurança alimentar e nutricional no mundo”, da Organização das Nações Unidas, revelam que quase 9% da população mundial foi afetada pela fome em 2019, o equivalente a aproximadamente 690 milhões de pessoas. De acordo com o mesmo estudo, cerca de 750 milhões, ou quase uma em cada dez pessoas, foi exposta a níveis graves de insegurança alimentar no ano passado.
No mesmo sentido, a mais recente Pesquisa Nacional de Amostras por Domicílio, do IBGE, demonstrou que aproximadamente 170 mil pessoas entraram para a pobreza extrema no Brasil. E organizações de direitos humanos têm alertado para um agravamento da situação pós-pandemia. Por isso, as ações de solidariedade realizadas durante o Grito, ao mesmo tempo em que denunciam essa realidade, ajudam a salvar vidas.