Socorro!

Isso que tenho vontade de gritar. Manaus sem oxigênio. Sem ar. Aquilo que, desde a infância, aprendemos que nos mantém vivos.

E parece ser assim como andamos no Brasil. “Socorro, não estou sentindo nada…”, canta Arnaldo Antunes, gritamos todos e todas.

Cenário desolador. Temos um perverso genocida como presidente da República. Como escreveu o artista plástico Nuno Ramos, a sensação é de sermos (des)governados pelo pior brasileiro entre 210 milhões.

“Bolsonaro é burro!”, “Bolsonaro é louco!”. Não, Bolsonaro não é nem uma coisa nem outra. Bolsonaro é, sim, alguém que tem a morte como projeto político. Esse sempre foi o seu plano.

Como não lembrar de uma entrevista concedida por Bolsonaro em 1999, quando era deputado federal, em que afirmou que os problemas do Brasil só seriam resolvidos com “uma guerra civil que matasse uns 30 mil”?

Pois há muito já passamos dos 30 mil. Já são mais de 200 mil vidas de crianças, idosos, jovens, mulheres e homens vítimas do coronavírus e vítimas da negligência da figura hedionda que ocupa o posto máximo do Poder Executivo em nosso país.

Então, sim, Bolsonaro tinha um plano e o está executando. Algumas faces desse plano, todas complementares, são: armar sua milícia, calar a boca da elite financista com Paulo Guedes como lacaio e deixar no Ministério da Saúde um general que, em plena pandemia, diz que o Brasil “terá vacina no dia D e na hora H”, dentre outros absurdos.

No xadrez da morte de Bolsonaro, um general que não entende nada de nada, se evidencia o grau de imbecilidade manifesta da formação militar. Tão necessário quanto Pazuelo para esse projeto são Guedes, Sales, Damares, Milton Ribeiro e outros…

É nesse cenário de horrores que estamos… Não tem roteirista que seja capaz de imaginar uma estória assim e que, infelizmente, vai virar História.

Mas e na “parte que nos cabe neste latifúndio”, como musicou Chico Buarque?

Do lado de cá, uma perplexidade que imobiliza os processos coletivos. O que está acontecendo com a esquerda desse país? Pergunto não somente sobre a esquerda institucional, mas também a esquerda social.

Vários processos importantíssimos nasceram e não conseguiram se sustentar ativo. A campanha pela taxação de fortunas, por exemplo, fez uma excelente atividade de lançamento em outubro do ano passado. Uma pauta fundamental para a justiça tributária e social, mas e a continuidade?

A campanha Fora Bolsonaro, que se ampliou e realizou atividades unitárias importantes em 2020, desde outubro não se reúne. Sim, o cenário do nosso lado é também dramático.

A pulverização das iniciativas é algo a ser melhor entendido, tanto na esquerda institucional quanto no movimento social. É uma questão urgente a ser debatida.

Socorro! O Brasil caminha para seu precipício. Não temos nem 132 anos de República, não conseguimos atravessar poucas décadas sem uma Ditadura ou outro tipo de regime autoritário…

E precisamos também de, como nos alerta Gal Costa, “atenção! Atenção para as janelas no alto, atenção ao pisar o asfalto, o mangue, atenção para o sangue sobre o chão. Atenção, tudo é perigoso…”.

É perigoso também o que nos trazem novos sujeitos da política. Aí está o Renova BR de Tabata’s e outros. Ao apagar a luta de classes, o objetivo é disputar a política com “caras novas”, com um discurso “limpinho”, mas com uma prática política que mantém as coisas como estão.

Nessa esteira, trabalhador vira “colaborador”, trabalhador precarizado vira “empreendedor” e um identitarismo, que anula a perspectiva de classe e esvazia as mais do que justas reivindicações dos grupos historicamente oprimidos, ganha os holofotes.

E enquanto nos preparamos para o carnaval chegar, para citar Chico mais uma vez, a boiada vai passando. No crescimento da desigualdade, no aumento da fome, na destruição ambiental, na entrega das terras a grupos estrangeiros. Como nos ensina a mestra Elza Soares, na música “blá blá blá”, “o patriota agora nem vende ou aluga o país. O novo patriota cede gentilmente as terras e as armas do seu povo pra América do Norte…”.

Socorro! Não estou sentindo nada…

Algo no modo de fazer politica está mudando rapidamente. É preciso entender isso. Enfrentar. Compreender os recados que esses tempos nos dão todos os dias. Sair dos jargões, como “é preciso fazer trabalho de base”, e partir para ouvir, para se colocar lado a lado com os povos que seguem sendo oprimidos. Reaprender. As Pastorais Sociais, por exemplo, permanecem no trabalho necessário de diálogo popular, no sentido oposto ao que faz o fundamentalismo neopentecostal.Refazer caminhos. Resgatar o tanto que já fizemos em outros tempos.

2021 é ano do centenário de nascimento de Paulo Freire. Lembrando, então, o educador pernambucano, “é preciso ter esperança, mas ter esperança do verbo esperançar… Esperançar é se levantar, esperançar é ir atrás, esperançar é construir, esperançar é não desistir! Esperançar é levar adiante, esperançar é juntar-se com outros para fazer de outro modo”.

É preciso esperançar. E, mais do que nunca, é preciso estar atento e forte…

Sandra Quintela, economista e educadora popular. 15 de janeiro de 2021.

*Sandra Quintela é Articuladora Nacional da Rede Jubileu Sul Brasil

*Ilustração de capa Cristiano Siqueira

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