Por Rogéria Araújo | Comunicação Jubileu Sul Brasil
No dia 29 de junho, o Governo do Estado de São Paulo sancionou a lei que permite a privatização de 25 parques para a iniciativa privada por 30 anos. Apesar de mobilizações contrárias ao então Projeto de Lei 249/2013, a lei está em vigor. O assunto foi abordado durante o Seminário Regional “Financeirização da Natureza – O que vem sendo feito em nome do clima e do meio ambiente?”, realizado de 15 a 17 de julho deste ano, em São Paulo. O evento foi uma realização da rede Jubileu Sul Brasil e do Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Social, com apoio da Misereor, CAFOD e Fastenopfer.
David GuaraniCom a vigência da lei, várias comunidades tradicionais – que sequer foram consultadas, como prevê o Convênio 169 da OIT – serão afetadas. A rede Jubileu Sul Brasil conversou como David Guarani, professor da aldeia e liderança da Terra Indígena Jaraguá, sobre o Seminário e as mobilizações que pedem a anulação da lei. Ele informa que cinco Terras Indígenas estão dentro das Unidades de Conservação.
De acordo com informações, passadas durante o Seminário, em áudio, pelo deputado Carlos Giannazi (PSOL-SP) está sendo formulada uma ação direita de inconstitucionalidade. Também estão previstas Audiências Públicas, bem como motivar defensores/as a entrar com ações civis públicas contra o projeto de lei.
“A forma como foi feita a aprovação desse projeto de lei teve realmente uma grande quantidade de situações inconstitucionais e ilegais. Estamos lidando com um estado que está sendo montado por um golpe inconstitucional, o movimento indígena está lidando com um governo ilegítimo que tem tomado medidas contra indígenas, acabando com direitos conquistados com anos e décadas de luta”, afirmou David Guarani. Confira a entrevista.
Jubileu Sul Brasil – Estamos aqui tratando de vários temas neste seminário regional sobre a Financeirização da Natureza. Que impressões você tem deste encontro?
David Guarani – Esse Seminário é algo novo pra gente aqui. Eu mesmo nunca tinha participado em São Paulo de um evento que tivesse envolvimento das comunidades tradicionais, dos povos indígenas, dos quilombolas, pescadores, dos acampados…acho que é muito enriquecedor os movimentos dos povos da terra, da floresta, estarem juntos conversando, porque da forma hoje, de como se constitui o Estado, fazendo uma análise política da conjuntura com relação às militâncias, aos movimentos, todos nós estamos afetados por essa forma de desenvolvimento imposta pelo Estado brasileiro. Sem dúvida é um momento importante de trocar ideias e saberes. Cada um tem a contribuir com o outo. O guarani tem a contribuir com os quilombolas, os quilombolas com os acampados do MST [Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra], com os pescadores. A gente vê que lutamos muito e nos articulamos pouco entre a gente. Acho que agora é um momento favorável na conjuntura de não levantar só uma bandeira de luta, mas levantar a luta pela vida, pelos direitos humanos, pelo direito à terra, pelo direito à liberdade.
JSB – Os assessores trouxeram muitas abordagens que se complementaram com o que vocês, na prática, já lidam há anos. Pode falar um pouco sobre isso?
David Guarani – Esse Seminário tem um papel fundamental. É importante que essas informações cheguem na base , informações técnicas, informações que realmente contribuem para a nossa luta. Temos muita dificuldade de acessar informações técnicas e científicas e, através de um Seminário desse, temos elementos que só comprovam que a nossa forma de vida não é o que a mídia diz: que o pequeno agricultor está desmatando, que o índio está invadindo terra. Vamos vendo que é realmente um luta digna e legítimas desses povos. Não que não soubéssemos disso. Mas reforça nossa razão e direito. Sem dúvida, o fortalecimento vem dessa troca de saberes. Espero que a gente continue com essa articulação. Nossa proposta é que haja um calendário em São Paulo do povo da floresta, da terra. Assim como tem o Agosto Indígena, a gente pode pensar um mês, uma semana, para que a sociedade pare e veja a importância de quem mantém todo conhecimento tradicional da nossa cultura.
JSB – Outro tema bastante abordado foi a lei que privatiza os parques em São Paulo. Como vocês estão se mobilizando em relação ao fato?
David Guarani – Foi um tema bastante debatido. Nossa proposta do movimento indígena aqui de São Paulo é fazer uma luta em favor da nossa vida, dos nossos direitos à consulta, dos nossos povos, crianças, das nossas terras, em favor da nossa natureza que é de todos. Quando digo nossa é da humanidade, dos seres humanos. É preciso que a sociedade entenda que a nossa luta não é contra a concessão dos parques, ela é a favor da biodiversidade, da fauna, da flora, de respeitos às comunidades que sempre protegeram esses territórios e que hoje estão sendo tratados como se não existissem por esse Governo. Ferramentas foram colocadas na mesa e agora cada movimento vai se apropriar disso para se fortalecer. E essas ferramentas são a consciência, o valor, a resistência, o conhecimento. Vemos que não estamos só! Os caiçaras, os pequenos agricultores…Estamos numa luta, mas não estamos sozinhos. Se a forma de o governo agir é tentar invisibilizar todos nós, com certeza vamos fazer uma força para mostrar para ele que a nossa existência é importante.
JSB – Essa lei de privatização de 25 parques em São Paulo afeta quantas Terras Indígenas?
David Guarani – São cinco Terras Indígenas. As unidades de conservação são sobrepostas a cinco Terras Indígenas que estão sendo vendidas para iniciativa privada sem nenhum tipo de consulta, possibilitada por esse lei que foi implementada pelo Governo do Estado de São Paulo.
JSB – Algumas medidas judiciais estão sendo tomadas. Vocês estão acompanhando tudo. Como estão essas articulações?
David Guarani – Estão sendo tomadas algumas medidas judiciais. O Ministério Público do Estado, desde 2013, reconhece essa PL [249/13], que foi aprovada e virou lei [16260/2016], como inconstitucional. Nós vamos fazer um diálogo com o Ministério Público Federal para que também haja alguma manifestação por parte dele. Não tem como ser diferente. A forma como foi feita a aprovação desse projeto de lei teve realmente uma grande quantidade de situações inconstitucionais e ilegais. Estamos lidando com um estado que está sendo montado por um golpe inconstitucional, o movimento indígena está lidando com um governo ilegítimo que tem tomado medidas contra indígenas, acabando com direitos conquistados com anos e décadas de luta.
Hoje, sabemos, no Brasil, o Judiciário, o Legislativo, o Executivo na sua grande maioria age violando qualquer tipo de direito humano e a própria legislação do pais. Sabemos que não podemos confiar na lei, mas a gente pode confiar na justiça de Nhanderú (Deus Verdadeiro), pois ela não erra. Ele vai com certeza dar força para continuarmos lutando.
JSB – Ficou claro a união entre os povos e comunidades reunidos no Seminário. O que fica para os Guarani?
David Guarani – Cada um tem o seu grito de guerra, cada um tem sua luta. Nossa luta guarani é mais espiritual, mas com certeza uma luta complementa a outra. Mas é o que faz a diversidade do país. A gente tem que continuar acreditando que dá pra gente se reconhecer nas nossas diferenças. Um ser igual ao outro, mas sem deixar de ser o que é.  Essa é a nossa luta hoje.

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