“Acabou, Acabou! Ninguém mais tira nada!”. Essa ordem foi dada por um homem, o qual não foi identificado, que estava coordenando a desapropriação de casas na Comunidade Alto da Paz, em Fortaleza, nordeste do Brasil.

Nessa hora, várias pessoas, em meio à fumaça e tratores, tentavam, desesperadamente, retirar seus pertences que ainda estavam dentro das casas que estavam sendo destruídas. Muitas delas perderam seus bens.

Na área, que estava sendo ocupada desde setembro de 2012, moravam cerca de 376 famílias. De acordo com a prefeitura de Fortaleza, essa área, agora desocupada, vai receber cerca de 1472 casas populares que vão alojar pessoas de dois bairros da capital cearense. O despejo ocorreu depois de várias tentativas frustradas da prefeitura em negociar a saída dessas pessoas.

O Coletivo Nigéria acompanhou todo o processo e ouviu os moradores que alegavam que a prefeitura estava oferecendo cerca de 100 reais como ajuda de custo para que eles saíssem de suas casas. Valor considerado por eles, insuficiente, e que, ainda assim, não foi pago.

Confusão e truculência

A ação de despejo teve início às 6 da manhã do dia 20 de fevereiro, quando funcionários da Fundação de Desenvolvimento Habitacional de Fortaleza (Habitafor), juntamente com 150 policiais do batalhão de choque chegaram para expulsar as pessoas. “Nosso café da manhã foi ser expulsos de nossas casas”, desabafou Ana Célia Queiroz.

Os moradores fizeram uma barricada para tentar impedir o avanço das máquinas, mas foram repreendidos pelos policiais, que usaram balas de borracha e bombas de gás para dispersar as pessoas que estavam tentando proteger suas casas.

Pessoas, inclusive crianças, sendo alvejadas por balas de borracha; prisão arbitrária, sem motivo aparente; moradores tentando salvar o que podiam, inclusive as telhas das casas, antes que os tratores chegassem para derrubar tudo; toda essa confusão foi registrada nas imagens, gravadas pelo Coletivo Nigéria.

De acordo com as reportagens da mídia independente que estava no local, várias pessoas foram feridas durante a desocupação, dentre elas estava Girlane Queiroz. Grávida de oito meses, ela recebeu um chute em sua barriga de um policial. Sua mãe, ao chegar em casa, se deparou com a filha no chão e gritando de dor. “Na hora da correria, começou o tiroteio de bala de borracha, aí eu corri e nessa hora um policial deu um chute na minha barriga”, disse ela. Gislane ainda informou que as ambulâncias que estavam no local acompanhando a ação, não fizeram nada, pois estavam ali apenas para atender aos policiais. “Eles disseram que, se eu passasse mais mal, eu deveria pegar um carro e ir sozinha para um hospital”.

Retrato da desocupação*

Seu Francisco, de 70 anos, desceu a rua Ismael Pordeus arrastando no calçamento o assoalho metálico de seu carrinho de catar material reciclado. Desceu rápido como se já soubesse pra onde ir. Cruzou no caminho com uma formação da cavalaria que subia a ladeira rumo à entrada da comunidade. Estancou dois quarteirões depois da barreira policial para descansar um pouco. Carregava sacolas com roupas, a televisão de 14 polegadas, um fogão, o bujão de gás, panelas e o que sobrou da despensa. “Não é pra levar, não?”, assustou-se quando chegamos pra entrevistá-lo. Desconfiou que não poderia se tirar nada da casa. Depois mostrou a marca na batata da perna do que deve ter sido uma bala de borracha. Natural de Canindé, chegou a Fortaleza em 1970. Morou a vida toda nas redondezas da Praia do Futuro, sustentando-se da coleta de sucata e material reciclado. Disse que voltaria agora para um quartinho alugado. E quando ia retomar a marcha, espantou-se num pulo com as mãos na cabeça: “Ih! Olha! Lembrei agora da minha cama… A cama novinha… Será que dá pra buscar ainda?”

Texto do Coletivo Nigéria*

Fonte: Adital

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