Audiência pública popular no Campus Baixada Santista da Unifesp. Fotos: Flaviana Serafim/Jubileu Sul Brasil

Missão-denúncia na Baixada Santista e Litoral Norte paulista apurou situação vivida pelas comunidades atingidas e prepara relatório com recomendações ao gestores públicos municipais, estadual e federal

Por Flaviana Serafim – Jubileu Sul Brasil

Após seis meses da tragédia-crime que deixou mais de 60 mortos e centenas de famílias sem casa ou em condições precárias de moradia, a população atingida em fevereiro pelas enchentes e deslizamentos no litoral paulista segue na luta por direitos. Para denunciar e dar visibilidade às violações de direitos de humanos que vem ocorrendo sistematicamente, foi realizada uma missão-denúncia na Baixada Santista e no Litoral Norte de São Paulo, entre os dias 24 e 26 de julho que, entre outras organizações, contou com apoio e participação da Rede Jubileu Sul Brasil.

Depois dos dois primeiros dias centrados em visitas às comunidades afetadas, na manhã do dia 26 de julho a missão promoveu um diálogo público na subseção da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/SP) em São Sebastião, com a participação de representantes da Defensoria Pública e do Ministério Público estadual, e à noite uma audiência pública popular no auditório do Campus Baixada Santista da Unifesp, em Santos. Em ambos, a população atingida compartilhou os relatos das agruras que têm vivenciado, que vão desde a falta de providências do poder público para que o direito à moradia seja garantido até acesso à informação e direito à participação popular quanto às medidas que estão sendo tomadas.

Por isso, entre as reivindicações estão o estabelecimento de uma Mesa de Diálogo, liderada pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo com o engajamento do Ministério Público e da população afetada, para que se possa construir encaminhamento de ações extrajudiciais, de articulações, melhorias e, se necessário pela via judicial, a implantação de políticas públicas nas áreas mais atingidas para que de fato garantam a segurança das famílias. 

Representantes da Defensoria Pública e do Ministério Público Estadual de São Paulo.

A pauta contemplou também o planejamento da redução de riscos de novos desastres, a garantia de acesso à água, andamento de soluções de moradia definitiva e das obras de macrodrenagem das áreas atingidas e nas áreas de risco, o aperfeiçoamento do processo de informação, com comunicação e participação das comunidades, proteção e segurança às lideranças que lutam pelo direitos das comunidades frente às ameaças diretas ou veladas que têm sofrido por parte da Polícia Militar e da Guarda Civil Metropolitana nos municípios.

Outra reivindicação é a realização de audiência pública, convocada pelo Ministério Público, para pressionar os gestores públicos a se posicionarem quanto à situação da população atingida e às medidas de curto, médio e longo prazo, além de transparência quanto ao orçamento.

“Nossa primeira impressão generalizada logo após a tragédia foi que havia uma falta de participação da população na definição dos seus destinos, pois as pessoas foram tratadas como objetos. Continuamos tendo essa impressão e trabalhamos o tempo inteiro pra tentar romper isso, para que as pessoas pudessem participar e ter voz ativa. Conseguimos alguns avanços, outros não, mas é um ponto central que deve ser objeto da nossa preocupação. Salvar vidas é o foco da nossa atuação, é evitar novas tragédias porque hoje a situação ainda está sem medidas estruturais e não estruturais”, afirma o defensor público Jairo Salvador.

No diálogo na OAB, Salvador explicou que a Defensoria expediu uma recomendação sobre o caso e que até o momento não houve respostas formais. “Isso nos preocupa muito porque, com a questão climática, dos extremos, entendemos que esse ciclo vai se encurtar cada vez mais e há possibilidade dessa tragédia se repetir. Nossa atuação é para garantir o mínimo para as pessoas que foram tiradas dos seus lares, depois o retorno seguro e o atendimento habitacional das pessoas deslocadas, que ainda está em andamento, e também uma atuação mais estrutural no sentido de garantir que não volte a acontecer o que aconteceu”, pontua.

Moradores atingidos compartilharam seus relatos no diálogo realizado na Subseção da OAB/SP, em São Sebastião

Para o defensor público Filovalter Moreira dos Santos Junior, “esse evento da chuva trouxe à tona todos os problemas da cidade, levantou a poeira dos problemas de uma só vez, principalmente a questão habitacional. Em São Sebastião é uma questão que há décadas já vinha sendo questionada contra o poder público em relação às omissões no tocante especialmente à regularização fundiária e ausência de projetos habitacionais na cidade. Durante muito tempo, o município e o Estado também foram omissos e isso contribui de maneira fundamental para que esse cenário chegasse onde chegou”.

Os representantes da missão-denúncia ressaltaram que a aproximação com os poderes públicos, que também era um dos objetivos da missão, não foi possível pois, apesar de convidados, os gestores públicos e órgãos envolvidos no nível municipal, estadual e federal não compareceram nem ao diálogo na OAB nem na audiência pública popular. Também ressaltaram que é preciso garantir o acesso à moradia sem qualquer tipo de pagamento, uma vez que se trata de um direito à indenização à população atingida.

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As organizações da missão reivindicaram atuação contra o risco de despejo de comunidades, como é o caso do Morro do Itararé, medida que está proibida legalmente pela Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 828, e denunciaram a questão das obras que vêm sendo feitas pela Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo (CDHU), como é o caso das moradias verticais que estão em construção na Baleia Verde, em São Sebastião. A área onde novas moradias estão sendo construídas é de proteção ambiental, onde já existem problemas de drenagem e, após chuvas em junho último, o local ficou inundado.

Por fim, o racismo ambiental e a xenofobia foram outro ponto das denúncias, uma vez que a população afetada e à mercê do descaso é majoritariamente negra e nordestina.  

Da Associação de Favelas de São José dos Campos, membro da Rede JSB, Ângela Silva alertou para o racismo ambiental que afeta a população atingida pela tragédia-crime.

Entre outros encaminhamentos, o Ministério Público se comprometeu a chamar a audiência pública, além da realização de mapeamento dos riscos que ainda existem, que já existiam antes da tragédia e foram se agravando.

Os relatos compartilhados pelos moradores vão compor um relatório da missão, reunindo as denúncias e também apontando recomendações para entrega e cobrança de medidas junto ao poder público.

A missão-denúncia visitou e dialogou com a população do Morro do Itararé (São Vicente); dos bairros São Manoel, da comunidade Alemoa e da Ocupação Bela Vista (Santos); da Vila dos Pescadores (Cubatão); do Sítio Conceiçãozinha (Guarujá); dos morros do Esquimó e Pantanal, da Vila Sahy e Baleia Verde, das comunidades Beira Rio e Tropicanga (São Sebastião) e do conjunto Quaresmeira (Bertioga).

Entre as organizações, entidades e movimentos que integraram a missão, além da Campanha Despejo Zero, Fórum Nacional de Reforma Urbana e Rede JSB, participaram a Associação de Favelas de São José dos Campos, a Habitat para Humanidade, Comitê de Atingidos do Litoral Norte de São Paulo, Instituto Polis, Conselho Nacional de Direitos Humanos, Confederação Nacional das Associações de Moradores (Conam), Central de Movimentos Populares (CMP) e Coletivo Caiçara.

Confira o álbum:

Missão-denúncia na Baixada Santista e Litoral Norte de SP

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