Por Comunicação Rede Jubileu Sul Brasil
Os direitos humanos são direitos inerentes a todos os seres humanos, independentemente de raça, sexo, nacionalidade, etnia, idioma, religião ou qualquer outra condição.
Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), os direitos humanos são fundados sobre o respeito pela dignidade e o valor de cada pessoa. São – ou deveriam ser – universais, aplicados de forma igual e sem discriminação a todas as pessoas.
No Brasil, esses direitos estão expressos no artigo 5º da Constituição Federal de 1988 e são responsáveis pela proteção da pessoa em sua dignidade, integridade, saúde, moradia, segurança, salário digno, respeitando sua opção de religião, partido político, sem distinção de cor, raça ou gênero. Direitos que são diariamente violados pelo Estado brasileiro, tendo em vista a precariedade e a violência a que está submetida a população brasileira.
Na entrevista a seguir, Rosilene Wansetto, mestre em Ciência Política pela Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP) e socióloga do Balcão de Direitos para Imigrantes da Rede Jubileu Sul Brasil, avalia o cenário que o país atravessa e mais, quais as perspectivas para um futuro próximo, tendo em vista os cenários político e econômico.
Por que ainda há tanto desrespeito aos Direitos Humanos na sociedade?
Neste último período temos identificado um crescente desrespeito aos direitos humanos em todo o país, esse é um primeiro registro importante a ser feito e é simbólico para entender a atual conjuntura brasileira. Na cidade de São Paulo, por exemplo, não é diferente. O desrespeito ocorre devido à ausência de política pública ou por sua fragilidade. Inclusive um dos elementos a ser destacado é de que a política de austeridade adotada desde o governo federal e atinge os governos estaduais e municipais tem provocado medidas de corte e o congelamento de investimentos sociais em áreas essenciais, gerando fragilidade e desrespeito aos direitos humanos.
Como?
Há um aprofundamento na precarização do atendimento nos serviços públicos (escola, creche, saúde, transporte) e na geração de emprego e renda levando milhares de pessoas à situação de vulnerabilidade social. E neste sentido, quem mais sofre com esse desrespeito são as mulheres, negras e da periferia, jovens pobres e negros. Outra população que tem sofrido violações de direitos é os LGBTs devido ao ódio crescente a esta comunidade,o ódio ao diferente que gera violência física e verbal ou invisibilidade. Assim como os povos indígenas e quilombolas, que inclusive dentro da cidade de São Paulo estão casa vez mais invisibilizados.
Os imigrantes e refugiados também têm sido vítimas de uma série de violações, não?
Os imigrantes e refugiados são vítimas de violações, desrespeito, xenofobia. Sofrem violências de diversas maneiras por não falarem o idioma, por serem negros, por virem de países em guerra, por serem de origem indígena, e porque muitos brasileiros acreditam que estes podem “tomar” os empregos dos brasileiros. Uma falácia, pois a crise em que o Brasil vive hoje não é “culpa” dos imigrantes, é um problema estruturante de nosso sistema que fragilizou a economia e precarizou os empregos diminuindo as oportunidades para brasileiros e não brasileiros.
Também, devemos destacar que essa série de violação dos direitos humanos tem sido incentivada através da retórica de algumas figuras públicas, o que sem dúvida incentiva o desrespeito e a violência ao defenderem um Estado mínimo em direitos e máximo para o lucro.
Crianças, adolescentes e idosos estão entre as vítimas das mais diversas violações de direitos, isto significa que os estelionatários e abusadores se aproveitam de uma certa fragilidade e desconhecimento por parte dessa parcela da população?
Eu diria que temos que olhar por dois ângulos esta questão. Uma primeira é a sensação de impunidade o que abre um flanco para que os abusadores e agressores se sintam mais à vontade para cometer seus crimes. Seja de pedofilia, de violência doméstica contra as mulheres ou idosos. Há dados que confirmam que o abusador está dentro de casa ou nas proximidades, muitas vezes faz parte da própria família.
No caso das crianças e adolescentes os direitos estão contidos no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) que a todo o momento sofre ataques para ser modificado em nome de ampliar a segurança. Destaco que o problema da segurança pública não está nos adolescentes em conflito com a lei, está na ausência de um Estado protetor e garantidor de direitos (escola, lazer, esporte, qualidade de vida para essas crianças). No caso dos idosos temos o Estatuto do Idoso que é um tanto desconhecido. E a Lei Maria da Penha que deveria trazer mais proteção às mulheres especialmente nos casos de violência, mas que poucas mulheres usam e conhecem. Nosso desafio é ampliar o conhecimento sobre a legislação de proteção dos direitos. O sistema de proteção é frágil, haja vista que muitas mulheres são assassinadas mesmo após apresentarem diversas denúncias, pedidos de proteção e afastamento dos agressores.
Trago para a reflexão os assassinatos de jovens e adolescentes em nossas periferias simplesmente por serem negros, morarem em áreas de violência e por serem pobres. Nossos jovens estão sendo vítimas de um Estado violento, militarizado e policialesco gerador de mais violência. É necessário repensar esse sistema de morte para garantir a proteção de nossas crianças, mulheres e idosos, proteger os direitos dos povos originários e afrodescendentes. A intervenção militar ou a presença do exército não garante segurança, podem gerar mais violência e insegurança aos direitos humanos.
Sobre as mulheres…
O Brasil é o 5º país do mundo em violência contra as mulheres, especialmente em casos de feminicídio (assassinato de mulheres por seus próprios companheiros/maridos). E aqui precisamos fazer um importante destaque: quem mais sofre esse tipo de violência são as mulheres pobres, da periferia, negras que estão desprotegidas do sistema ou não têm conhecimento dos meios legais para denunciar os seus companheiros e agressores. E quando o fazem o sistema de proteção não é efetivo gerando nas mulheres ainda mais medo e insegurança. Por isso, destaco a campanha que tem fortalecido muitas mulheres a denunciarem “Nenhuma a Menos” e a própria Lei Maria da Penha que dá ou deveria dar a proteção necessária às mulheres vítimas de violência e punição aos agressores.
Há também um sentimento de que a mulher é um ser inferior e, portanto, não é merecedora de respeito. Lembro que mais de 50% da população brasileira é mulher, mais de 43% das mulheres são responsáveis pela criação dos filhos e sustento de seus lares. Vivemos ainda numa sociedade marcada pelo machismo, pelo patriarcado e que acredita que a mulher deve obediência, não sendo ela portadora de direitos.
Como combater o desrespeito aos Direitos Humanos?
Em primeiro lugar devemos respeitar a legislação brasileira de proteção aos Direitos Humanos, ou seja, garantir o cumprimento dos direitos à saúde, educação, moradia, trabalho, cultura e lazer, o direito de migrar, de fazer escolhas e combater incansavelmente o racismo sistêmico. Devemos reconhecer que o outro é um ser humano igual a mim, portador dos mesmos direitos, e só por isso já devo respeitá-lo/la. Partindo desta premissa devemos buscar compreender que o que penso é a minha verdade e, portanto, não devo impô-la ao outro e nutrir ódio pelo diferente, como temos visto com os imigrantes, com as mulheres, com a comunidade LGBTs, povos indígenas, quilombolas, com os negros/as e outros. Devemos entender que não posso e não devo impor a outra pessoa o que penso e o que desejo, o ponto central é o diálogo e o respeito. Defender os direitos humanos é enxergar no outro e na outra um ser igual a mim, portador dos mesmos direitos, mesmo que eu discorde do que ele pensa ou faz, do contrário vira intolerância, racismo, xenofobia, Lbgtfobia. Devemos diariamente fazer um exercício de tolerância, de acolhimento, de solidariedade e de respeito ao outro e a outra independente do que penso, acredito, do credo e da fé que professo, da cor da pele, da classe social a que me identifico. Tolerância ao diferente é a base principal para combater o desrespeito e promover a proteção aos direitos humanos.