Análise e definição de orçamento e os impactos do sistema de endividamento nas políticas públicas foram temas da oficina de formação da “Ação Mulheres por Reparação das Dívidas Sociais”.

Por Flaviana Serafim

Conhecer o orçamento municipal ou do Estado é fundamental para identificar prioridades que a gestão tenha deixado de lado, conferir se o que foi prometido está sendo ou não cumprido, ou se os recursos previstos são suficientes para atender às demandas da população. O tema foi o primeiro debatido durante o encontro de formação “Dívida pública”, realizado em 20 de setembro com lideranças de todo o país que participam da Ação Mulheres por Reparação das Dívidas Sociais.

O objetivo foi fomentar a reflexão sobre como as políticas públicas se relacionam com o orçamento e também com a dívida pública, pois desvia os recursos de programas e das políticas públicas para pagamento de juros e serviço do sistema de endividamento.

“Se formos fazer uma leitura do orçamento, vamos ver que ele reflete uma concepção política de sociedade que tem arraigado o patriarcado e o racismo. Temos nesse grupo o dever de conhecer, monitorar e intervir no orçamento”, ressaltou a advogada agrarista e feminista Magnólia Said, responsável pelo primeiro painel da formação.

Ela apresentou didaticamente o ciclo orçamentário, desde a definição de ações e programas que serão incluídos, as prioridades e metas na formação da peça orçamentária e todo a tramitação do Legislativo ao Executivo para aprovação, processo que também passa pela participação popular em audiências públicas. Magnólia também explicou em quais prazos, as instâncias e como se dá a formação do Plano Plurianual (PPA); da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), que define prioridades de ação e metas fiscais para que a arrecadação seja maior, que por sua vez se conecta à formação da Lei Orçamentária Anual (LOA).

“A LOA é um instrumento público que todo mundo tem acesso e o papel das organizações populares é muito importante porque é onde se pode influenciar o que está sendo discutido. É possível pedir a um parlamentar que faça uma emenda para atender a uma demanda dos municípios, também debatida em audiência pública”, afirma.

Por outro lado, a LOA não é impositiva, mas autorizativa, ou seja, é para que a gestão tenha autorização para o gasto na peça orçamentário, mas não obriga a executar o orçamento, sendo assim “fundamental o exercício do controle social sobre o que está sendo executado pela gestão”, completa.

Encontro virtual de formação com participantes de todas as regiões do Brasil.

Dívida pública: pagamento gera cortes no orçamento

Na segunda parte da formação, o painel foi sobre dívida pública, apresentado pela educadora popular e economista Sandra Quintela, articuladora do Jubileu Sul Brasil.  Ela partiu de uma análise do orçamento 2023, destacando os cortes expressivos nas políticas sociais e ambientais onde os recursos são discricionários, ou seja, não obrigatórios e sujeitos a corte, e ainda o problema do Teto de Gastos (Emenda Constitucional 95), que limita as despesas primárias por 20 anos, até 2036.

“Se as despesas já estão espremidas pelo Teto de Gastos, a chegada do orçamento secreto foi o golpe final ao planejamento adequado desses recursos. Isso significa que 39,2% das despesas discricionárias, ou R$ 38,8 bilhões, estarão comprometidas com emendas parlamentares para 2023, valor bem mais alto do que os 19,2% autorizados em 2022”, criticou, alertando para o controle do orçamento público pelo Congresso Nacional em vez do controle social pela população.

Entre as áreas afetadas, no caso da saúde o Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) 2023 reservou somente R$ 132 bilhões de dotação orçamentária, uma redução de R$ 21 bilhões em comparação com a dotação atual.

Na educação, os cortes afetam os recursos previstos para 2023. Caíram para R$ 34,3 bilhões no ensino superior, sendo que em governos anteriores o orçamento chegava a R$ 40 bilhões. A Bolsa Permanência, voltada aos estudantes em situação de vulnerabilidade, caiu de R$ 179,4 milhões em 2022 para R$ 163,6 milhões no próximo ano. Corte também no Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), o recurso ficou estagnado em R$ 3,9 bilhões para 2023 apesar das mais de 30 milhões de pessoas com fome e a insegurança alimentar só vem aumentando.

“Todas as despesas já contavam com baixo investimento, mas para 2023 o cenário é de total descaso. Comparando apenas os anos de 2022 e 2023, percebemos que estão praticamente inviabilizadas, pois os recursos são extremamente baixos. Praticamente não se tem recursos para algumas ações importantes para a concretização do direito à cidade, o que parece não preocupar o atual governo”, diz a economista.

A análise do orçamento de 2023 também permitiu que as mulheres tomassem conhecimento de que nenhum recurso foi destinado no PLOA para a Política Nacional de Igualdade e Enfrentamento à Violência contra a Mulher.

Sandra Quintela ressaltou que os cortes têm a ver com a destinação de recurso ao orçamento secreto, do Executivo aos parlamentares em troca de apoio político, e ainda com o aumento da dívida pública, um crescimento causado pelos juros elevados e a excessiva emissão de títulos da dívida pública federal que atuam mantendo o mecanismo de endividamento.

Para se ter ideia do impacto, em 2021 o governo federal gastou R$ 1,95 trilhão com juros e amortizações da dívida pública, um aumento de 42% na comparação com 2020, quando já havia ocorrido um crescimento de 33% em relação a 2019.  

“Assistimos a um verdadeiro saque das riquezas nacionais para alimentar o sistema da dívida, enquanto todos os outros investimentos necessários ao nosso desenvolvimento socioeconômico são deixados de lado, sob a falácia de que não haveria recursos. Por isso a necessidade de uma auditoria da dívida com participação social”, pontuou.

As iniciativas da Ação Mulheres por reparação das dívidas sociais ocorrem numa parceria entre o Jubileu Sul Brasil, 6ª Semana Social Brasileira (SSB) e Central de Movimentos Populares (CMP), com apoio do Ministério das Relações Exteriores Alemão, que garantiu ao Instituto de Relações Exteriores (IFA) recursos para implementação do Programa de Financiamentos Zivik (Zivik Funding Program).

As ações também integram o processo de fortalecimento da Rede Jubileu Sul Brasil e das suas organizações membro e contam ainda com apoios da Cafod, DKA, e cofinanciamento da União Europeia.

Saiba mais sobre o orçamento do governo federal para 2023.

O conteúdo desta publicação é de responsabilidade exclusiva da Rede Jubileu Sul Brasil. Não necessariamente representa o ponto de vista dos apoiadores, financiadores e co-financiadores.

Deixe um comentário