Karla Maria | Rede Jubileu Sul Brasil
A Advocacia Geral da União (AGU) conseguiu derrubar no Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), na última terça-feira (5), decisão da véspera do juiz federal Waldemar Cláudio de Carvalho, da 14ª Vara do Distrito Federal, que determinara a instauração de uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) sobre a Dívida Pública brasileira em até 30 dias.
O pedido de instauração da CPMI foi uma iniciativa da Auditoria Cidadã da Dívida. Em entrevista exclusiva à Rede Jubileu Sul Brasil, a auditora fiscal aposentada e fundadora do movimento “Auditoria Cidadã da Dívida”, Maria Lucia Fatorreli fala sobre as origens do endividamento público brasileiro, de como o mercado financeiro se beneficia com isso e sobre a importância de a sociedade brasileira conhecer a real Dívida Pública. Confira.
Como a senhora enxerga a derrubada tão rápida da dívida pública da CPMI na justiça?
A sentença judicial que determinou ao Congresso a instalação da CPMI ainda está valendo, o que foi derrubado foi a liminar. O juiz analisou nosso pedido para a instalação de uma CPMI. Acatou o nosso pedido e mandou instalar. A decisão dele determina 30 dias para a instalação da CPMI sob pena de multa diária de R$ 100 mil reais ao presidente do Congresso. A AGU  apressou-se para derrubar a liminar. Ela inda não apresentou recurso sobre o mérito. O desembargador julgou a interferência de poder. Não se discutiu o mérito e o fez de modo muito rápido, o que é muito estranho, mostra o desespero desse governo que está totalmente a serviço do mercado financeiro.
A Auditoria Cidadã vai entrar com recurso?
Nós estamos preparando o recurso, a apelação em relação a essa derrubada, mas com certeza o Governo vai recorrer também do mérito da sentença.
Como avaliam essa decisão judicial?
Recebemos isso sem surpresas. Se existisse boa vontade em cumprir a Constituição, esse dispositivo não estaria pendente há quase 30 anos. O grande Plebiscito Popular realizado no ano 2000, no qual a Rede Jubileu Sul Brasil foi uma das principais protagonistas, colocou uma das questões centrais sobre a Dívida Pública. Foi desse Plebiscito e do mandamento constitucional que nasceu a necessidade de criar o movimento da Auditoria Cidadã da Dívida, e  essa atitude da AGU só corrobora com o que vai acontecendo nesses 30 anos. Não há disposição de realizar uma auditoria, então temos de continuar pressionando.
O Judiciário também já mostrou essa falta de vontade, assim como o Ministério Público. O Judiciário está com a Ação por Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 59/2004) impetrada pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) desde 2004, e ela está parada. O Ministério Público recebeu em 2010 os dois relatórios produzidos pela CPI da dívida e não tomou nenhuma providência, não iniciou nenhuma ação para enfrentar as irregularidades e ilegitimidades comprovadas pela CPI.
A decisão do juiz (federal Waldemar Cláudio de Carvalho, da 14ª Vara do Distrito Federal), ainda está valendo e é importantíssima, porque quem está dizendo que é preciso fazer uma auditoria é o magistrado. É uma decisão do magistrado.
Por que é importante discutir a Dívida Pública, no que ela afeta o dia a dia dos brasileiros?
Nosso objetivo como Auditoria Cidadã é exatamente o de popularizar esse debate em relação à Dívida, porque no fundo é ela quem está pagando essa conta, e como que ela paga? Em primeiro lugar, o Brasil é um dos países mais ricos do mundo e era para estar em outro patamar de desenvolvimento sócioeconômico, mas por que que ainda temos a maior parte da população na pobreza e na miséria? Por que faltam recursos na Saúde, na Educação, na Segurança? Por causa da supressão de recursos para o pagamento dos juros e amortização da Dívida. Todo ano a Dívida sobe quase a metade do orçamento federal. Em 20 anos, de 1995 a 2014, nós produzimos R$ 1 trilhão de superávit primário. Nós arrecadamos mais do que gastamos e para onde foi esse valor? Para pagar juros e amortização da Dívida, no entanto, nesse período, a Dívida saltou de R$ 89 bilhões para R$ 4 trilhões. Essa política de superávit primário que corta todas as áreas para cumprir essa meta – de destinar o pagamento de juros e amortização – não foi suficiente para pagar nem os juros, porque a Dívida se multiplicou por ela mesma. Além disso, a Dívida tem sido a desculpa, a justificativa para reformas como a da Previdência, para o corte de recursos em todas as áreas com objetivo de cumprir o superávit e também para privatizações.
Privatizações?
Sim, o nosso patrimônio. Se a gente perde a Eletrobrás, como já foi a Vale e tantas empresas importantes, a gente perde o nosso patrimônio e para onde vai o recurso das privatizações? Para o pagamento da Dívida. A Dívida tem sido o centro dos problemas e as investigações que nós fizemos provam que há décadas não existe contratação de Dívida para investimentos importantes. A Dívida tem servido para remunerar sobras de caixas de bancos, para cobrir prejuízos do Banco Central, para transformar a Dívida Privada em Dívida Pública e uma série de outras ilegalidades e  irregularidades.
Qual a avaliação da Auditoria Cidadã do cenário pré-eleitoral em que apenas alguns – talvez a minoria – dos pré-candidatos à Presidência da República falam da importância de se realizar uma auditoria da Dívida Pública? É preocupante?
Esse é um grande problema, e por isso o nosso Conselho Político decidiu criar uma carta aberta à população, para que os brasileiros entendam como a população está pagando a conta do endividamento público, e para que ela (a população) cobre dos seus candidatos o posicionamento em relação a 12 pontos. Várias pessoas estão enviando essa carta para seus candidatos e já chegaram para nós a resposta de três deles.
Quem são esses pré-candidatos?
Vera Lucia (PSU), João Goulart (PPL) e Paulo Rabello de Castro (PSC). Outros têm mencionado o tema em entrevistas, mas ainda não se manifestaram oficialmente à Auditoria Cidadã se, caso eleitos, irão iniciar uma Auditoria da Dívida.
Por que pouco se fala da Dívida Pública na imprensa brasileira?
Porque a maioria dos veículos, principalmente da grande mídia, tem em seus conselhos editoriais representantes do sistema financeiro. Também o sistema financeiro é quem financia os maiores anúncios. É só você prestar atenção no Jornal Nacional e seus patrocínios: bancos. Isso acontece também no SBT, na Record e em outras. Invariavelmente os bancos patrocinam os grandes jornais, pagam os grandes anúncios e páginas inteiras em jornais impressos e não fazem isso de graça.
Querem um controle sobre a pauta que interessa para eles. Determinados assuntos não entram, agora o mais grave é a falta desse tema nos currículos nas universidades. Aqui na Auditoria Cidadã passam estagiários da área de Economia e eles falam que em um breve estágio aqui aprendem mais de economia real do que nos quatro anos na universidade, e esse esquema é mundial.
A informação é então uma ferramenta fundamental para reaver a Dívida e enfrentar o empobrecimento…
Precisamos pensar fora da caixinha que o sistema financeiro tenta nos colocar. A gente precisa entender a Dívida Pública e não continuar pagando e submetendo o país inteiro a esse esquema que leva a maior parte dos recursos, leva a nossa riqueza, nossas empresas e promove a desigualdade social, porque a concentração de renda que esse sistema nos submete é brutal. Então, nós temos que continuar lutando e informando a população, porque o modelo econômico neoliberal que defende o sistema da Dívida, que defende esse modelo tributário injusto, essa política monetária suicida é totalmente ultrapassado. Veja o resultado: 82% da população geral do planeta é pobre ou miserável,  um dado de fracasso desse modelo econômico neoliberal.
Esse modelo também impacta o meio-ambiente, não?
Veja, menos de 1% da população mundial detém a maior parte da renda e da riqueza e o funcionamento totalmente desordenado da economia compromete inclusive a vida do Planeta, porque esse modelo não respeita o meio-ambiente, não respeita as pessoas, nem as nações. Só quer explorar os recursos naturais  visando apenas o lucro imediato, então é urgente acordar.

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