Por Gabriel Valery, da RBA
São Paulo – Representantes da sociedade civil organizada de todo o país assinaram um manifesto intitulado “Contra a oferta da Base de Alcântara aos EUA”. O documento foi protocolado em Brasília ontem (7), em diferentes instâncias do governo, em especial no Ministério das Relações Exteriores (Itamaraty), sob comando do ministro José Serra (PSDB). Como parte da mobilização contra a entrega da base de lançamento de foguetes, localizada a 32 quilômetros de São Luís, capital do Maranhão, também está agendado um debate sobre o tema no próximo dia 22, em São Paulo.
“Ao contrário das políticas autoritárias e entreguistas do governo usurpador, que enfraquecem a democracia e aprofundam as desigualdades, seguiremos lutando em favor da verdadeira democracia, que reforce e não debilite a soberania da Nação brasileira”, afirmam os movimentos Frente Povo Sem Medo, Rede Jubileu Sul, Uneafro Brasil, Via Campesina, Psol, entre outros, que totalizam 115 entidades signatárias.
O debate sobre Alcântara voltou à tona após notícias de que o governo de Michel Temer (PMDB), por meio de Serra, estaria retomando negociações, de forma secreta, com os Estados Unidos sobre o uso do centro de lançamentos. Um acordo sobre o tema já havia sido costurado pelo governo de Fernando Henrique Cardoso, em 2000. Considerada lesiva à soberania nacional, a proposta impunha que o Brasil cedesse total controle de parte do território. Brasileiros não poderiam entrar na base sem passaporte e autorização norte-americana, incluindo autoridades; não poderiam filmar, fotografar, inspecionar, nem destinar os recursos obtidos com o aluguel para o desenvolvimento de tecnologia.
O acordo submisso dos tucanos encontrou rejeição em amplos setores da sociedade, como nas Forças Armadas. Em 2003, durante o governo do sucessor de FHC, presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o Brasil endureceu contra os norte-americanos, modificando o acordo, derrubando prerrogativas consideradas abusivas. O resultado foi a queda do interesse daquele país. Isso não significa que os Estados Unidos deixaram de lado o interesse no local. Alcântara é estratégica: por estar localizada na linha do Equador, a base é considerada a mais bem localizada do mundo, podendo reduzir os custos de lançamentos de foguetes em até 30%.
Com o impeachment da presidenta Dilma Rouasseff (PT), e o retorno do governo para grupos políticos que já aceitaram ceder os cerca de 620 quilômetros quadrados da base de Alcântara para os Estados Unidos, grupos começam a se mobilizar em defesa da soberania brasileira. “Entre os absurdos políticos que o Brasil está enfrentando hoje, destaca-se a continuidade da submissão às imposições neoliberais, aplicadas pelo Banco Mundial e FMI desde os anos 1990, por parte de um governo brasileiro ilegítimo e corrupto, que usurpou a presidência através de um golpe implementado pelo Congresso, legitimado pelo Judiciário e pela grande mídia”, afirma o documento.
O maior receio dos signatários é a retomada dos pontos acordados durante o governo FHC. “É uma questão muito grave o segredo. Qualquer governo faz lobby, mas neste nível, neste porte, é muito complicado. Estamos falando de algo muito maior, que diz respeito a todo território nacional, diversos elementos estão envolvidos. A questão da ciência e tecnologia, a soberania, a entrega de um território a outro país. Isso é, por definição, um debate público. Antes de discutir termos, deve ser discutido com a sociedade”, afirmou à RBA o integrante da Rede Jubileu Sul Chico de Felippo, presente na entrega da carta.
Felippo teme que o acordo possa ser ainda mais lesivo, tendo em vista a conjuntura externa vigente. “Pode ser pior com a conjugação Temer e Trump. Você tem um governo brasileiro que não se preocupa com a soberania, tende a ser pior que o FHC no campo das relações internacionais. No lado norte-americano, você tem um governo que precisa mostrar força na política externa para se gabaritar na opinião pública. Trump perde muito com a questão da imigração e, se ele conseguir impor condições draconianas ao Brasil, ele vai dizer o quanto está projetando os Estados Unidos e fazendo o que seu antecessor não fez”, disse. “É uma dupla muito perigosa. Dos dois lados tem chances de retornar a elementos complicados. É o que mais justifica a necessidade de pressão. Isso também explica o porquê de não estar sendo divulgado”, completou.
Durante os mandatos petistas de Lula e Dilma Rousseff, o governo começou uma parceria para o desenvolvimento soberano da base de Alcântara com a Ucrânia. Entretanto, as negociações foram interrompidas entre 2013 e 2014, com a queda do então presidente Víktor Yanukóvytch. Após o que o partido de Yanukóvytch e o governo russo chamaram de “golpe”, o país passou a ser comandado por grupos políticos pró Estados Unidos, implodindo possibilidades de parcerias contra os interesses norte-americanos.

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