Oficina debateu impactos das dívidas financeiras e sociais sobretudo na vida das mulheres, além do histórico de lutas do JSB
Por Flaviana Serafim – Jubileu Sul Brasil
A equipe da Ação “Mulheres por reparação das dívidas sociais” participou na manhã deste 11 de abril de uma formação nacional virtual sobre “Dívida e o dia a dia da vida”, com a economista e educadora popular Sandra Quintela, da coordenação da Rede Jubileu Sul Brasil (JSB).
O histórico de surgimento e bandeiras de luta da Rede JSB ao longo de seus 25 anos também pautaram o encontro, iniciado pela socióloga Rosilene Wansetto, secretária executiva do Jubileu Brasil.
A Rede JSB surgiu em 1999, resultado dos debates e dos movimentos de resistência à dívida externa que cresceram durante a década de 1980. A articulação da Rede começou em 1998, no ensejo das campanhas do Jubileu 2000, a partir da discussão lançada pelo Papa João Paulo II pelo perdão da dívida de países pobres altamente endividados, e da 3ª Semana Social Brasileira que teve como mote as dívidas sociais.
Ao longo dessa trajetória, diferentes bandeiras surgiram e a Rede se somou aos embates, incorporando questões como a financeirização da natureza e a justiça socioecológica, sempre atuando para construir resistências e alternativas ao modelo de dominação capitalista, patriarcal, sexista, racista, classista e extrativista.
Sandra Quintela deu seguimento à formação pontuando que a dívida externa afeta o país desde o Brasil Colônia:
“Quando veio para o Brasil em 1808, fugindo da invasão napoleônica, Dom João trouxe junto a dívida contraída pela Casa Real portuguesa na Inglaterra. Em 1822, como parte dos acordos de Independência, herdamos a dívida portuguesa, da ordem de 1,3 milhão de libras esterlinas, correspondente a cerca de 30% do valor das nossas exportações”.
Para liquidar essa e outras dívidas, veio em 1824 o primeiro empréstimo externo, no valor de 3,7 milhões de libras, dando início a uma série de 17 empréstimos contraídos pelo Brasil no mercado financeiro da Inglaterra, no valor total de 68,2 milhões de libras esterlinas.
Sistema da dívida e seu ciclo sem fim
Depois da contextualização histórica, a economista explicou o que é e como funciona o sistema de endividamento público. Trata-se de mecanismo de reprodução do capitalismo no qual o Estado transfere dinheiro público para pagar dívidas, contraídas por empréstimos em bancos privados, fundos de pensão e instituições financeiras internacionais como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI).
O endividamento público é do governo federal, INSS, dos governos estaduais e dos municípios. Apesar de os governos sempre arrecadarem com impostos, nunca é suficiente porque a rolagem da dívida pública (uma renegociação do débito que amplia o prazo de pagamento e também os juros) deixa um “rombo” permanente no orçamento.
Para cobrir as despesas, o governo tem que captar mais recursos, o que é feito principalmente com a negociação dos chamados títulos da dívida pública pelo Tesouro Nacional. Com esses títulos, o governo empresta dinheiro para especuladores e, em contrapartida, se compromete a devolver o valor com correção monetária. Na prática, é parte de um ciclo sem fim de empréstimos pelos governos e pagamento de dívidas que nunca acabam, gerando lucro para pessoas e instituições financeiras que especulam com a compra de títulos da dívida.
“A partir de 1991, com Fernando Collor na presidência e Armínio Fraga no Banco Central, o mercado financeiro brasileiro é aberto para negociações de títulos da dívida pública no mercado internacional. A partir daí a dívida pública explode de maneira brutal. A dívida pública externa perde importância em função do crescimento da dívida interna”, afirma a economista.
Impacto da dívida na vida das mulheres
Sandra Quintela destacou que a sociedade brasileira está altamente endividada, sobretudo as mulheres que são chefes de família.
No caso da dívida pública, essa conta também recai com peso maior na vida das mulheres porque, para honrar o pagamento dos empréstimos, os governos têm que cortar gastos e deixam de investir em serviços e políticas públicas importantes – por exemplo, na construção de creches e na educação com um todo, em saúde, moradia, enfrentamento à violência contra a mulher, em geração de renda e políticas sociais.
Os números apresentados pela economista dão ideia do montante: em 2024, foi destinado R$ 1,99 trilhão para pagamento da dívida pública, equivalente a 42,96% do total de gastos públicos no período. Ao mesmo tempo, R$ 246 bilhões é o que está previsto para investir em Saúde no orçamento de 2025, e R$ 197 bilhões na educação.
Ao final, Sandra Quintela falou sobre o que temos com o mercado e sistema da dívida impostos à população – força de trabalho abundante e barata, modelo econômico centrado no lucro e no próprio mercado – o que a Rede JSB defende: fortalecimento das iniciativas econômicas populares, sem exploração do trabalho de outras pessoas, com o bem viver orientando o processo, uma economia feminista com modelo econômico centrado na produção da vida em vez do lucro.
Para saber mais sobre o sistema da dívida e outros temas, conheça as publicações na biblioteca digital do Jubileu Brasil. Entre os materiais formativos está o cartaz-mural Dívida Pública: Vamos falar sobre isso e mudar a nossa história?, com informações do percurso histórico e político da dívida pública brasileira, além de dados e fatos para estimular a reflexão sobre o tema nos espaços de articulação popular.
Outra leitura sugerida é a revista “A dívida pública e seu impacto na vida das mulheres”, disponível clicando aqui.
A formação nacional ocorreu no âmbito do projeto “Resistência e defesa dos direitos frente o sobre-endividamento e às mudanças climáticas”, realizado pela Rede Jubileu Sul Brasil de acordo com o Termo de Fomento nº 962421/2024, firmado com o Ministério de Direitos Humanos e da Cidadania, decorrente da Emenda Parlamentar nº 39840002, de autoria da Deputada Federal Fernanda Melchionna.