Para as mais de 600 organizações e movimentos participantes da Conferência Popular pelo Direito à Cidade, um dos desafios a partir de agora é que resoluções aprovadas estejam na agenda de candidaturas “comprometidas com a luta urbana”. O outro é “ir mais além, buscar uma democracia mais radical” para romper com a lógica vigente “com que as cidades no Brasil se construíram até hoje”.  O encontro, entre os dias 3 e 5 de junho, reuniu delegações de todo o país na capital paulista, após mais de 230 eventos preparatórios.

Por Flaviana Serafim I Jubileu Sul Brasil

A Conferência Popular pelo Direito à Cidade reuniu cerca de 600 delegadas e delegados de todo o país entre os dias 3 e 5 de junho, no centro da capital paulista. O objetivo foi construir coletivamente a Plataforma de Lutas Urbanas, com uma série de resoluções propostas para combater a desigualdade social e a predação ambiental, e trazer o tema das cidades como pauta para o projeto nacional nas eleições de 2022. Na discussão prévia, foram mais de 230 eventos preparatórios e 140 relatórios.

Após a realização de uma marcha pelo direito à cidade, com cerca de 2 mil manifestantes na sexta-feira (3), e a abertura oficial na noite do mesmo dia, na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, os debates prosseguiram ao longo do sábado (4). Foram 16 oficinas com os grupos temáticos, entre os quais sobre Moradia; Recursos públicos e orçamento; Mulheres, população LGBTQIAP+, sexismo e vivência nas cidades; Desigualdades raciais na vivência do direito à cidade; Recursos públicos e orçamento; Segurança pública.

O conjunto das resoluções, resultado da discussão prévia nacionalmente, com mais de 230 eventos preparatórios, foi apresentado e aprovado em plenária popular no domingo (5), no auditório do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, consolidando a Plataforma de Lutas Urbanas.

As mais de 600 organizações e movimentos populares também aprovaram uma carta ao final da Conferência, afirmando que “a unidade é a chave da esperança e da mudança”.

Sobre os desafios a partir de agora, as organizações ressaltam na carta que é preciso que as resoluções aprovadas retornem às bases para que sejam apropriadas, defendidas e incorporadas na agenda de candidaturas “comprometidas com a luta urbana”. Outro desafio é “ir mais além, buscar uma democracia mais radical, ainda mais profunda e que possa romper com a lógica com que as cidades no Brasil se construíram até hoje”, pontua o documento.

Delegadas e delegados na plenária de apresentação e aprovação das resoluções. Fotos: Flaviana Serafim/Jubileu Sul Brasil

A Rede Jubileu Sul Brasil participou da atividade representada pela equipe técnica e pela delegação fluminense da Central dos Movimentos Populares (CMP), organização que, junto com a Rede e a 6ª Semana Social Brasileira (SSB), é parceira na ação Mulheres e Dívidas Sociais, iniciativa que visa fortalecer a organização das mulheres em luta por moradia digna e outros direitos. 

Na avaliação de Marcelo Edmundo, da CMP e membro da delegação do Rio de Janeiro, “após os desmontes das políticas e dos espaços de participação popular, a Conferência veio mostrar que o povo organizado pode debater seus problemas e construir alternativas de cidades justas, igualitárias e saudáveis”. Para o militante, “foi uma experiência fantástica e espero que tenha uma continuidade para que possamos efetivamente construir as cidades que sonhamos”.

Veja as imagens no Flickr do Jubileu Sul Brasil.

Moradia e bem viver

Identificar, mapear e lutar pela destinação de terrenos e imóveis que não estejam cumprindo função social é uma das resoluções aprovadas do grupo sobre Moradia, para criação de um banco de terras públicas e tornar transparente o conjunto de áreas adequadas para Habitação de Interesse Social (HIS).

Outra foi propor a criação de uma política nacional pós-ocupação para valorizar a vida comunitária e o bem viver nos empreendimentos de HIS, com gestão de forma autogestionária e regulamentação específica de condomínio popular.

Em casos de desapropriação de moradias para construção de empreendimentos, uma das resoluções visa exigir indenização justa que considere tanto o valor da terra e das edificações, independente de título de propriedade, quanto o da perda da renda devido ao deslocamento, para que a população afetada tenha “acesso à nova moradia em local próximo em condições equivalentes à anterior”.  

Na temática Recursos públicos e orçamentos, foi aprovada resolução para que ao menos 2% do orçamento público estadual, federal e municipal seja destinado à moradia popular, e outra apoiando um novo pacto federativo para aumentar o orçamento dos municípios.

Foi aprovada ainda uma resolução que defende a reforma tributária no nível federal, estadual e municipal, para aumentar os impostos sobre grandes fortunas, propriedades (exceto as de interesse social) e bens de luxo como iates e helicópteros, que hoje são isentos de tributação.

Já no grupo sobre Segurança Pública, uma das resoluções é de “refundar a política de segurança pública a partir de uma lógica cidadã e não do policiamento”.

Cidades antirracistas e saberes ancestrais

Do grupo Desigualdades raciais na vivência do direito à cidade, foi aprovada uma resolução para implementar e garantir políticas aos povos de matriz africana, afro-brasileira e afro-indígena assegurando “respeito e a preservação das práticas e dos lugares de culto, respeitando a diversidade cultural, religiosa e a laicidade do Estado e da esfera pública”.

Outra resolução define priorizar, racializar e desenvolver políticas de habitação de qualidade que garantam a permanência do povo negro em seus territórios, combatendo a especulação imobiliária e a gentrificação, além da criação de equipamentos e serviços públicos de apoio à população negra, sobretudo às mulheres cis e trans, para inclusão e continuidade no mercado de trabalho.

Do grupo temático sobre Povos Originários e Populações Tradicionais, foi aprovado identificar e destinar terras da União, estados e municípios para manter e consolidar os territórios ocupados e os que estão em retomada, seja nas áreas rurais ou urbanas “para a autogestão ambiental de uma economia sustentável, concretizando a autonomia”.

Encerramento da Conferência Popular pelo Direito à Cidade.

A ação da Rede Jubileu Sul conta com apoio do Ministério das Relações Exteriores Alemão, que garantiu ao Instituto de Relações Exteriores (IFA) recursos para implementação do Programa de Financiamentos Zivik (Zivik Funding Program). Também integram o processo de fortalecimento da Rede Jubileu Sul Brasil e das suas organizações membro, contando ainda com apoios da Cafod, DKA, e cofinanciamento da União Europeia.

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