Grito dos Excluídas e Excluídas completa três décadas por “Vida em primeiro lugar”, com atos públicos no 7 de setembro (domingo)
Por Coletivo de Comunicação Grito dos Excluídos e Excluídas
Nesta terça (03/9), o Grito dos Excluídos e Excluídas realizou, de forma online, a Coletiva Nacional de Imprensa, com a participação de lideranças de setores excluídos das várias regiões do país para discutirem e apresentar a sua realidade e lutas (assista o vídeo no final do texto).
Neste ano o Grito celebra 30 anos de existência e resistência, constituindo-se como espaço de articulação popular por direitos e “Vida em Primeiro Lugar”, e de denúncia das desigualdades históricas, causadas pelo sistema capitalista que exclui, degrada e mata.
Com o apoio de uma rede nacional de articuladores e articuladoras locais, o Grito também anuncia e propõe a construção de um novo projeto de sociedade, que tem como grande desafio passar de um modelo de exploração, que visa tirar o máximo de lucro da natureza e da força humana, a um novo modelo de cuidado, preservação e cultivo da vida.
A coletiva contou também com a presença de Dom Valdeci Santos Mendes, bispo da Diocese de Brejo, no Maranhão, e presidente da Comissão Sociotransformadora da CNBB e de Alessandra Miranda, da Coordenação Nacional do Grito. A moderação ficou com Frei Zeca, articulador do Grito no Mato Grosso.
30 anos de resistência, anúncio e denúncia
Dom Valdeci Mendes lembrou que o Grito surgiu no contexto da 2ª Semana Social Brasileira da CNBB, nos anos 90, tornando-se uma expressão forte do profetismo e da história da Igreja junto aos empobrecidos. Com fundamentos no evangelho de Jesus Cristo e do ensinamento social da Igreja.
Disse ainda que o Grito é um processo permanente que deve ecoar a partir do chão, onde as comunidades estão sendo ameaçadas, sejam os povos indígenas, quilombolas, o povo da periferia, pessoas em situação de rua, os lavradores e lavradoras da agricultura familiar, os pescadores artesanais, os jovens, as crianças. Na defesa e zelo da Casa Comum, como destaca o Papa Francisco.
“O nosso grito deve ser alto e não a partir das arquibancadas e dos palanques, mas a partir do chão”, assegurou o bispo.
Alessandra Miranda, da coordenação nacional, destacou o compromisso do Grito com a vida e como espaço de unidade que reúne diferentes setores na construção de um projeto que promova mudanças concretas contra o projeto de exploração que mata. E ressaltou o contraponto que o Grito faz ao militarismo e ao patriotismo passivo.
Papa Francisco, em sua exortação apostólica Laudate Deum, lembrou Alessandra, denuncia o “pragmatismo homicida” que nos deixa conviver com este sistema de morte. “Corremos o perigo de ficarmos presos na lógica de corrigir, colocar remendos, amarrar com arame, enquanto sob a superfície avança um processo de deterioração que continuamos alimentando. (…) É como chutar uma bola de neve para frente”.
A realidade e as lutas locais
Eliomar Osias Rezende Sarmento, do Povo Tukano, Coordenação executiva da Articulação das Organizações e Povos Indígenas do Amazonas/APIAM, disse que naquele Estado vivem 66 povos indígenas, cujas vidas importam, assim como a de todos os povos originários no país.
Ele ressaltou a luta contra o Marco Temporal que mata, assim como a ação dos grandes empreendimentos em seus territórios.
Ilisiane Vida, atingida pelas enchentes de maio, em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, enfatizou que aquela foi uma tragédia anunciada desde 2018. Mas o poder público não tomou providências e nem avisou a população que foi pega de surpresa. Moradora do Bairro Sarandi, o mais atingido pelas águas, ela lembra que só deu tempo de pegar os filhos pequenos, animais e documentos e que ainda hoje vive numa situação de caos. “O nosso Grito é de socorro”.
“Vou falar com o meu coração”, disse Andreia MF, do Movimento Mães do Cárcere, do Litoral paulista. Emocionada, falou da própria vida de menina que perdeu os pais, sofreu violência dentro e fora da favela e enfrentou o encarceramento. Mas sobreviveu “com a força de Maria”, agradecida por ter sido acolhida e abraçada e que por isso luta por seu espaço a cada dia e dos encarcerados, dos movimentos de rua, dos LGBT, das religiões de matriz africana, favelados.
“A grande força que me move é a esperança e a fé de dias melhores. Quero contribuir com a minha força e existência, pegar nos braços tão casados de quem sofre com os olhares preconceituosos e puxar os que não têm visibilidade”.
Luciano Silva Galeno, da Comissão Pastoral dos Pescadores/Piauí, denunciou a violação contra os povos das águas, crime que não se limita à Costa do Brasil, na região Nordeste, mas se estende a todo o país. Criticou a falta de políticas públicas para pescadores e pescadoras.
A violência e a insegurança na região, destacou Luciano, passam pela discussão da transição energética, com a instalação de parques eólicos em áreas onde os trabalhadores retiram recursos para sua sobrevivência. Assim como pela PEC – Proposta de Emenda Constitucional 03/2022, que tramita no Congresso e que altera o domínio dos terrenos da marinha que incluem áreas às margens de praias, de rios e de lagos e poderá penalizar trabalhadores da pesca. “Não só eles, mas todos os povos tradicionais e a Casa Comum. É uma agressão histórica aos povos das águas e florestas”.
Quem se importa com as comunidades que vivem no Cerrado, questionou Lenora Rodrigues, da Articulação das Comissões Pastorais da Terra (CPTs) do Estado do Maranhão. Indígenas, comunidades quilombolas e tradicionais estão tendo seus territórios devastados pelo capital nacional e internacional e a expansão da agricultura de alta produtividade, especialmente da soja. Principalmente na região denominada MATOPIBA, uma expressão que serve para designar parte dos territórios pertencentes ao bioma Cerrado formada a partir dos respectivos Estados componentes: Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia.
“Um projeto de desenvolvimento de morte – grilagem, desmatamento, incêndios criminosos de casas de reza, de roças e florestas, de agrotóxicos pulverizados como armas químicas que afetam a água, o solo e o ar e adoecem as populações”, denunciou Lenora.
O Brasil tem jeito?
Para essa questão a resposta tem que ser coletiva, assegurou Alessandra Miranda. “Tem que alterar estruturas, mudar a lógica do capital. Os 30 anos de Grito nos mostram que é possível”.
O Brasil tem jeito quando aprendemos com as organizações, enfatizou Dom Valdeci Mendes. “Tem jeito quando nos deixamos conduzir por formas de criatividade popular, compromisso, sonhos com a justiça, com a solidariedade. Jeito não do capitalismo, mas o jeito que a gente quer”, finalizou.