“Não acredite em falsas soluções, nas falácias dos entreguistas do patrimônio
público à iniciativa privada. Água é direito, não é mercadoria.”

Por Heitor Scalambrini Costa*

O título em epígrafe foi dito pelo atual presidente da Companhia
Pernambucana de Saneamento (COMPESA), Alex Machado Campos, em
entrevista concedida ao tomar posse em 1 de setembro de 2023.

Também é de conhecimento público que a governadora de Pernambuco, em
3 de maio de 2023, assinou um contrato (de R$ 8.351.175,77) com o
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para que
apresentasse propostas de participação de investimentos privados, ou
seja, a concessão dos serviços específicos  de saneamento, água e
esgoto, atualmente prestados pela Companhia Pernambucana de
Saneamento (COMPESA). Este contrato teve a chancela do Conselho do
Programa de Parcerias Estratégicas de Pernambuco (CPPPE), vinculado à
Secretaria de Planejamento e Gestão.

Importante destacar que a promessa do presidente da COMPESA, ocorreu
mesmo antes dos resultados do estudo apresentado pelo BNDES, que
somente foram divulgados em 18 de março de 2024. No relatório final,
o BNDES apresentou 3 propostas. A de concessão total, a de concessão
parcial, e a de conceder ao capital privado somente os serviços de
coleta e tratamento de esgoto.

Se o compromisso assumido pelo presidente da COMPESA for referendado
pela governadora, que também tem afirmado ser contra a privatização
total da empresa, somente duas propostas serão analisadas. A de
concessão parcial dos serviços à iniciativa privada (uma privatização
parcial) no saneamento, água e esgoto. E a outra proposta seria a
transferência para o setor privado somente dos serviços de coleta e
tratamento dos esgotos. O modelo de privatização será tornado
público, no mês de abril corrente, conforme declaração recente da
governadora.

A discussão sobre privatização (transferência dos ativos da empresa
pública para a iniciativa privada, alienação dos bens) voltou à tona
em Pernambuco com mais intensidade no atual governo de Raquel Lyra
(PSDB). E assim, depois da privatização da Companhia Energética de
Pernambuco (CELPE), no ano 2000, outra grande empresa estatal,
patrimônio do povo pernambucano, está na mira da privatização.

As experiências privatistas iniciadas nos anos 1990, como a das
privatizações das distribuidoras de energia elétrica, serviram para
demonstrar que esse não foi um bom caminho adotado pelo país. A
realidade pós-privatização acabou provocando um grande pesadelo nos
consumidores de energia elétrica. O que era (e é) propagandeado como
benefícios da privatização não ocorreram, como a modicidade
tarifária, a melhoria na qualidade dos serviços prestados com
investimentos em tecnologia, inovação, e uma eficiente gestão
empresarial da empresa.

Nestes 24 anos, desde a privatização da Companhia Energética de
Pernambuco (CELPE), suas tarifas explodiram, e a qualidade dos
serviços prestados despencaram, segundo indicadores da própria
Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL). Diante deste contexto,
deveria existir um cuidado especial do governo estadual ao falar em
privatização, principalmente pelo que ocorreu com a CELPE
privatizada.

A população pernambucana tem sofrido com as consequências de um
processo que só tem beneficiado aos investidores privados, cujo
compromisso é somente com o lucro. E não beneficiar o povo e sua
soberania. E agora, diante de argumentos semelhantes que motivaram a
privatização da energia, a história se repete, com acenos a população
da universalização do acesso (água) e ao esgotamento sanitário até
2033, que chegaria a beneficiar quase 8 milhões de pessoas, segundo o
governo estadual.

O sinal de alerta foi aceso. Os processos de privatização ocorridos
no setor elétrico seguiram o _modus operandi_ no contexto reinante da
lógica “sucatear para privatizar”. Assim, para ludibriar, enganar as
pessoas e convencê-las de que a única saída para os problemas nos
serviços públicos e nas empresas estatais seria privatizar; começam a
cortar os recursos financeiros, os orçamentos minguam, os
investimentos são insuficientes, redução do pessoal.
Intencionalmente e propositalmente, os governantes comprometidos em
vender empresas estratégicas, reduzem a qualidade dos serviços
públicos, descredibilizando as empresas e seus funcionários junto a
seus clientes. Acabam facilitando a aceitação da privatização pela
população. O mesmo caminho segue a privatização da água e do
saneamento.

No mundo, segundo um levantamento do banco de dados Public Futures
(publicfutures.org [1 [1]]), coordenado pelo Instituto Transnacional
(TNI)
da Holanda, e pela Universidade de Glasgow, privatizações realizadas
nos serviços de água e esgoto, foram revertidas em 37 países, devido
a piora nos serviços de água e esgoto. Essas reversões foram
motivadas pela mediocre qualidade dos serviços prestados, pelas
tarifas abusivas cobradas, falta de transparência, dificuldade em
fiscalizar os operadores privados e investimentos insuficientes.
Exemplos não faltam. Por exemplo em Paris (França), as tarifas de
água aumentaram 174% com a privatização; Berlim, subiram 24%; e
Jacarta, capital da Indonésia, a tarifa triplicou.

A privatização (sob que forma for) da COMPESA é um projeto que vai na
contramão do mundo. Será ruim para a população, para os trabalhadores
(as) da empresa, e para o meio ambiente.

Resta à sociedade, os consumidores/eleitores assumirem o papel de
resistência às propostas contrárias ao interesse público, ao
interesse coletivo. Diga NÃO à privatização da COMPESA. Não acredite
em falsas soluções, nas falácias dos entreguistas do patrimônio
público à iniciativa privada. Água é um direito não é mercadoria.

Professor associado aposentado da Universidade Federal de Pernambuco

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