O ano de 2014 foi marcado pelo agravamento da crise da segurança pública no Brasil. Esta é a principal questão levantada no capítulo brasileiro do Relatório 2014/15– O Estado dos Direitos Humanos no Mundo, lançado nesta quarta-feira (25) pela Anistia Internacional em todo o mundo. A curva ascendente dos homicídios no país; a alta letalidade nas operações policiais, em especial nas realizadas em favelas e territórios de periferia; o uso excessivo da força no policiamento dos protestos que antecederam a Copa do Mundo; as rebeliões com mortes violentas em presídios superlotados, e casos de tortura mostram que a segurança pública no país precisa de atenção especial por parte das autoridades brasileiras.
“O Brasil é um dos países onde mais se mata no mundo”, destaca Atila Roque, diretor executivo da Anistia Internacional no Brasil. “Cultivamos a ideia de um país pacífico, mas convivemos com números de homicídios que superam, inclusive, situações onde existem conflitos armados e guerras. É inadmissível que haja cerca de 56 mil vítimas de homicídios por ano, a maior parte composta de jovens, e este não seja o principal tema de debate na agenda pública nacional”, conclui.
O capítulo brasileiro no relatório traz uma retrospectiva sobre os principais acontecimentos de 2014 e alguns destaques de 2013, a começar pelos protestos que antecederam a Copa do Mundo. Milhares de manifestantes saíram às ruas e muitos deles foram cercados e detidos arbitrariamente. Jornalistas também foram agredidos. Os episódios demonstraram que as polícias não estão preparadas para assegurar direitos fundamentais da democracia: a liberdade de expressão e de manifestação pacífica.
 
A militarização da segurança pública – com uso excessivo da força e a lógica do confronto com o inimigo, em especial nos territórios periféricos e favelas – tem contribuído para a manutenção do alto índice de violência letal no país. O relatório final da Comissão Nacional da Verdade tem importante papel em estabelecer como o legado da ditadura impacta na violência policial de hoje e em propor reformas para assegurar uma segurança pública baseada na defesa dos direitos humanos.
 
“Enquanto prevalecer o discurso de violência e uma espécie de Estado de exceção, que corrobore a percepção de que a vida de uns vale mais do que a de outros, viveremos a barbárie. ‘Bandido bom é bandido morto’ é uma filosofia em que todos saem perdendo. Perde o Estado que coloca a vida de seus agentes de segurança em risco e abre mão de enfrentar o crime com inteligência; e perde a sociedade, brutalizada e acuada pelo medo da violência”, analisa Atila Roque.
 
A falta de priorização do tema da segurança pública no país tem vitimado tanto agentes de segurança quanto a população – destacando-se uma parcela jovem, negra, pobre e radicada nas periferias. Casos como o do pedreiro Amarildo de Souza, torturado até a morte pela polícia do Rio de Janeiro e a chacina que deixou 10 pessoas mortas em Belém do Pará foram alguns exemplos desta realidade.
 
Recomendações
 
Diante do cenário apresentado pelo relatório anual, a Anistia Internacional pede que:
 
– Seja elaborado um plano nacional de metas para a redução imediata dos homicídios, em articulação entre o governo federal e governos estaduais;
 
– A desmilitarização e a reforma da polícia, estabelecendo mecanismos efetivos de controle externo da atividade policial, promovendo a valorização dos agentes, aprimorando sua formação e condições de trabalho, assim como as técnicas de inteligência para investigação.
 
– A implementação plena de um programa de defensores de direitos humanos, que proteja lideranças nos campos e nas cidades e promova ampla discussão sobre a origem das violações que os afetam;
 
A Anistia Internacional trabalha com o tema da segurança pública no Brasil há muitos anos, em parceria com atores da sociedade civil e de instâncias do governo. Um exemplo foi o lançamento da campanha Jovem Negro Vivo em novembro de 2014, que tem como objetivo desnaturalizar os números da violência no Brasil e promover a reflexão sobre o que pode ser feito para muda-los.
 
Veja mais sobre os temas abordados no capítulo brasileiro:
 
• Violações de direitos em situações de protestos: respostas do governo e das polícias para as manifestações pré-Copa do Mundo, com uso excessivo da força e prisões arbitrárias, agressões a jornalistas e a condenação de Rafael Braga Vieira, único jovem preso e condenado a cinco anos de prisão por portar material de limpeza.
 
• Condições Prisionais: Envolvimento da Comissão Interamericana de Direitos Humanos para intervenção nas condições prisionais do país, com destaque para a rebelião no Presídio de Pedrinhas (MA). Condenação de 75 policiais pela morte de 111 presos durante a rebelião na penitenciária do Carandiru em 1992.
 
• Tortura e Outros Maus-Tratos: Denúncias de tortura quando em custódia da polícia e o caso do trabalhador de construção civil Amarildo de Souza. Destaque para a instituição do Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura.
 
• Impunidade: O trabalho da Comissão Nacional da Verdade e seu relatório final.
 
• Defensores de Direitos Humanos: dificuldades enfrentadas pelo Programa Nacional de Defensores de Direitos Humanos e os casos acompanhados pela Anistia Internacional.
 
• Disputa por Terras – Direitos de Povos Indígenas: Conflitos que envolvem populações tradicionais, como a comunidade indígena Guarani-Kaiowá de Apika’y, no Mato Grosso do Sul e comunidades quilombolas no Maranhão, assim como os perigos de retrocesso nas legislações que envolvem a demarcação de terras.
 
• Direitos de lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e intersexuais: Avanços na legislação, apesar das manifestações homofóbicas de lideranças políticas e religiosas e a violência contra a população LGBT.
 
• Direitos Sexuais e Reprodutivos: A pressão de grupos religiosos pela criminalização do aborto e os casos de duas mulheres que morreram ao fazer abortos em clínicas clandestinas.
 
• Comércio de Armas: Embora o Brasil tenha assinado o Tratado Internacional de Armas, o documento ainda ainda não foi ratificada pelo congresso.
 

Fonte: Anistia Internacional Brasil

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