Documento das organizações que integram a Semana de Ação Global por Justiça e Anulação das Dívidas, entre as quais o Jubileu Sul Brasil, reivindica anulação imediata de dívidas para enfrentamento das múltiplas crises agravadas com a pandemia. Confira a declaração e apoie a iniciativa assinando até dia 9.

Por Redação – Jubileu Sul Brasil

De 10 a 17 de outubro ocorre a Semana de Ação Global por Justiça e Anulação das Dívidas, mobilização internacional que reivindica a anulação, cancelamento e o não pagamento das dívidas contraídas em instituições financeiras internacionais, como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial, que utilizam esse sistema de endividamento para impor suas políticas neoliberais e interferir na soberania dos povos.

Por isso, a ação ocorre no mesmo período da reunião anual do FMI e do Banco Mundial, em Washington (EUA). As Redes Jubileu Sul Brasil, Jubileu Sul/Américas participam da semana com uma série de atividades promovidas em conjunto com organizações membro e parceiras. 

Como parte da programação, foi aberto o período para coleta de assinaturas em apoio à Declaração das organizações da Semana de Ação Global. É possível apoiar assinando até este 9 de outubro (domingo), clicando aqui: https://bit.ly/FirmenAquiDeclaracionSemanaDeuda 

Além da anulação imediata da dívida com credores privados, internacionais e governos, a reivindicação é por transparência e reparação pelos danos a países, povos e natureza afetados pelo pagamento de dívidas insustentáveis.

Confira a íntegra do documento na versão em português:

“Somos solidários com os milhões de pessoas em inúmeros países que saíram às ruas nos últimos meses, para exigir o fim do domínio da dívida e das políticas destrutivas do Fundo Monetário Internacional (FMI), do Banco Mundial (BM) e de outros credores globais. De 14 a 16 de outubro de 2022, o FMI e o Banco Mundial realizam suas reuniões anuais para avançar em suas reformas políticas neoliberais, oportunidade que essas instituições financeiras internacionais (IFIs) já há anos muitas vezes perdem de tomar medidas mais ousadas para apoiar os países do Sul Global, endividados e afetados pelo clima. 

O FMI vem impondo reformas políticas neoliberais sistematicamente, em meio a crises de dívida enraizadas em desigualdades globais e legados coloniais. A pandemia do COVID-19 destacou e agravou principalmente as falhas de longa data de nossos sistemas econômicos, sociais e de saúde pública. Isso requer um repensar profundo nas práticas e condicionalidades impostas pelo FMI, que muitas vezes contribuíram para esses fracassos. Quase três anos depois da ONU declarar a COVID-19 uma pandemia, o mundo está enfrentando um cenário preocupante que é profundamente mais injusto, desigual e insustentável do que nunca.

O FMI e o Banco Mundial continuam operando como de costume, oferecendo empréstimos de emergência em vez da anulação de dívidas ou indenizações vencidas por décadas de políticas que empobreceram pessoas e substituiu o colonialismo pelo imperialismo econômico. A influência corporativa indevida levou os estados a fornecer subsídios e resgates corporativos maciços com pouca supervisão, além de reverter proteções ambientais. Os pacotes de recuperação do FMI beneficiaram apenas corporações ricas, incluindo credores privados, sem nenhum alívio à vista para pessoas sobrecarregadas por dívidas maciças e ilegítimas, pela perda de empregos, pobreza terrível, colapso dos sistemas de saúde pública e intensificação dos eventos climáticos. 

Na verdade, todas as regiões do mundo, particularmente o Sul Global, mergulharam mais profundamente em múltiplas crises. Esta é uma acusação retumbante contra respostas fracassadas, imperfeitas e fúteis a problemas sistêmicos, e um alerta para que os povos em todo o mundo se esforcem cada vez mais por mudanças verdadeiras e transformadoras.

À medida que se exacerbam as crises dos últimos anos, a pandemia de COVID-19 continua custando milhões de vidas e meios de subsistência, sobretudo entre aqueles sem apoio público e acesso às vacinas. A pandemia e suas consequências econômicas também aumentaram a desigualdade dentro e entre os países. Isso levou a uma onda de empréstimos, com países dependentes da dívida acumulando mais empréstimos além das dívidas insustentáveis ​​e ilegítimas acumuladas nas décadas anteriores. As IFIs, bem como os credores bilaterais e privados, contribuíram fortemente para empréstimos imprudentes, pressionando por mais empréstimos e soluções que criam dívidas. O FMI aumentou seus desembolsos para novos empréstimos, de US$ 8,3 bilhões em 2019 para US$ 31,6 bilhões em 2020, enquanto outras instituições multilaterais fizeram o mesmo, passando de US$ 52,2 bilhões para US$ 70,6 bilhões. Os empréstimos bilaterais e particularmente privados diminuíram de 2019 a 2020.

Além de encargos, o FMI insiste em impor sobretaxas de milhões de dólares aos países aos quais concedeu enormes empréstimos, muitas vezes sem levar em conta seus regulamentos e estatutos, como é o caso da Argentina, Equador, Egito, Paquistão e Ucrânia, entre outros.

Em fevereiro deste ano, mais uma crise eclodiu dos sistemas e relacionamentos socioeconômicos, financeiros, políticos e militares profundamente desiguais que fraturam o mundo hoje. A Rússia invadiu a Ucrânia, agravando a crise humanitária em todo o mundo. Estima-se que 71 milhões de pessoas foram relegadas à pobreza extrema como resultado dos terríveis efeitos colaterais do aumento dos preços dos alimentos e da energia em todo o planeta. 

Com as taxas de juros em alta, o acúmulo de dívidas está subindo para níveis recordes ainda mais altos. Vários países agora à beira da inadimplência, ou em alto risco de inadimplência, devem seguir o exemplo do Sri Lanka, Zâmbia, Líbano, Zimbábue e Suriname. A lista inclui Argentina, Paquistão, Egito, Quênia, Gana ou Tunísia, principalmente países de renda média, o que mostra que todos os países precisam ter acesso a planos de cancelamento de dívidas.

Dos novos empréstimos desde 2020 para países de baixa e média renda, estima-se que os credores privados tenham fornecido até cinco vezes mais do que os credores bilaterais. Os credores privados deveriam receber US$ 2,18 trilhões ou 63% de suas dívidas públicas externas de longo prazo, dos quais US$ 1,73 trilhão estavam na forma de títulos. Esses exemplos atestam claramente as brechas existentes nos esquemas G7/G20, como a Iniciativa de Suspensão do Serviço da Dívida (DSSI). Como os credores privados e multilaterais não participaram do esquema, menos de um quarto dos pagamentos da dívida dos países participantes foram suspensos.

Depois do vencimento da DSSI, em dezembro de 2021, os países participantes (como o Paquistão) retomaram os pagamentos do serviço da dívida, mas em circunstâncias mais difíceis e com dívidas maiores, contraídas nos últimos dois anos com taxas de juros mais altas que podem aumentar ainda mais de um momento para o outro. Não houve resposta de governos ou instituições financeiras internacionais, que simplesmente continuam a “incentivar” e “encorajar” a participação diante da total impunidade dos credores privados.

Em novembro de 2020, o G20 aprovou o ‘Quadro Comum sobre Tratamentos da Dívida além da DSSI”’ um plano para, em teoria, facilitar a reestruturação da dívida de alguns países de baixa e média renda. Em quase dois anos, apenas três países (Zâmbia, Etiópia e Chade) aderiram ao Quadro Comum, e até agora nem um único dólar de dívida foi reestruturado ou cancelado. Notícias recentes sobre a aprovação do programa do FMI para a Zâmbia mostram que a reestruturação ou redução da dívida virá à custa tanto da austeridade quanto de mais saques e impunidade por parte dos responsáveis.

A austeridade, em suas várias formas, mergulhou os países empobrecidos em uma desigualdade maior e em mais crises de dívida, seguindo as condicionantes impostas pelas IFIs e a mentalidade neoliberal dominante. Esta receita não mudou, embora as condições mostrem que os impactos mais fortes das medidas de austeridade recaem sobre os setores mais vulneráveis ​​e marginalizados. Até 85% dos 107 empréstimos devido à pandemia de COVID-19, negociados entre o FMI e 85 governos, contêm planos de austeridade a serem implementados quando a crise da saúde terminar.

Isso também ocorre em um momento de eventos climáticos cada vez mais catastróficos, causando impactos mais destrutivos sobre os menos responsáveis ​​pela crise climática: os povos do Sul. Por trás dos pronunciamentos do Banco Mundial de que deixará de financiar investimentos de exploração/produção de petróleo e gás a partir de 2019, existem dezenas de projetos de carvão, gás e petróleo que o BM já financiou e que ainda não foram contabilizados em termos de sua contribuição para as mudanças climáticas. Esses projetos destruíram florestas tropicais e biodiversidade, deslocaram indivíduos e comunidades inteiras, forçaram muitos países do Sul a se tornarem dependentes da indústria de combustíveis fósseis e contribuíram muito para a escalada da crise climática.

Desde o Acordo de Paris de 2015, o Banco Mundial investiu mais de US$ 12 bilhões em combustíveis fósseis, dos quais US$ 10,5 bilhões foram financiamento direto para novos projetos desse combustível. Bilhões a mais fluem para combustíveis fósseis por meio de operações mistas e financiamento indireto. Cerca de US$ 4 bilhões, ou 35% da assistência de combustíveis fósseis do Grupo Banco Mundial desde 2015, foram para oito países do G20, muitos dos quais fornecem as maiores fontes de subsídios públicos para combustíveis fósseis.

Nós nos recusamos a ser reféns de credores e legisladores globais que estão nos levando por um caminho que leva a mais desigualdade, empobrecimento, privação e ecocídio. Com urgência, reiteramos os apelos que fizemos como sociedade civil em 2020, exigindo:

1. A anulação imediata da dívida por todos os credores (instituições financeiras internacionais, governos e credores privados) para que o povo possa enfrentar as múltiplas crises; e legislação mais rigorosa para obrigar os credores privados a participar do cancelamento da dívida;

2. Mudanças sistêmicas nos mecanismos financeiros e econômicos para impedir o acúmulo de dívidas insustentáveis ​​e ilegítimas, oferecer soluções justas e abrangentes para crises de dívida, construir sociedades mais equitativas, justas e pós-carbono, inclusive o fim dos empréstimos que levam à exploração dos povos e à destruição do meio ambiente;

3. A entrega imediata de novo financiamento climático, adicional e livre de dívidas para adaptação, mitigação e perdas e danos, muito maior do que a promessa não cumprida de US$ 100 bilhões anuais, e que atende adequadamente às necessidades do Sul Global;

4. Revisão abrangente nacional e global das mudanças nas políticas e práticas de empréstimos, endividamentos e pagamentos com o objetivo de evitar a reacumulação de dívidas insustentáveis ​​e ilegítimas; fortalecer instituições e processos democráticos e defender os direitos humanos e a autodeterminação dos povos, bem como levar à justiça o FMI, o Banco Mundial e outros credores privados;

5. Mecanismos e processos de transparência e responsabilização da dívida genuinamente participativos e inclusivos, incluindo auditorias nacionais da dívida, que examinarão criticamente a natureza, propósito, termos e condições, uso real dos empréstimos e impactos das políticas e programas apoiados pelos empréstimos; 

6. O estabelecimento de uma estrutura justa, transparente, vinculativa e multilateral para a resolução de crises da dívida (sob os auspícios da ONU e não em arenas dominadas por credores), que trate da dívida insustentável e ilegítima e que reconheça a prioridade das obrigações com os direitos humanos para todos envolvidos;

7. Reparações pelos danos causados ​​a países, aos povos e à natureza pela contratação, utilização e pagamento de dívidas insustentáveis ​​e ilegítimas e as condições impostas para garantir a sua cobrança.”

Esta Declaração será emitida em 10 de outubro de 2022, no início da Semana de Ação Global por Justiça e Anulação das Dívidas. Convidamos você a adicionar a assinatura da sua organização antes deste dia 9 de outubro: https://bit.ly/FirmenAquiDeclaracionSemanaDeuda

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