Encontro na Bolívia também debateu o problema da dívida e a busca por desenvolvimento com justiça socioambiental
Por Luciane Udovic, de La Paz* – Grito dos Excluídos Continental, com edição do Jubileu Sul Brasil
A Rede Jubileu Sul Brasil participou do Fórum Regional “Democracia, Dívida, Desenvolvimento com Justiça Social e Ambiental”, atividade da sub-região Andina do Grito dos Excluídos Continental, dias 10 e 11 de outubro, em La Paz, Bolívia, representada presencialmente por Luiz Bassegio.
O objetivo do encontro foi refletir sobre as tendências políticas e suas implicações para processos democráticos, problemas da dívida e a busca pelo desenvolvimento com justiça socioambiental. Foram 25 participantes presenciais de Bolívia, Brasil, Equador e Paraguai. Virtualmente participou México, Venezuela e Nicarágua.
A delegação foi recepcionada por Roberto Alcover, coordenador do Instituto De Ciências Políticas da UPEA – Universidade Pública de El Alto, que gentilmente cedeu o auditório da universidade para realização presencial do evento.
O Fórum aconteceu no marco das mobilizações do Grito dos Excluídos Continental em El Alto, cidade boliviana com apenas 30 anos de existência e mais de dois milhões de habitantes, a segunda maior do país, crescimento que se deve à intensa migração interna e a presença da UPEA. O local escolhido pelo Grito Boliviano se deve ao fato de a cidade ser símbolo de luta, de resistência e de democracia.
No segunda-feira (10), houve reunião da coordenação e a primeira entrega do caderno de estudo produzido pela Rede – Endividamento, histórico de lutas e propostas alternativas nos países da América Latina e do Caribe. Na terça (11) seguiu a programação de debates, além de coletiva de imprensa.
Após breve mística, teve início uma análise de conjuntura da América Latina na perspectiva da democracia, dívida e desenvolvimento, facilitada por Armando de Negri (México), do Fórum Social Mundial de Saúde e Seguridade Social, conselheiro político do Grito dos Excluídos, Martha Flores, Nicarágua, coordenadora da Jubileu Sul/Américas.
Dr. Armando diz que há esperanças de governos mais democráticos, mas há fortes limitações econômicas e um desmonte progressivo do espaço da política como um espaço de esperança. “Parlamentos e judiciários se juntam para impedir avanços democráticos, econômicos e sócio ambientais. Estamos assistindo um aumento da concentração da riqueza e da desigualdade”. Disse que o desenvolvimento deve ser decidido por cada povo tendo em vista a superação das desigualdades e o combate ao modelo neoliberal. “Temos que promover uma integração regional solidária, com justiça social, ambiental e com um Sistema Universal de Seguridade e Proteção Social”.
Por sua vez, Marta Flores disse que no pós-pandemia os ricos ficaram mais ricos, e os pobres mais pobres e em maior número. “Após a pandemia a dívida aumentou 150%. Cresce a criminalização dos excluídos, sendo as mais atingidas as mulheres, inclusive nos seus corpos. A dívida aprofunda os problemas sociais e ambientais e impede o acesso às condições de vida digna onde haja água, terra, moradia e educação de qualidade”. Ela afirmou que “outro mundo é possível com processos coletivos, democráticos e solidários. Não devemos, não pagamos e somos credores”.
Dando continuidade à pauta, representantes da Venezuela, Brasil, Paraguai, Equador fizeram um diagnóstico partilhado.
Elizabeth Santos, do Grito da Venezuela, disse que o bloqueio americano afeta todas as áreas do país: econômica, social, política, geopolítica, cultural, jurídica, segurança e defesa da nação, saúde integral e segurança alimentar:
“Esta é a verdadeira causa de nossa situação. Os agressores são as medidas coercitivas unilaterais impostas à Venezuela pelos Estados Unidos”. Apesar disso, há iniciativas em andamento: foram entregues 4 milhões de moradias populares e os despejos forçados estão suspensos desde 2011.
Luiz Bassegio, coordenador continental do Grito do Brasil, disse que as principais agressões aos direitos sociais e humanos no país são a fome de 33 milhões de brasileiros e 155 milhões mal alimentados.
“O Brasil voltou ao mapa da fome. São ainda os 12 milhões de desempregados, a mineração em terras indígenas, agrotóxicos, incentivo ao ódio e as armas, ameaças à democracia e falta de apoio à agricultura familiar entre outras. O principal agressor é a política do atual governo, o capital rentista o desmonte dos direitos sociais e da participação social. A PEC 95 que congela os gastos em investimentos sociais e, sobretudo as constantes ameaças a democracia, ao fechamento do Congresso e intervenção no judiciário”, criticou.
Como iniciativas frente a esse cenário, ele citou o processo da 6ª Semana Social Brasileira – Por Terra, Teto e Trabalho, da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), que dialoga com igrejas e movimentos um novo projeto popular para o Brasil: o bem viver dos povos. “O Grito dos Excluídos, os Comitês Populares em Defesa da Democracia, a luta heroica e formativa do MST, a luta contra a dívida e a sinergia de tantos movimentos sociais e pastorais em busca de um projeto comum”, completou Bassegio.
Marilina Marichal, do Grito do Paraguai, destacou como agressões aos direitos sociais e humanos o despejo de comunidades rurais, indígenas e sem teto; repressão às mulheres indígenas; perseguição e assassinatos de defensores dos direitos; desmatamentos, impactos do corredor bi oceânico (Brasil, Paraguai, Bolívia e Chile), política econômica definida pelos grandes grupos econômicos, entre outras. Mas também destacou que há fortes resistências com boas iniciativas: como o Movimentos de Defesa dos Direitos, mobilizações dos movimentos rurais e indígenas, lei que criou comissão de recuperação de terras adquiridas ilegalmente.
Na Bolívia, Glória Ajpi, do Grito dos Excluídos, disse que a articulação do Grito é um espaço de muito aprendizado.
“Graças a essa articulação conhecemos a realidade política de vários países e participamos de campanhas contra a ALCA, contra a militarização e o não pagamento da dívida externa. Isso, somado à nossa situação, nos permitiu entender como os interesses capitalistas intervêm em nossos países, por exemplo, com políticas midiáticas e de financiamento como a cultura de paz, que na cidade de El Alto teve o objetivo de desmobilizar um povo que levou a uma ruptura histórica. Este encontro do Grito dos Excluídos em parceria com o Jubileu Sul/Américas, na Universidade de El Alto, é emblemático porque aqui é preciso construir o próprio pensamento a partir de uma leitura crítica e teórica para este novo tempo e construir um mundo multipolar”, destacou.
Projeto cultural alternativo ao neoliberalismo
Pavél Égüez, artista plástico e coordenador do Grito do Equador, disse que, após a década de 2007-2017 – onde as políticas sociais foram implementadas em busca de maior equidade, com crescimento da economia, especialmente na educação, saúde e equidade – hoje o Equador está mergulhado na maior crise econômica e política.
É o país da região que ainda não pode superar os números causados pela pandemia. Os sistemas de saúde e educação pública estão deteriorados e com níveis alarmantes de insegurança, massacres em presídios com 400 presos mortos e com cerca de 3 milhões de pessoas com dificuldades de alimentação, segundo a FAO, Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura. Esses dados confirmam números abundantes para o pagamento da dívida externa com base em um duro programa de austeridade fiscal.
“Por uma cultura de paz contra todas as formas de violência construindo novas formas de educação popular”. A análise é de que somente com a integração regional é possível enfrentar a crise econômica pós-pandemia, razão pela qual é cada vez mais necessário Integração latino-americana. E de que o neoliberalismo deve ser enfrentado na disputa de significados pelo ativismo artístico na luta pela verdade, de que a arte não pode estar ausente das lutas sociais.
Por isso, o Grito dos Excluídos acompanhou os movimentos sociais da América Latina, como relata a memória do fórum, para “construir uma democracia onde o voto seja respeitado, sem manipulação da grande mídia, sem a influência do judiciário que persegue líderes progressistas, mas com um público informado. Lutamos por direitos nas ruas, mas na hora de votar, votamos nas elites econômicas que aprofundam a crise para os setores populares, não sabemos votar, a partir dos direitos que conquistamos e por isso voltamos a governos neoliberais.
A esquerda e o progressismo devem entender melhor o mundo atual após a pandemia e a revolução tecnológica, buscar novas formas de educação e comunicação política para esse novo mundo. A direita sabe muito bem o que as pessoas pensam, é especializada em ganhar eleições com base em avanços tecnológicos que estão a serviço de grandes corporações e universidades.
A disputa é cada vez mais sofisticada e desigual, mas a única arma efetiva que os povos têm é o voto, e isso deve ser defendido com maior democracia contra o neoliberalismo e o neofascismo como a grande ameaça política e cultural. Um projeto político é um projeto cultural alternativo ao neoliberalismo”.
*A participação do Jubileu Sul Brasil no fórum foi cofinanciada com recursos da União Europeia, no âmbito da ação “Fortalecimiento de la Red Jubileo Sur / Américas en el logro del desarrollo y de la soberanía de los pueblos latinoamericanos y caribeños”.