Lançado em Belém (PA), a 3ª edição do Relatório de Conflitos Socioambientais detalha violações sofridas por 450 comunidades entre 2022 e 2024.

Por Henrique Cavalheiro | CPP

O Conselho Pastoral dos Pescadores e Pescadoras (CPP) lançou, nesta terça-feira (1º), a terceira edição do Relatório de Conflitos Socioambientais e Violações de Direitos Humanos em Comunidades Tradicionais Pesqueiras no Brasil. O evento aconteceu na sede da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) Norte 2, em Belém (PA). O evento contou com transmissão ao vivo e reuniu pescadores e pescadoras artesanais de diversas regiões do país, além de pesquisadores, organizações parceiras e representantes da Igreja. Estiveram presentes Dom José Altevir, presidente do CPP e bispo da Prelazia de Tefé (AM), e Dom Paulo Andreolli, bispo auxiliar da Arquidiocese de Belém (PA).

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450 comunidades pesqueiras em 16 estados brasileiros, e mais de 32 mil famílias enfrentam situações de violações de direitos. -Fotos: João Paulo/ Pascom PS. Belém e Vitória Farias / ASCOM Movimento Providentino

O documento reúne dados coletados entre 2022 e 2024 e aponta um cenário de agravamento das ameaças aos povos das águas em todo o país. Foram sistematizadas informações de cerca de 450 comunidades pesqueiras em 16 estados brasileiros, revelando que mais de 32 mil famílias enfrentam situações de violações graves aos seus direitos.

Especulação imobiliária e negligência estatal estão entre os principais agravantes dos conflitos

Segundo o relatório, 71,4% dos casos estão relacionados à especulação imobiliária, que tem promovido a invasão e privatização de territórios tradicionais e ancestrais de comunidades pesqueiras. A negligência do Estado na garantia de direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais aparece como outro fator central para a intensificação dos conflitos. Empresas privadas, agentes privados e o próprio poder público (executivo municipal e estadual) são apontados como principais responsáveis pelo acirramento das dificuldades enfrentadas pela pesca artesanal no Brasil.

Entre os impactos ambientais, destaca-se a diminuição da quantidade de pescado (77,6%) e da diversidade de espécies (69,4%), além de desmatamento e destruição de habitats (75,5%). Já os impactos socioeconômicos mais graves apontados incluem a quebra dos laços comunitários (79,6%), muitas vezes agravada por falsas promessas de grandes empreendimentos, e a descaracterização da cultura tradicional pesqueira (71,4%), que compromete saberes, práticas e modos de vida historicamente construídos pelas comunidades.

Mudanças climáticas já impacta a maioria das comunidades pesqueiras

O relatório também evidencia a percepção generalizada das comunidades quanto aos efeitos das mudanças climáticas: 97,3% afirmam que a crise climática já impacta diretamente seus territórios. Os principais efeitos relatados são o aumento da temperatura (72,9%), alterações nas marés (58,3%) e nos ventos (54,2%), além de enchentes e erosões associadas à diminuição do pescado e à perda de biodiversidade.

O lançamento do relatório reuniu pescadores e pescadoras artesanais de diversas regiões do país, além de pesquisadores, organizações parceiras e representantes da Igreja. – Fotos: João Paulo/ Pascom PS. Belém e Vitória Farias / ASCOM Movimento Providentino

Consciência de que lutar não é em vão

O presidente do CPP, Dom José Altevir, destacou a relevância do lançamento da 3ª edição do Caderno de Conflitos Socioambientais para fortalecer a luta das comunidades pesqueiras. Segundo ele, o documento tem grande importância por permitir que as comunidades tenham mais consciência das ameaças que enfrentam e encontrem força para seguir na luta por transformações. “O caderno de conflitos socioambientais traz pra gente a consciência de que lutar não é em vão”, afirmou. O bispo ainda relacionou a publicação com o espírito do Ano Jubilar: “Neste ano da esperança, queremos com este caderno aumentar e fortalecer a esperança da comunidade pesqueira”, concluiu.

Que os pés firmes no chão se aproximem dos pés firmes nas águas

Para Francisco Nonato, secretário executivo do CPP, o relatório também cumpre um papel essencial de sensibilização da sociedade sobre quem são os povos das águas e qual o valor de seus modos de vida. Nonato também reforçou que os pescadores e pescadoras artesanais vêm se organizando para denunciar as violações em seus territórios, mas também para “anunciar outras perspectivas” de vida. Segundo ele, é necessário que a sociedade “com os pés firmes no chão” se aproxime de quem “tem os pés firmes nas águas”, numa troca de saberes que reconheça a pesca artesanal como patrimônio cultural e como parte da soberania alimentar nacional.

Relatório como instrumento de denúncia, resistência e reparação

A agente de pastoral Ornela Fortes, do CPP/Regional Nordeste II e responsável pela sistematização dos dados da terceira edição do relatório, destacou que o documento é fruto direto da presença cotidiana dos agentes nas comunidades. “O relatório é uma parte do trabalho dos agentes pastorais, que estão todos os dias com as comunidades tradicionais pesqueiras, lidando com as demandas — sejam os conflitos socioambientais ou outras questões que surgem no território. Ele é fundamental para documentar, registrar, mas também para denunciar as violações vivenciadas por essas comunidades”, afirmou.

Durante o lançamento, o procurador regional da República Felício Pontes assumiu o compromisso de dar continuidade às denúncias apresentadas no relatório. Em sua fala, destacou que o trabalho do CPP com a sistematização dos dados facilita a atuação do Ministério Público Federal. “Se essa é uma etapa que termina para o CPP com a edição do relatório, para nós é o início do trabalho. Espero que possamos fazer uma devolutiva rápida e eficaz diante de tantos conflitos sofridos pelas comunidades pesqueiras artesanais no Brasil”, afirmou Pontes.

Segundo Ornela, além de denúncia, o relatório também carrega uma dimensão de anúncio e resistência. “Existe vida, existe resistência, existem outras formas de viver os territórios tradicionais pesqueiros. O relatório traz essa potência também”, ressaltou. Ela celebrou ainda o fato de que o material já foi encaminhado ao MPF, especificamente à Sexta Câmara, por meio do procurador Felício Pontes. “É uma das perspectivas do relatório: que mais denúncias possam surgir, que o Estado tome ciência da realidade de violações e, sobretudo, que venham reparações às comunidades pesqueiras”, concluiu.

Ao final do evento, foram reafirmadas as denúncias contra propostas e empreendimentos que ameaçam diretamente os modos de vida das comunidades pesqueiras, como a PEC 03/2022 — que busca facilitar a privatização das praias —, os projetos de exploração de petróleo na Foz do Amazonas e em toda a Margem Equatorial, além da instalação de usinas eólicas no mar (offshore). Essas iniciativas, apontadas pelos participantes como formas de violação dos direitos territoriais, representam um grave ataque à soberania dos povos das águas e à sua permanência nos territórios tradicionalmente ocupados e protegidos por gerações.

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