“A moradia é uma forma de vincular o homem à sua família e ao campo, para que ele consiga, a partir da terra, produzir, sustentar-se e trabalhar”, afirma a arquiteta e urbanista Cláudia Fávaro
Por Juliana Possani Kirsch | Especial para Jubileu Sul brasil
Sabe-se que a moradia é uma questão transversal a todas as questões da vida do ser humano. Prevista no artigo 6° da Constituição Federal de 1988, o direito à moradia é um aspecto cotidiano fundamental para a garantia da dignidade de cada pessoa. Afinal de contas, é fundamental ter uma moradia fixa para conseguir trabalhar, para poder estudar e até para ter acesso ao lazer. Além disso, esse conceito também tem uma importância enorme na unidade familiar. A arquiteta e urbanista Cláudia Fávaro conta que aprendeu isso com o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST): “a moradia é uma forma de vincular o homem à sua família e ao campo, para que ele consiga, a partir da terra, produzir, sustentar-se e trabalhar”.
A história de vida de Cláudia é atravessada pela luta por moradia digna. Nascida em uma pequena cidade da serra gaúcha, Nova Petrópolis (RS), desde pequena, sentiu na pele o sufoco que é o pagamento mensal de aluguel e o rombo que esse custo pode causar na renda familiar, principalmente para as pessoas mais empobrecidas.
Terra, teto e trabalho
Os movimentos populares e ativistas que lutam por moradia e direitos fundamentais encontram inspiração nas palavras do papa Francisco, a partir do discurso do pontífice no primeiro encontro com movimentos populares, em 2014. O discurso trouxe pela primeira vez a menção aos “3 T´s” (terra, teto, trabalho). “Este nosso encontro responde a um anseio muito concreto, algo que qualquer pai, qualquer mãe, quer para os próprios filhos; um anseio que deveria estar ao alcance de todos, mas que hoje vemos com tristeza cada vez mais distante da maioria das pessoas: terra, teto e trabalho”, disse o papa.
Cláudia explica os “3 T´s” tratados neste texto: “a terra tem importância fundamental para prover o alimento necessário à subsistência da família; o teto acomoda a família e o trabalho desenvolve as atividades econômicas necessárias para o sustento da família. Por óbvio, os “3 T´s” são dependentes, não há um sem o outro. Não há trabalho sem teto, não há teto sem terra e não há terra sem trabalho”, afirma a arquiteta e urbanista.
A necessidade de trabalhar a terra conversa com o conceito de função social da propriedade, que é uma condição fundamental para a existência e caracterização da propriedade em si. Prevista na Carta Magna (art 5°, XXIII), diz o texto legal que a função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, aos requisitos de aproveitamento racional e adequado, a utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente, a observância das disposições que regulam as relações de trabalho e a exploração que favoreça o bem-estar dos/as proprietários/as e dos/as trabalhadores/as e a propriedade urbana quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor, mecanismo legal que visa orientar a ocupação do solo urbano de cada município.
Direito à cidade e dívida pública
“O problema é que esse tem sido um instrumento bastante ignorado pelos legisladores e pela doutrina do Direito em geral, a propriedade acaba sendo sobreposta por uma falta de debate sobre o tema. Isso gera, além de um descumprimento dos preceitos fundamentais, um descaso com a população mais vulnerável, visto que a função social da propriedade é um instituto que serve para corrigir um processo de desigualdade na distribuição de terras que assola o Brasil desde as capitanias hereditárias (1534 – século XVI)”, explica Cláudia. “Todo o processo de distribuição de terras no Brasil vem atravessado pela assimetria, o que dificulta a construção de um país e cidades mais equânimes. Com isso, a função social da propriedade é um instrumento fundamental que precisa sempre ser defendido”, conclui.
A Rede Jubileu sempre trabalhou com esses conceitos a partir de uma questão fundamental que é a dívida pública, sistema que existe desde o “descobrimento” do Brasil e vem se reinventando, amordaçando cada vez mais partes importantes do orçamento público. “O sistema da dívida impede que o país invista nas áreas sociais como moradia, educação, saúde, assistência às mulheres, etc. Esses são os verdadeiros interesses e necessidades da população brasileira”, destaca Cláudia Favaro.