Thiago Valentim*

Vivemos num país de conflitos. Mais ainda, o Brasil que temos nasceu sob o estigma da colonização européia, cuja base era a opressão dos povos e destruição da natureza. A partir de então, não soubemos mais o que é viver tranquilamente. Conflitos sempre estiveram à nossa espreita! No entanto, condenados geralmente são os pobres, criminalizados são os movimentos sociais e entidades de direitos humanos e a (in)Justiça brasileira está declaradamente a serviço dos que possuem poder e concentram riquezas.

Chegou a hora, no entanto de, mais uma vez, colocar o Estado no banco dos réus. Pastorais sociais, movimentos sociais e organizações populares do Ceará realizarão, de 26 a 28 de novembro de 2013, no Seminário da Prainha, em Fortaleza, o II Tribunal Popular do Estado do Ceará, intitulado: Conflitos Socioambientais e Violação de Direitos: Impactos dos Grandes Projetos Econômicos sobre Comunidades Tradicionais e Lutas em Defesa dos Direitos Territoriais no Estado do Ceará. Fruto de um processo iniciado há mais de 02 anos, o Tribunal Popular pretende julgar o Estado por estar a serviço do modelo capitalista excludente e opressor, propulsor de grandes projetos maquiados de um progresso inexistente e realizandomegaeventos, nos quais o que sobra para as populações é um passivo ambiental e social, carregado de danos muitas vezes irreversíveis.

Percorremos várias comunidades atingidas no Ceará, realizando sessões preparatórias, debates, ouvindo comunitários, coletando informações e construindo um projeto popular alternativo para estas regiões. Em muitas delas, já existem lutas históricas, com algumas conquistas, mas também ainda muitos desafios. Neste II Tribunal Popular, levaremos a julgamento os seguintes conflitos: 1) Agronegócio e Perímetros Irrigados no Baixo Jaguaribe; 2) Atingidos pela Construção da Barragem do Figueiredo; 3) Mineração de Urânio e Fosfato no Sertão Central. 4) Violação de Direitos Humanos da População de Rua, Crianças e Adolescentes, População Carcerária e Remoções na Região Metropolitana de Fortaleza; 5) Mega Eventos: Copa do Mundo da Fifa de 2014, a obra do Veículo Leve sobre Trilhos em Fortaleza; 6) Cinturão das Águas e Aterro Sanitário no Cariri; 7) Demarcação de Terras Indígenas e Violação de Direitos no Estado do Ceará; 8) Agrotóxicos e Povo Tapuya-Kariri na Ibiapaba; 9) Injustiças Ambientais em Territórios Tradicionais Pesqueiros: Eólicas, Carcinicultura e Especulação Imobiliária na Zona Costeira e 10) Promoção, Proteção e Defesa de Direitos da Juventude.

A partir do processo de mobilização, fomos reunindo provas documentais e registrando a situação das comunidades atingidas, que comprovam a veracidade das denúncias e a responsabilidade do Estado, de órgãos governamentais e de empresas públicas e privadas como causadores dos conflitos. Estas provas estão reunidas no Dossiê elaborado, o qual, ao final da sessão, será entregue ao governo do Estado.

O modelo de des-envolvimento imposto sobre as comunidades implica em impactos socioambientais, expropriação e apropriação dos territórios tradicionais (Indígenas, Quilombolas, Camponeses Tradicionais, Pescadores, Extrativistas, dentre outros) e a criminalização dos movimentos sociais e suas lideranças. As populações urbanas atingidas, por exemplo, pelos megaeventos (Copa e Olimpíadas), também têm seus direitos negados e são vulnerabilizadas por um projeto de cidade que privilegia os interesses de empresas privadas, sendo forçadas a deixarem suas áreas de habitação.

Denunciamos a falta de respeito do Estado, com seus governos e órgãos competentes, para com as populações atingidas. As decisões são tomadas em gabinetes e reuniões particulares, negando às populações o direito de participação nos processos decisórios sobre o destino de suas áreas. Este Estado patrimonialista, opressor, nega os direitos básicos da pessoa humana e submete as pessoas aos interesses das grandes corporações privadas, isentando-as de impostos, responsabilizando-se pelas obras de infraestrutura e injetando dinheiro público em tais empreendimentos, em detrimento da educação, saúde, saneamento, acesso à terra e à água, lazer, dentre outros.

O Tribunal Popular está inserido dentro do processo da 5ª Semana Social Brasileira, cujo tema e lema foram, respectivamente,“Participação no processo de democratização do Estado Brasileiro” e “Bem viver: caminho para uma nova sociedade com um novo Estado”. Não pretende ser apenas um momento simbólico de denúncia e mobilização. Antes, as pastorais sociais, movimentos sociais e entidades populares, juntamente com as comunidades atingidas, já se organizam e se planejam para a concretização de lutas pela garantia dos direitos e que os responsáveis paguem, segundo as leis nacionais e internacionais, por todos os conflitos gerados e danos causados ao modo de vida destas comunidades.

Queremos realizar um amplo controle social das políticas públicas do Estado e continuaremos lutando para a implementação do projeto popular que temos construído em todas as regiões do Ceará. Nossa rede de aliança está crescendo e esperamos que o Tribunal Popular nos fortaleça na luta pela democratização do Estado e a efetivação de nossos direitos.

Convocamos a todos e todas se unirem a este coletivo e a participar da grande marcha, no dia 28/11, a partir das 8:30hs, saindo do local do encontro, em que faremos a entrega do Dossiê e da sentença ao governo do Estado.“Essa luta é nossa, essa luta é do povo, é só lutando que constrói-se um Brasil novo!”.

 *(CPT/CE)

 
 
 

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