DECLARAÇÃO PARA A COP 25

CONTEXTO

A crise climática é consequência do modelo de produção capitalista, patriarcal, colonial e racista. Este modelo é a causa desta crise scioecológica e vai além das mudanças no clima.

Manifesta-se numa série de injustiças socioambientais e afeta diretamente a soberania dos povos (alimentar, energética, política, da saúde e financeira), das terras e territórios, dos direitos humanos e da natureza; como consequência são os milhões de desalojados sócioecológicos, o aprofundamento do neoextrativismo e da privatização dos ecossistemas.

Os impactos dos desastres climáticos violam a soberania e a segurança sobre os direitos à vida; isto se manifesta de forma diferenciada sobre os povos do Sul, bem como sobre a exploração das/dos trabalhadoras/es, das mulheres e da natureza, uma vez que a maioria dos Estados em âmbito mundial funcionam com base em uma lógica de funcionamento extrativista e patriarcal.

Neste sentido, os povos e países mais empobrecidos do mundo são os que contribuíram menos para as mudancas climáticas, mas são os primeiros e mais impactados por seus efeitos. Por outro lado, é a partir destes povos que surgem as alternativas em que já estão sendo trabalhadas, as quais demostram que é possível uma outra forma de relacionarmo-nos uns com os outros e com a natureza.

Neste processo também surge a necessidade de reconhecimento da Dívida Climática, que faz parte da Dívida Ecológica, e que tem uma origem, tanto no processo histórico e presente, da espoliação que cometem os países industrializados do Norte global, por exemplo, através da extração de hidrocarbonetos fósseis, bem como pela apropriação abusiva da capacidade da terra de absorver carbono; tudo isso adicionado aos projetos neocoloniais e racistas de compensação de emissões de CO2, eixos centrais da enganosa “economia verde”.

Estes povos e países têm o direito de exigir e receber reparações. Daí a necessidade de analisar os aspectos humanos e políticos da mudança climática numa perspectiva da justiça ambiental e da dívida ecológica que os países do Norte devem aos povos e países do Sul. Isto é o que se define como dívida ecológica devido à mudança climática.

A dívida ecológica se aprofunda com o “progresso”, por parte dos governos e empresas estatais ou transnacionais, públicas ou privadas, de megaprojetos que são financiados pela dívida pública, fomentada pelas Instituições Financeiras Internacionais (IFI) e bancos privados. Tudo isto tem gerado uma dívida climática que os países industrializados do Norte mantêm com o Sul global.

A esta realidade, se incrementa um processo monumental de superendividamento público dos governos dos nossos países do Sul para lidar com o fato de que os países do Norte não cumprem as suas obrigações diante da Mudança Climática. O endividamento que os povos do Sul sofrem historicamente e que já pagaram várias vezes, com o seu trabalho, riqueza e vidas.

Depois de 25 anos de COPs, vemos não somente que os desastres climáticos estão cada vez mais imprevisíveis, mais fortes e mais frequentes, mas que estas cúpulas continuam fomentando o lobismo das corporações transnacionais, das instituições financeiras internacionais e dentro delas, os governos cúmplices continuam fomentando falsas soluções para manter a hegemonia de um modelo de produção e consumo, bem como uma maquiagem ecológica de suas práticas neoextrativistas através da promoção de falsas soluções à mudança climática como o REDD+, soluções relacionadas com a geoengenharia, a energia nuclear, a abordagem paisagística, a chamada Agricultura Climaticamente Inteligente e agora a mineração inteligente do clima.

Estas falsas soluções, em vez de enfrentar a situação, pioram porque procuram ignorar o problema da extração e queima de combustíveis fósseis como o petróleo, gás e carvão, sem perspectiva de ações que garantam inverter a expansão da mineração, deter o crescimento da aviação, reduzir radicalmente a fabricação e o transporte de mercadorias, extinção da pecuária predatória e da agricultura industrial, proteger as florestas das monoculturas, da indústria florestal, decretar uma moratória sobre a megainfraestrutura, a mudança das matrizes energéticas e reduzir a concentração e o extrativismo urbano selvagem, entre outros.

Diante disso, a agroecologia e a proteção das sementes, com milhões de camponesas e camponeses no mundo; a resistência aos projetos petrolíferos, de mineração, hidrelétricos e similares; a defesa das florestas; campanhas para enfrentar o endividamento ilegítimo e desmantelar o poder corporativo; a defesa da água; e muitos outros caminhos, são ações reais e concretas que os povos já estão realizando. Assim como todas as alternativas de economia solidária, de autodeterminação dos povos, de autonomia que mantêm muitas comunidades em todo o Sul Global que se somam ao trabalho que algumas organizações estão fazendo em âmbito global.

Em âmbito internacional, apoiamos a posição sobre a centralidade do princípio das responsabilidades em comum, mas diferenciadas. Princípio que se rompeu com o Acordo de Paris, o mesmo que denunciamos por ser outra armadilha para fugir das soluções reais. Com este acordo também estão ligados os projetos de REDD+.

CHAMADO

Jubileu Sul/Américas convida as organizações sociais, os povos para construir juntos um caminho à justiça climática que inclui:

– A reparação da dívida climática;

– A não impunidade das corporações e dos Estados para a sua responsabilidade pelos desastres climáticos;

– Que os projetos neocoloniais e racistas de compensação de carbono e biodiversidade sejam interrompidos;

– Que os governos dos nossos países tomem medidas comuns, mas diferenciadas para evitar que a atmosfera continue a ser poluída com gases de efeito estufa;

– Que se reconheça e recompense o esforço dos povos, que em suas terras e territórios, dão exemplos concretos de como enfrentar mudança climática;

– Que todos os povos e coletivos exerçam o direito de determinar seu próprio futuro, de ter acesso à informação de qualidade, de participar e expressar sua resistência aos projetos, programas, políticas e processos que violam seus direitos à vida e aos direitos coletivos e ambientais, e que sua opinião seja respeitada;

– Que se apliquem programas de ajuste estrutural aos países do norte para pagar a dívida ecológica com os países do sul, sem detrimento dos direitos sociais dos povos do norte;

– Que se reconheça que a justiça climática não é somente com os povos do Sul, e sim com todos os seres não humanos com quem compartilhamos o planeta;

– Fomentar e apoiar os projetos / modelos de adaptação que venham das próprias comunidades e não aqueles que promovem desde acima com falsas soluções para continuar fazendo da crise climática um negócio;

– Considerar novos projetos da sociedade pós-capitalista, caminhos para as sociedades não-extrativistas e livres de dívidas;

– Exigimos a anulação total e incondicional de dívidas ilegítimas, uma vez que não só oprimem os povos, mas servem como justificativa aos Estados do Sul para acelerar a entrega e a extração de bens naturais como hidrocarbonetos fósseis e minerais, e para ampliar os grandes cultivos de exportação, entre outras condições;

A mudança climática envolve todo o planeta, mas há uma necessidade urgente de uma transformação radical do atual modelo de civilização e não uma radicalização de estratégias de mercado e da geopolítica do comércio ecologicamente desigual.

Entendemos que as soluções só virão se alcançamos justiça dos e para os territórios, as verdadeiras soluções estão nas mãos do povos e com base na ação organizada que devemos exigir de todos os governos o cumprimento das mesmas.

Santiago do Chile, Madrid

Dezembro 2019

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