“Ouvem-se gemidos e pranto em Ramá: é Raquel que chora seus filhos, e não quer ser consolada porque não existem mais” (Jr 31, 15). “Furioso, o rei Herodes mandou matar todos os meninos de Belém e de todo o território ao redor, de dois anos para baixo” (Mt 2,16).
Por Pe. Alfredo J. Gonçalves, cs, de Roma
Repete-se a fúria histórica e insana dos tiranos. Repete-se a indignação impotente dos súditos. Desta vez, porém, não se trata de tempos de guerra generalizada, e sim de paz. Como se o próprio progresso, desenvolvido pela tecnologia de ponta, tornasse mais empedernido o coração dos poderosos. De um lado, os pais com o coração sangrando, privados de seus filhos menores e obrigados a retornarem ao país de origem; de outro, o choro e o lamento das crianças, deixadas sós, enjauladas, e abandonadas a estranhos. Reduz-se a escombros uma esperança costurada duramente, lentamente e longamente – por toda a família.
Estamos na fronteira entre México e Estados Unidos, marcada pelo entrecruzar-se de sonhos e pesadelos. Prevalece a política da tolerância zero do governo Donald Trump contra os imigrantes sem a documentação em regra. No processo de triagem e de expatriação dos migrantes, famílias são separadas com implacável frieza e prepotência pelas autoridades da maior economia do mundo. Priva-se a criança da própria família: o melhor antídoto contra a enfermidae mental e emocional, bem como contra os descaminhos da vida.
Desnecessário lembrar que política migratória dos Estados Unidos consiste numa extrema violação dos direitos humanos. Bem mais que isso: impede-se à criança o direito sagrado de conviver no interior da família na qual veio ao mundo, o que equivale a privar uma flor de crescer e desenvolver-se no próprio jardim.
As imagens são chocantes, parecem surreais, inverdadeiras, elaboradas para um exótico filme de ficção. Ficamos nos perguntando: serão resíduos macábros provindos das cinzas dos campos de concentração nazistas? Como se os menores emergissem e se levantassem do sono da morte para denunciar todo e qualquer tipo de tirania em nome da raça, do povo, da nação, da religião ou da ideologia! Tudo isso no berço mesmo onde surgiram os ideais da democracia, promovido pelos porta vozes do regime com pretensões de modernidade.
Não bastassem as guerras-frias com suas sombras e ameaças! No plural, porque à guerra-fria político-ideológica dos anos 1945-70, segue-se a guerra-fria comercial de nossos dias. De passagem, qual das duas será mais letal em termos de vítimas humanas?! Combinados, o conflito comercial e o endurecimento da legislação migratória falam alto e grosso em nome de um nacionalismo que parecia morto e sepultado em plena era da economia mundial. Mas o fantasma do medo não da trégua: levanta-se com a força dos fracos, que é a vingança e a violência. Da mesma maneira que o rei Herodes, vê-se ameaçado e assustado por qualquer concorrente que cruze seu caminho de poder a arrogância. É urgente extirpá-lo pela raiz!
Os tiranos, porém, costumam ter telhado de vidro e pés de barro. A história se encarrega de reduzí-los a pedaços e a cinzas. O mais grave é que quando um império tomba sob a própria prepotência, sepulta consigo uma série de satélites que lhes são submetidos. As ruínas de um império varrem todo o território subordinado.