Embate frente às obras do VLT e impacto das remoções forçadas pautaram as discussões no seminário “O legado da Copa: 10 anos de violações, lutas e resistências”

Mesa de debates do seminário, realizado na Assembleia Legislativa do Ceará. Fotos: Amanda Maria

Por Redação – Jubileu Sul Brasil, com informações de Ada Ponte e Marcela Monteiro

O Seminário “O legado da Copa: 10 anos de violações, lutas e resistências” reuniu cerca de 70 participantes no último 20 de julho, na Assembleia Legislativa do Ceará (Alece), em Fortaleza.

O evento tem como objetivos discutir os impactos causados pela realização do megaevento na capital cearense, na perspectiva de reparações, tendo as pessoas impactadas e ameaçadas de remoção como protagonistas; celebrar os 10 anos de resistência das comunidades atingidas e que lutam por moradia digna até hoje; acumular informações e reflexões para incidência diante de novos megaeventos.

Participaram representantes de comunidades atingidas, além de comunidades apoiadoras, assessorias jurídicas e técnicas, movimentos sociais, parlamentares, estudantes, ministérios públicos Estadual do Ceará e Federal, Defensoria pública, universidades, entre outros.

A abertura do seminário foi marcada por uma homenagem às pessoas que foram impactadas com as obras do VLT em diferentes comunidades e que já faleceram.

A primeira mesa de debate, com o tema “Copa da resistência: a luta pelo direito à moradia” teve como palestrantes Lucia Pereira, Terezinha Fernandes e Jaqueline Silva, mulheres impactadas e removidas de suas comunidades, ou que acompanharam o processo durante as obras. Elas partilharam relatos da angústia inicial, quando começaram a receber visitas de equipes do governo para “examinar” suas comunidades e fazer medições.

“Eu não estudei o VLT. Eu vivi, eu sofri o VLT”, disse Terezinha, do coletivo Resistência VLT, que morava há 40 anos na mesma casa e precisou sair por conta das obras do VLT. Ela disse que, muito tempo antes do início das obras, ouvia rumores sobre a possibilidade das remoções, e falou sobre a diferença entre morar de aluguel e morar na casa própria.

Terezinha também agradeceu aos estudantes e defensores dos direitos humanos, que à época da remoção prestaram apoio e formação política para a comunidade que, até então, não tinha dimensão de seus direitos e sobre o fato de que a partir dali se iniciaria uma jornada de luta. “É lamentável que não tenha nenhum representante do Estado para ouvir nosso relato”, criticou.

“Eu não luto pela minha comunidade. Eu luto por todas as comunidades”, disse Lucia Pereira, afirmação que retrata os debates da 1º mesa, que teve relatos, desabafos e a partilha de memórias dolorosas, mas também bem a importância de uma conquista coletiva, que foi a luta por direito à moradia digna. Ao final, ela convocou a todos a se unir, sobretudo as comunidades e os movimentos sociais, “por uma luta maior e mais forte”.

Jaqueline falou sobre a luta da comunidade quanto à tentativa de redução de danos e de mediação junto ao governo para que as pessoas pudessem receber reparação de forma justa. “O VLT trouxe mais problemas do que soluções”, pontuou.

Nas intervenções do público, Wayne Tiago, do Movimento de Conselhos Populares (MPC), organização membro do Jubileu Sul Brasil, ressaltou a dor e o sofrimento vivido pelas pessoas afetadas e coagidas a mudar para locais que não estavam dentro do acordo dialogado. Ressaltou ainda a relevância do legado do ponto de vista de conquistas e aprendizados do processo de luta. 

Na sequência, foi exibido o vídeo Copa 2014: Quem ganha com esse jogo?. Assista:

Muros na vida comunitária

No período da tarde, as discussões seguiram com diálogo sobre pesquisas, sobre a incidência política das moradoras impactadas e estratégias para o futuro da luta popular. O debate contou com a presença da vereadora Adriana Gerônimo, Ercília Maia e Cássia Sales, com coordenação de Laíssa Limeira.

Ercília falou sobre a história de sua família e a conexão com as obras do VLT e da Copa do Mundo na cidade. Ela fez um resgate histórico dos impactos territoriais – casas rachadas, demolição da creche Presidente Médici, construção dos muros de contenção que afetaram a vida comunitária – e ainda sobre as estratégias utilizadas pelo governo e empresa que estava prestando o serviço, e os movimentos de resistência construídos na época.

Cássia Sales disse que a obra para implantação do VLT foi um pretexto para a remoção das comunidades, e que as famílias vivenciaram o período de marcações das casas e cadastros, que vinham sem avisos. Ao final, pontuou a importância de trazer pessoas para fortalecer a luta, em um projeto que envolveu uma série de remoções.

Da Mandata Nossa Cara (PSOL-CE), Adriana Gerônimo classificou como “desastre” o projeto do VLT, tanto na execução quanto na gestão, uma vez que o que já foi pago com aluguel social para as famílias removidas daria para ter construído moradias para os desalojados. Ela recordou a situação vivida por moradores do Lagamar, que souberam na televisão sobre o processo de obras e remoções, e a solidariedade construída nas comunidades afetadas pelo VLT.

A parlamentar recordou ainda a formação da Frente de Luta por Moradia Digna (FLMD), iniciativa que surgiu a partir da série de violações sofridas, unindo parte da população e moradores atingidos. Para a vereadora, houve um legado de destruição, mas também de união entre as pessoas.

O seminário foi concluído com uma mística de encerramento que ressaltou a luta e a resistência das comunidades impactadas e os 10 anos da Frente de Luta Por Moradia Digna.

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