Para debater as causas do cenário enfrentado no estado gaúcho, conversamos com a arquiteta e urbanista Cláudia Favaro, da Rede Emancipa, e com a deputada estadual de Porto Alegre, Luciana Genro (PSOL).

Imagens aéreas de Porto Alegre e Região Metropolitana em 14/05/24. Mauricio Tonetto/Fotos Públicas.

Por Maragraeta García Espinoza e Flaviana Serafim – Jubileu Sul/Américas e Jubileu Sul/Brasil

Com uma área territorial de 281.730.223 km2, os 497 municípios do Rio Grande do Sul têm uma população diversificada de mais de 11 milhões de habitantes. A região é propensa a eventos climáticos, em parte devido à geomorfologia e localização geográfica, uma vez que grande parte de sua topografia é plana ou levemente ondulada. Isso dificulta o escoamento natural das águas durante as chuvas intensas, acumulando água e aumentando o risco de inundações. Além disso, o estado possui vários rios importantes, como o Jacuí e o Guaíba, entre outros, que podem transbordar em períodos de chuvas intensas.

Porém, o principal fator que vem contribuindo para o aumento da vulnerabilidade socioecológica está relacionado ao desmatamento e à expansão urbana, ambos elementos alteraram os padrões naturais de drenagem e aumentaram a impermeabilização do solo. Isto significa que há mais superfícies pavimentadas e menos vegetação para absorver as chuvas e permitir que a água flua mais rapidamente para os rios, aumentando o risco de inundações.

Nas últimas semanas, as cidades e territórios do estado enfrentaram uma situação crítica devido às enchentes que atingiram a região, causadas pelas chuvas e pelo transbordamento dos rios localizados no sul do país, levando a um nível de devastação sem precedentes, que até o fechamento deste texto custou a vida a mais de 149 pessoas, além de 806 feridos, mais de 538 mil desabrigados e de 2,1 milhões afetados, segundo o balanço da Defesa Civil rio grandense neste 15 de maio.

Para debater as causas do cenário enfrentado, conversamos com a arquiteta e urbanista Cláudia Favaro. Ela integra a Rede Emancipa, entidade membro do Jubileu Sul Brasil (JSB), e é moradora do Bairro Sarandi, um dos afetados pelas enchentes na capital gaúcha. Também entrevistamos a deputada estadual Luciana Genro (PSOL-RS).

Causas estruturais

Claudia Favaro, da Rede Emancipa. Acervo pessoal

Claudia afirma que a situação gaúcha é resultado de uma política ambiental “completamente equivocada, que tem desmatado nossas florestas para produção de gado, de eucalipto, da soja, que tem muito fundo nessa forma de organização do agronegócio no Rio Grande do Sul.  Impacta nas encostas dos rios, que já não seguram mais a erosão, por isso no interior do estado há muitos deslizamentos de terra”.

Ela explica que não é diferente em Porto Alegre e outros centros urbanos “impermeáveis devido a um desenvolvimento que prioriza grandes empresas e grandes construtoras. Isso tem feito com que não se consiga ter um desenvolvimento econômico e social da cidade que seja igualitário para todos”.

A arquiteta denuncia que, embora a Prefeitura da capital tenha realizado diversas obras no 4º Distrito e no Centro Histórico de Porto Alegre, a realidade das regiões periféricas e de abandono e ausência de sistema contra inundações. No último período, por três vezes já foi preciso fechar as comportas do sistema de contenção de cheias do Muro da Mauá, paredão contra enchentes, situado entre o Cais Mauá e a Avenida Mauá, no centro histórico. Mesmo assim, não foi feita manutenção nem do muro, nem dos diques. 

A deputada Luciana Genro na Casa da Mirabal, abrigo exclusivo para mulheres.

“Não foi suficiente para que os governos entendessem a necessidade de fazer a manutenção do sistema contra as cheias. Tanto no nível municipal quanto no estadual, não houve nenhuma destinação de recurso para a proteção contra as cheias e para as questões ambientais que são as causadoras dos problemas que estamos vivendo hoje”, destaca.

Para a deputada estadual Luciana Genro, os impactos das inundações não são apenas efeito da natureza:

“Porto Alegre e o Rio Grande do Sul estão sendo vítimas de uma calamidade que não é mero acaso da natureza, mas uma emergência climática causada pela intervenção cada vez mais predatória da produção capitalista em relação aos recursos naturais do planeta. É uma combinação entre a emergência climática que assola o mundo – causada e agravada pela devastação ambiental inerente à lógica desse modo de produção – e a ausência de prioridade dos governos quanto ao investimento em prevenção e combate destes fenômenos”, avalia.

Acesse também:
Enchentes no RS: é preciso sim buscar os culpados pela tragédia
Enchentes já afetaram mais de 80 comunidades indígenas no RS; saiba como ajudar
Cheias no Rio Grande do Sul: previsão de elevação do nível d’água, mapeamento de áreas afetadas pelas inundações e outras informações
Grupo para procurar pessoas nos abrigos do RS

Populações afetadas

Claudia afirma que as comunidades ribeirinhas são as mais afetadas porque estão nas cidades próximas aos grandes rios e córregos. Como o estado gaúcho tem um sistema hídrico que converge para um único ponto, os impactos se espalham começando pelo Rio Taquari, passando pelo Jacuí e Rio dos Sino até o deságue no Rio Guaíba e na Lagoa dos Patos. 

“Obviamente que quem paga mais a conta são as pessoas mais pobres, as que menos têm condições de sair, de ter um abrigo, de ter a casa de um amigo para onde possa ir e ficar abrigado com tranquilidade. Hoje temos mais de 80% da população do Rio Grande do Sul afetada e, além disso, muitas pessoas sem água, sem comida, sem abrigo. Há um impacto muito grande também nas populações indígenas e quilombolas”, diz a arquiteta.

A capital Porto Alegre e Região Metropolitana em 14/05/24. Mauricio Tonetto/Fotos Públicas.

“Como em qualquer crise, as populações mais afetadas são aquelas mais vulneráveis: as pessoas de baixa renda, que vivem em comunidades mais empobrecidas ou em locais de risco, como na beira dos rios. Essas pessoas perdem tudo o que batalharam uma vida inteira para conquistar em um piscar de olhos, com o avanço das águas. O fato novo, neste caso, contudo, é que estamos falando de uma tragédia praticamente generalizada. Todas as regiões do estado foram afetadas”, observa Luciana Genro.

“São mais de 400 escolas públicas afetadas, cidades inteiras inundadas, praticamente riscadas do mapa, como Eldorado do Sul. O esforço de reconstrução é algo sem precedentes, e vai exigir não apenas coordenação entre os governos municipais, estadual e federal, como também medidas que sejam capazes de ultrapassar a lógica neoliberal da política econômica em voga no país – que privilegia corte de gastos, limite de investimentos e contenção orçamentária”, aponta a parlamentar.

As falsas soluções para a crise climática

Claudia Favaro destaca que a situação está completamente ligada ao processo de financeirização da natureza, como o desmatamento, a venda de créditos de carbono e a expansão das plantações de eucalipto no Estado do Rio Grande do Sul, que há 20 anos vem sugando as águas e a devastação de inúmeros hectares de mata ciliar e de mata nativa. Ela também chama atenção para os impactos da produção de gado e soja, que vêm prejudicando a produção de alimentos em geral devido à apropriação de terras e riquezas naturais pelos capitalistas e grandes proprietários.

“A população em geral não tem essa consciência, ainda imaginam que grandes empresários, grandes concentrações de terra e de recursos, são os que geram emprego e desenvolvimento, mas sabemos que não é assim. São os trabalhadores e as trabalhadoras que fazem e constroem esse estado diariamente. É um trabalho árduo que tem que ser feito, de conscientização para que as pessoas entendam o ciclo da natureza. Para que entendam como fazer para poder propor soluções reais, e não as soluções falsas e mentirosas que estão sendo apresentadas”, completa.

Sobrevoo sobre as cidades de Pelotas e São Lourenço do Sul mostrando a situação das enchentes. Gustavo Vara/Fotos Públicas.

Para a deputada, as causas estruturais deste crime socioecológico também estão relacionadas com o modo de produção capitalista, “que não conhece limites na exploração da natureza para a reprodução cada vez mais acelerada de capital. O capitalismo está matando o planeta e há muito tempo. Mas agora estamos sentindo, cada vez com mais força, os efeitos desta lógica. Não existe solução para a crise climática nos marcos do capitalismo. Todas as alternativas na direção de um suposto ‘capitalismo verde’ são parciais, ilusórias e mantêm a lógica do sistema”, ressalta Luciana.

Solidariedade internacional

As Redes Jubileu Sul/Américas (JS/A) e Jubileu Sul Brasil se unem ao apelo à solidariedade e aos laços de fraternidade entre os povos, porque os povos de toda a América Latina e de todos os continentes do mundo estão sofrendo com a crise do clima. “O que está acontecendo no Rio Grande do Sul deve nos mover, como pessoas e comunidades, a reforçar e expandir as lutas anticapitalistas e ecossocialistas, para combater o negócio climático, que se expressa nas forças de extrema direita”, pontua a Rede JS/A no boletim em espanhol (disponível no final do texto) sobre a situação enfrentada no estado gaúcho.

Todas as doações são bem-vindas e existem várias maneiras de ajudar. Em Porto Alegre, o apoio é à campanha solidária do Emancipa Mulher (que integra a Rede Emancipa de cursinhos populares, entidade membro do Jubileu Sul Brasil), ajudando com doações para diversas comunidades afetadas.

Para contribuir:
Faça sua doação pelo Pix: emancipamulher@gmail.com.
Ponto de arrecadação de doações do Emancipa Mulher: R. Afonso Paulo Feijo nº 45 no bairro Sarandi, zona norte da capital gaúcha.

Para doações internacionais, o apoio é para a organização Mães e Pais pela Democracia:
Banco do Brasil
Agência 3252-2 – Conta: 600-9
Código Swift: BRASBRRJCTA

Deixe um comentário