Reunidas na cidade de São Paulo, Brasil, nos dias 26, 27, 28 e 29 de outubro de 2023, as organizações que compõem a Rede Jubileu Sul/Américas celebraram a VI Assembleia Regional, um momento transcendental que faz parte da celebração dos 24 anos desde a fundação da Rede.

Neste acúmulo, destacamos que o nosso objetivo central continua a ser o combate aos mecanismos que sustentam e recriam as DÍVIDAS nas suas múltiplas manifestações, e a sua ligação com o capitalismo financeiro, extrativista e patriarcal, predador de povos, culturas, territórios e natureza.

Reconhecemos que a diversidade da composição da Rede constitui a força das nossas ações conjuntas, e que está se baseia no fato de nos reconhecermos, povos e  natureza, como os verdadeiros CREDORES das dívidas sociais, ecológicas, culturais e econômicas.

O contexto atual da nossa região leva-nos a reforçar a solidariedade e as ações conjuntas, como mecanismo para alimentar as lutas, em toda a nossa América, a Abya Yala. A partir daí expressamos o nosso apoio aos vários processos de resistência que enfrentamos como pessoas.

Denunciamos o genocídio contra o povo palestino. A ofensiva mortal lançada pelo Estado de Israel é inaceitável. É necessário reforçar que esta ofensiva se mantém há décadas, e face ao silêncio cúmplice das instituições globais, e da maioria dos governos, o povo palestino tem lutado pela sua autonomia e autodeterminação. Nunca lhes foi garantido o direito soberano ao seu território. Exigimos um cessar-fogo agora!

Denunciamos o papel que o Conselho de Segurança da ONU tem mantido, em relação à imposição de ocupações militares no Haiti. Recentemente, em 2 de outubro deste ano, foi autorizado o envio de uma nova “Missão Multinacional de Apoio à Segurança no Haiti”. Esta decisão é apoiada pelos interesses corporativos de países como os Estados Unidos e os seus aliados, que, juntamente com as instituições financeiras que controlam, como o Fundo Monetário Internacional – FMI, foram diretamente responsáveis ​​pela criação das crises sociopolíticas que esta nação irmã tem vivido nas últimas décadas até hoje, sendo esta crise um dos principais argumentos utilizados para justificar a nova invasão militar. Rejeitamos esta nova intervenção estrangeira contra os direitos à soberania e à autodeterminação do povo haitiano e apelamos aos governos dos nossos países – muitos dos quais participaram com tropas militares e policiais em missões anteriores – que não apenas se abstenham de apoiar esta nova missão, mas também tomar medidas concretas para garantir a indenização das famílias afetadas e a reparação integral dos crimes cometidos.

Rejeitamos veementemente o bloqueio financeiro, econômico e comercial que os Estados Unidos impõem a Cuba há mais de 60 anos. Este bloqueio criminoso constitui uma violação flagrante dos direitos humanos individuais e coletivos e constitui um crime contra a humanidade.

Apoiamos o povo de Porto Rico, que mantém uma luta permanente pela sua independência e liberdade, face ao jugo colonial imposto pelos Estados Unidos, uma luta que se baseia no direito à liberdade e à autodeterminação como povo soberano e digno.

Nos solidarizamos com o povo Avá-Guarani Paranaense, vítimas da desapropriação de suas terras, águas e florestas que lhes pertencem, pela Itaipu Binacional, uma usina hidrelétrica compartilhada pelo Paraguai e pelo Brasil, que, em violação à Convenção nº 107/1957 da Organização Internacional do Trabalho – OIT, negam aos indígenas o direito de habitar seu próprio território. 50 anos após a assinatura do Tratado de Itaipu, e antes da revisão do Anexo C, que exige levar em conta “o grau de amortização das dívidas contraídas pela Itaipu para a construção do aproveitamento”, esta dívida social e ecológica deve ser compensada, conforme solicitado pela Avá-Guarani Paranaense, concedendo-lhes de forma definitiva e segura as terras ancestrais das quais foram despossuídos, e a Itaipu Binacional também ajudando-os a reconstituir o ecossistema nativo, em benefício de todos os povos.

Unimo-nos à luta do povo argentino, que permanece com força na luta contra a dívida ilegítima e impagável e a fraude dos acordos com o Fundo Monetário Internacional. Endossamos a sua exigência de anulação, não pagamento e reparação destes verdadeiros crimes contra a humanidade e contra a natureza, devido aos seus impactos de empobrecimento, expansão extrativista, perda de soberania e crise econômica, cultural e política que se aprofunda ao ritmo dos pagamentos indevidos. 80 anos após a criação do FMI e do Banco Mundial, exigimos o seu encerramento, a punição dos seus crimes e a reparação integral dos danos causados ​​às pessoas e à natureza.

Temos feito esforços para denunciar que os tratados bilaterais e multilaterais de protecção do comércio e do investimento privilegiam o capital em detrimento dos direitos dos indivíduos, dos povos e de toda a natureza, e impedem os Estados de implementar políticas públicas soberanas, o que nos leva a rejeitar a tentativa de assinar o Acordo Mercosul-União Europeia, um processo que levou 20 anos de negociações e que foi realizado sem transparência e sem a participação da sociedade civil.

Este acordo prejudica e restringe o financiamento de políticas públicas essenciais à proteção dos direitos humanos e da natureza, facilita a implementação de políticas favoráveis ​​ao investimento privado nacional e internacional, afetando as condições de sobrevivência da população, uma vez que concentra lucros em pequenos setores, mas as perdas econômicas recairão sobre os setores mais vulneráveis.

Neste momento em que o Brasil, como Presidência Pro tempore do Mercosul, formula uma resposta à carta adicional da União Europeia, com uma possível contraproposta do bloco sul-americano, unimos nossa voz a todos os movimentos sociais, redes e organizações da sociedade civil do Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai que manifestaram a sua oposição ao Acordo UE-Mercosul.

Somos solidários com as lutas do povo peruano contra a ditadura e por uma nova Constituição Política, que coloque a vida no centro de todas as prioridades. Unimo-nos ao apelo por justiça pelos mais de setenta assassinatos cometidos pela ditadura e exigimos o fim da militarização e criminalização do protesto.

Somos solidários com o povo guatemalteco, que se levanta aguerrido e corajosamente para defender a sua soberania e exige que a posição assumida pelo presidente eleito Bernardo Arévalo de León seja efetivada. Unimo-nos ao repúdio às manobras impostas pelo Ministério Público, presidido pela Procuradora-Geral Consuelo Porras, que, representando os interesses empresariais, tenta invalidar a vontade da maioria do povo, que, legítima e democraticamente, elegeu o Sr. presidente para o período 2024-2028.

Rejeitamos a criminalização e a perseguição contra o povo Garífuna de Honduras e unimo-nos à sua justa luta para defender os seus territórios contra diversas formas de pilhagem e exploração. Somamos nossas vozes para exigir que os quatro líderes garífunas, sequestrados em 18 de julho de 2020, na comunidade Triunfo de la Cruz, departamento de Atlântida, apareçam com vida.

Nos solidarizamos com o povo panamenho que está mobilizado em nível nacional e que rejeitou veementemente a Lei dos Contratos Mineiros 406, aprovada pelo Poder Executivo, que constitui um novo enclave colonial. Denunciamos a imensa repressão policial orquestrada pelo governo presidido por Laurentino Cortizo contra os manifestantes, que exigem a revogação deste contrato. Apoiamos o seu direito de protestar e unimo-nos às suas reivindicações para exigir que o direito das pessoas e da natureza de viverem livres da exploração mineira seja respeitado.

Comemoramos o triunfo no Equador da Consulta Nacional Cidadã pelo SIM A YASUNÍ para deixar subterrâneo o petróleo bruto no Bloco ITT, do Parque Nacional Yasuní, na Amazônia. Da mesma forma, a vitória da Consulta Regional Cidadã pelo SIM ao CHOCÓ ANDINO para proibir a exploração da mineração de metais no Distrito Metropolitano de Quito. Ganhou o SIM à VIDA, à diversidade natural e cultural e à autonomia dos povos. Derrota à economia extrativista.

Estes resultados questionam o mecanismo da dívida externa, ilegítima e especulativa, meio de controle e pilhagem, que pressiona a expansão do extrativismo, provocando uma imensa dívida social e ecológica. Dívida que gerou empobrecimento, desmatamento e perda de biodiversidade, poluição da natureza e desastres climáticos.

Jubileu Sul/Américas está monitorando o cumprimento da vontade popular por parte do governo equatoriano. A decisão do povo equatoriano, expressa nas urnas, é um exemplo para o mundo de como enfrentar crises sistêmicas profundas.

Nos próximos dois anos, a nossa região acolherá três grandes cúpulas de presidentes. Em novembro de 2024, o G20. Em 2025, a Cúpula dos BRICS e a COP-30. Tudo isso, no Brasil. A agenda oficial abre possibilidades para um grande debate e uma reflexão profunda sobre o modelo de “desenvolvimento” e suas instituições. Será capaz de cumprir os direitos das pessoas e da natureza ou permanecerá sujeito ao poder cada vez mais concentrado do mercado e das grandes corporações? Este mesmo modelo impõe aos Estados nacionais uma arquitetura financeira que continua a privilegiar os rentistas, o modelo especulativo e endividado, e, consequentemente, reforça a supressão dos direitos humanos e naturais fundamentais.

Como parte de nossa estratégia, temos participado em fóruns e cúpulas organizadas pelos nossos pares, para denunciar o impacto das decisões e intenções do G20 e de outros fóruns multilaterais que reúnem as principais economias e atores econômicos e financeiros. Nestes espaços temos reforçado a necessidade de ter em conta os principais desafios e adversidades geopolíticas, socioeconômicas, ecológicas e climáticas que as populações dos países do Sul global enfrentam, onde o sistema de dívidas ilegítimas e perpétuas e as lacunas de desigualdade se aprofundam cada vez mais. Da mesma forma, temos buscado contribuir para a construção de alianças populares na luta pela conquista de alternativas de soberania e de bem viver coletivo.

Consequentemente, a partir do Jubileu Sul/Américas assumiremos uma participação ativa na organização e mobilização popular face a estes acontecimentos e aos seus processos, e apelamos a todas as expressões populares das nossas sociedades para que se juntem. Tendo ainda em mente o 80º aniversário do Banco Mundial e do FMI em 2024, apelamos a que nos concentremos com especial ênfase na necessidade de sanção e reparação abrangente dos crimes cometidos por estas instituições financeiras com as suas políticas e empréstimos, juntamente com a urgência do seu encerramento, e a construção de uma nova arquitetura e instituições financeiras, baseadas na democracia, na solidariedade, na equidade e na justiça social, ecológica e econômica.

Comprometemo-nos a fortalecer as lutas, as esperanças, os laços de fraternidade que nos unem contra o sistema de opressão e a lutar contra a dominação exercida pelo sistema da Dívida em todas as suas múltiplas dimensões. Diante do aprofundamento das dívidas históricas, sociais, ecológico-climáticas, patriarcais e democráticas, continuaremos fortalecendo a nossa ação conjunta em busca da justiça e das reparações para as pessoas e a natureza.

São Paulo, 29 de outubro de 2023

Não devemos, não pagamos!

Leia mais sobre a VI Assembleia e confira o álbum do encontro.

Deixe um comentário