A pobreza vem crescendo não somente no Brasil, mas também nos países centrais. Da mesma forma, aumenta a crise internacional e, com ela, a precarização da classe trabalhadora, as desigualdades de gênero e a crise climática. A despeito do cenário, o capitalismo segue na sua condição principal, que é se expandir atravessando as crises e lançando a população em sucessivas tragédias.
Com a guerra na Ucrânia, na Europa e Estados Unidos as dívidas públicas aumentam para garantir expansão bélica e, com esses endividamentos, a tendência é que a crise internacional se aprofunde ainda mais. Saímos da pandemia, mas várias questões decorrentes dela até o momento seguem sem discussão, a exemplo da imposição das vacinas de patente privada em vez da garantia e investimentos na produção própria.
O momento também é de inflexão da classe trabalhadora, empurrada a condições cada vez mais degradantes e sem direitos na busca por subsistência, com uma parcela enorme na informalidade, sem qualquer mediação de contratos. Essa dinâmica que impele a população aos piores trabalhos é extremamente perversa e uma característica não só do Brasil, mas uma dinâmica internacional.
Como parte desse quadro perverso, o cristianismo apaga e invisibiliza o conjunto da classe trabalhadora com a palavra “pobre”, termo que vai ao encontro da exploração capitalista, pois coloca as religiões como “salvadoras” em meio à condição de pobreza que na realidade é resultado do próprio capitalismo. A questão não é eliminar a palavra “pobre”, nem desqualificar valores do cristianismo, mas é preciso ter consciência de que essa expressão tem sido usada para esconder as classes sociais e naturalizar a condição de pobreza no mundo. A palavra vai continuar existindo, mas não pode ocupar o lugar de “classes trabalhadoras” e ocultar classes sociais.
Os pobres são produzidos pelo capital, mas há uma perda de percepção sobre a produção dessa desigualdade, assim como a perda de horizontes, da expectativa de vida e da riqueza que deveria ser para o bem estar. Enquanto isso, o fascismo que vemos na atualidade é a captura da revolta das grandes massas pela burguesia.
Cada região tem suas religiões hegemônicas, no caso latino-americano é o cristianismo nas suas mais variadas convencionalidades institucionalizadas. O cristianismo hoje é uma grande força ideológica ultra neoliberal, pois o colonialismo neoliberal se vale do ambiente do cristianismo para mexer nos corações e mentes.
Não por acaso há uma intencionalidade quando se dissemina ostensivamente compreensões no mínimo duvidosas do que seria viver em “santidade” ou em “pecado”. A cultura religiosa fundamentalista atinge em cheio quem ousa romper com o patriarcado, com o que se estabelece como padrão de comportamento correto. Por que defensores da “vida em santidade” nunca admitem a desigualdade como pecado? Nunca denomina o racismo como pecado? Ou a acumulação de riquezas e a defesa do capital privado como pecados?
No contexto de catástrofes e crise internacional, assim como o capitalismo, a religião também não se esgota, e o próprio capitalismo também se converte em religião. Nesse sentido, é importante analisar as diferentes dimensões da questão. A primeira é que a religião tem papel na constante expansão do capitalismo, contribuindo com esse jogo por meio dos novos colonialismos, do colonialismo ultra neoliberal, fortalecendo símbolos e desejos com toda a força.
Outro aspecto é da religião como tradição e como segurança, uma vez que, com toda a crise e impactos decorrentes da expansão do capital, quando não se tem possibilidade de esperança, de sentido na existência e na vida, há uma tendência das pessoas se vincularem a alguma expressão religiosa. Existe ainda o aspecto do bem e mal religioso que se conecta ao dualismo do capital. E o que dizer sobre a afirmação de que “a igreja está onde o Estado não está”? Isso é perigoso demais porque o Estado deveria estar presente em todos os lugares, mas a religião não necessariamente. E quanto ao dinheiro público que vai sem qualquer rastreamento às igrejas para ações de assistencialismo? Um exemplo são casas e comunidades terapêuticas, destino de recursos que deveriam ir para o Sistema Único de Saúde.
Entre outras consequências, um dos estragos do neopentecostalismo é causar fissuras nas organizações populares. O problema também afeta as igrejas tradicionais, marcadas pela ausência de equidade e de fortalecimento dos espaços coletivos. Assim, há uma aliança de conveniências entre as instituições religiosas e as instituições do capitalismo, pois o capital precisa de cultura para se expandir e as igrejas também representam essa cultura. Nessas alianças, vão se fortalecendo as teologias da prosperidade, do domínio e a ideia de teocracia, na qual as conquistas não são consideradas resultado de lutas, mas um “presente de Deus”.
Como transformar essa situação? Que caminhos são possíveis? Isso requer o rompimento com algumas categorias ideológicas, como a ideia de pecado que está tão internalizada, como a ideia de “viver em santidade” sempre tão vinculada com a sexualidade, e com a ideia de “reino” tão feudal, que na bíblia faz uma descaracterização da comunidade. É preciso descolonizar e criar elaborações coletivas e latino-americanas, a exemplo do bem-viver, e com o cuidado de não cristianizar essas elaborações. O papel da crítica também é fundamental, pois muitos movimentos populares têm raízes com a igreja hegemônica, fazendo com que haja um controle, com que seja quase uma heresia qualquer olhar crítico às religiões e às igrejas.
Em quaisquer das situações, a educação popular é essencial como ferramenta de libertação e de transformação nos territórios, pois é preciso dialogar, desconstruir as linguagens religiosas e fomentar a capacidade crítica.
Nessa mudança está uma das saídas para enfrentar o capitalismo e suas perversidades, pois nessa imensa capacidade de expansão não basta o enfrentamento apenas institucionalmente, nem é suficiente colocar milhares de pessoas nas ruas. Enfrentar as desigualdades e a pobreza requer corações e mentes conscientes, transformados e transformadores da realidade a partir das bases.
Movimentos sociais e populares seguem mobilizados nas lutas necessárias para acabar com as desigualdades históricas no Brasil. Nesse sentido, a Rede Jubileu Sul Brasil, 6ª Semana Social Brasileira e Grito dos Excluídos e Excluídas chamam para a organização de um Plebiscito Popular, na perspectiva da urgência de um questionamento político, popular, desde as bases sobre as medidas e reformas implementadas desde o golpe de 2016, pelos governos Temer e Bolsonaro. A segunda plenária desta mobilização será no dia 3 de abril.
Não devemos, não pagamos!
Somos os povos, os credores!
Rede Jubileu Sul Brasil, 23 de março de 2023.