Comunidade Coliseu, Manaus (AM) – Foto: André Cavalcantte

Por Cláudia Pereira |Rede Jubileu Sul

“Aqui em Manaus nós pobres somos desrespeitados. Não somos invasores, não aceitamos auxílio aluguel. Nós estamos pedindo um direito que é garantido pela Constituição Federal, a nossa moradia”.

Desrespeito dos órgãos públicos aos mais pobres que moram em ocupações, ausência de serviços básicos, fome, moradias precárias e milhares de pessoas ameaçadas pelo estado de perder suas casas. Esta é uma das graves denúncias de violações que a comitiva da missão apurou em Manaus (AM), entre os dias 25 e 27 de outubro de 2021. A ação foi realizada em parceria com os movimentos populares, instituições, organizações e redes nacionais em defesa do direito à moradia e à cidade. A missão coletou denúncias de direitos humanos e conflitos fundiários. Atualmente 35 mil famílias moram em área de risco e 19 mil famílias estão na eminência de serem despejadas na capital amazonense.

A comitiva visitou sete comunidades, entre elas três que participam das ações do Sinergia Popular, que é uma iniciativa da Rede Jubileu Sul Brasil em parceria da 6ª Semana Social Brasileira (SSB) e a Central de Movimentos Populares (CMP).

Nos últimos dois anos, Manaus (AM) tem sido pauta de debates em círculos sociais por diversas violações de direitos humanos. No início de 2021, em meio à pandemia, a cidade vivenciou o colapso na saúde pública, com mais de 1.600 mortes por Covid-19 apenas nos primeiros 20 dias do mês de janeiro. O cenário, que já era de caos, se agravou com a crise da falta de oxigênio para pacientes internados com Covid-19 em hospitais públicos da cidade. A situação colocou em evidência a falta de políticas públicas para o controle da epidemia na cidade e a relação com a falta de moradia adequada para grande parte da população.

A comunidade Alcir Matos, uma das primeiras comunidades a ser visitada, as moradoras denunciaram as constantes ameaças e agressões que sofrem da polícia ou do estado que emite ordens de reintegração. Durante a visita da comitiva, a Segurança de Proteção da União (SPU) apareceu no local. Uma das moradoras afirma que sofrem intimidação todos os dias. A comunidade, que é formada por mulheres, é remanescente dos despejos violentos das ocupações Cidade das Luzes (2016) e Monte Horebe (2020). Com apoio da Defensoria Pública do Amazonas e da Defensoria Pública da União, lutam para que o prédio de 15 andares, abandonado há uma década no centro da cidade, seja cedido para habitação de interesse social.

“Aqui no Alcir Matos, a maioria são mulheres e crianças. Sofremos preconceitos porque somos pobres e não devemos morar na cidade. Sofremos pressão todos os dias e querem nos tirar daqui à força”.  Afirma uma das moradoras.

 Na comunidade Nova Vida, mais de 700 famílias estão ameaçadas de despejos, das quais a maioria são indígenas.  O Ministério Público Federal moveu ação de reintegração de posse sob a alegação de que as famílias ocupam uma área de propriedade do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). As lideranças sofrem até ameaças de morte e temem uma reintegração de posse no final do ano.

“Nós presenciamos várias situações graves de violações de direitos humanos na cidade de Manaus. Tudo que cerca os direitos humanos. Moradia, alimentação, saúde, educação e mobilidade. É uma supressão dos direitos básicos para as famílias em situação vulnerável. Em nossa avaliação, apesar dessa negação de direitos de cidadania, existe uma força e organização popular lutando por seus direitos”.  Afirmou o advogado Cristiano Muller do Centro de Direitos Econômicos Sociais (CDES), que integrou a comitiva-denúncia.

Além das visitas às comunidades, a comitiva realizou uma mesa de negociação com o poder público para encaminhar as denúncias e solicitações. Uma das pautas que apresentaram faz referência ao fim da vigência da lei que proíbe despejos até dia 31 de dezembro. Buscaram um diálogo para liberação de áreas, regularização fundiária e reforma de prédios em benefício das famílias. Representantes do poder executivo e judiciário que estavam presentes, se comprometeram junto ao Fórum Amazonense de Reforma Urbana para encaminhar as prioridades para as comunidades que estão em situações mais graves. Um ponto positivo e conclusivo é a permanência da mesa de diálogo que se comprometeu em negociar com cada órgão as situações de moradia das comunidades.

Marcelo Edmundo da Central de Movimentos Populares (CMP) e coordenador da Ação Sinergia Popular, avaliou a missão como fortalecimento para os movimentos de moradia e as lideranças das ocupações de Manaus. Alertou que as violações de direitos humanos encontradas nas ocupações são cometidas pelo próprio estado. Afirmou que as famílias não podem ser despejadas depois do dia 31 de dezembro, sem antes acontecer uma audiência com Ministério Público e Defensoria para dialogar uma solução justa e definitiva.

 

Com a ausência de representantes do Ministério Público e Defensoria o que era para ser uma audiência pública popular se tornou uma plenária dos movimentos de moradia. As lideranças utilizaram do espaço para denunciar e exigir atenção para situações graves que as comunidades se encontram atualmente em Manaus. A plenária foi realizada de forma híbrida com a presença de representantes das comunidades na Cáritas Arquidiocesana de Manaus e transmitido pelas redes sociais. 

“Muitas pessoas já perderam a vida nessa luta. Pessoas morreram fazendo instalações elétricas porque não temos energia, já vimos os nossos barracos pegando fogo, já vimos os tratores derrubando as nossas casas, nossos amigos que morreram queimados e a população indígena sofrendo. Vocês que apoiam a nossa luta, eu peço que olhem por nós, nos ajude a conquistar o nosso direito à moradia digna”.  Disse a Sra. Rita, moradora da ocupação Cidade das Luzes durante a plenária.

“Aqui em Manaus nós pobres somos desrespeitados. Não somos invasores, não aceitamos auxílio aluguel. Nós estamos pedindo um direito que é garantido pela Constituição Federal, a nossa moradia”. Disse uma das participantes.

“Falo em nome das mulheres que lutam pela moradia. Nós recebemos um grande apoio do Sinergia Popular que nos auxiliou a conhecer os processos de luta. Hoje nós sabemos a diferença de cada órgão, sabemos o que fazer e como agir em determinadas situações na luta. Somos uma comunidade que carece de tudo e temos direito de morar nessa terra”. Disse a indígena Hellen, da etnia Kokama e moradora da comunidade Nova Vida.

A Campanha Despejo Zero, apontou que mais de 3.000 famílias sofreram ações de despejo e reintegração em Manaus durante a pandemia. Aproximadamente 29 mil famílias estão em risco de sofrer despejos. Marcela Vieira, articuladora do Sinergia Popular, diz que diante de tantas violações ao direito à moradia, a presença da missão em Manaus reanimou a esperança na luta e os compromissos com o movimento. A avaliação da comitiva foi positiva pela participação do povo.

O Jubileu Sul integrou a ação missão-denúncia, a partir da ação Sinergia Popular, uma iniciativa realizada em parceria com a 6ª Semana Social Brasileira (SSB) e Central de Movimentos Populares (CMP), com apoio o apoio do Ministério das Relações Exteriores Alemão, que garantiu ao Instituto de Relações Exteriores (IFA) recursos para implementação do Programa de Financiamentos Zivik (Zivik Funding Program) e é cofinanciado pela União Europeia. A ação também faz parte do processo de fortalecimento da Rede Jubileu Sul e das suas organizações membro.

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