Sob o tema “Tudo Pelo Reino”, milhares de romeiras e romeiros estiveram presentes na Romaria dos Mártires da Caminhada, realizada presencialmente entre os dias 15 e 17 de julho, em Ribeirão Cascalheira (MT). A caminhada, realizada pela Igreja de São Félix do Araguaia, celebrou 50 anos de peregrinação em memória a dom Pedro Casaldáliga, que fez sua páscoa em agosto de 2020, e aos 46 anos do martírio do padre João Bosco Penido Burnier.
Por Mário Manzi | Assessoria de Comunicação da CPT Nacional
Fotos: Jorge Custódio (Mirandinha)
Sobre o carro de som, que anima a vigília e a caminhada martirial do sábado a noite (16), Dê Silva, do Coletivo LGBTI da Via Campesina Brasil, mulher trans, do campo, une as vozes da romaria às vozes dos povos LGBTQIA+ do campo, das águas e das florestas. “Estamos num estado em que, dizem, é o estado do agro, mas que apresenta a contradição da fome. No Estado que se apresenta como conservador, mas que apresenta a contradição do atraso, que apresenta a contradição da ignorância, do desrespeito, da intolerância e da violência contra os povos LGBTQIA+”.
O carro de som está em sua terceira parada, dedicada à população LGBTQIAP+. É neste momento que Dê segue novamente a fala: “Nos é negado o direito à educação, o direito à saúde pública de qualidade e é também negado o direito de cultuar o Deus da vida, porque nós somos tratadas como sujeitas e sujeitos sem alma. Nós somos intolerados inclusive no espaço da igreja, mas esta romaria reafirma o compromisso dos povos com as causas LGBTQIA+, com as causas do Deus da vida e as luzes acesas, a marcha reafirmam o compromisso do povo com o Deus da vida, pois na história, as marchas foram decisivas no processo do povo cristão e marchamos em defesa da vida, marchamos em defesa da terra repartida, marchamos em defesa das mulheres, das crianças, marchamos pelo Deus libertador”.
Romaria dos Mártires da Caminhada 2016: “Profetas do Reino”
O martírio posto em parada lembra, dentre as causas do Reino, as vidas LGBTQIAP+ espoliadas. “Pedimos ao Deus da vida que nos liberte da ignorância, nos liberte do preconceito, nos liberte do desrespeito com o diverso. A diversidade existe e ela tem que ser respeitada, a igreja é espaço da diversidade, o campo é espaço da diversidade, porque nós cultivamos o respeito. Axé, Awere e Aleluia pra nós”.
Realizada desde o ano de 1986, a Romaria até o Santuário dos Mártires teve edições em 1996, 2001, 2006, 2011 e 2016. No ano de 1990 foi realizada uma edição na cidade de Santa Terezinha (MT), região norte da Prelazia, para fazer memória ao Francisco Jentel, missionário francês que dedicou mais de 20 anos de vida aos povos indígenas e camponeses do Mato Grosso.
Prelados
Relembrando a fala de dom Pedro Casaldáliga, “Nossas causas valem mais que as nossas vidas”, somaram-se outras seis paradas, que tradicionalmente retomam o trajeto realizado pelo padre jesuíta João Bosco Penido Burnier no dia 11 de outubro de 1976, data de seu martírio. Burnier, que estava na região em uma atividade o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) foi alvejado por arma de fogo, enquanto tentava para a tortura de duas mulheres, na delegacia local.
5ª Romaria dos Mártires da Caminhada
Neste ano foram colocadas, “Na causa do Reino” as Causas; das juventudes; das mulheres; da população negra; dos povos indígenas, dos trabalhadores da Terra; da Ecologia; além da já citada causa da população LGBTQIAP+.
No domingo, a alvorada precede a Celebração Eucarística em Memória aos Mártires da Caminhada, momento que reúne falas de representantes clericais e leigos. Neste ano, entre as palavras de testemunho, as pessoas puderam ouvir Beatrice Kruch (Bia) e Madeleine Hauser (Mada), que trabalhavam com o padre Josimo Moraes Tavares, mártir da terra, assassinado em 1986.
Antes da marcha
A sexta-feira que antecede a caminhada também manifesta seu caráter simbólico de memória ao martírio de Padre João Bosco, na Capela da Cruz, e dá o contexto da luta travada no solo que já foi encharcado por muito sangue “Aqui tem muito sangue de peão, nesse local”, como lembra Dona Eva. As histórias ali narradas dão o fôlego para que as trajetórias compartilhadas, não sejam esquecidas, como dá o tom do coro “Por causa da Tua palavra/Por causa da libertação/Por causa de um pouco de terra/Por uma fatia de pão/Mataram mais um irmão/Mas Ele ressuscitará/O povo não esquecerá”.