Ex-dirigentes da Dersa são alvo do Ministério Público Federal. Um deles é ex-secretário de Alckmin, mas acusações não citam políticos tucanos
Por Conrado Corsalette, do Nexo
O Rodoanel é um projeto tocado por governos tucanos que comandam o estado de São Paulo desde 1995. Trata-se de um anel viário de 176 km que circunda a capital, interligando dez estradas que passam pela região metropolitana, cruzando 17 cidades. Seu objetivo é evitar que veículos precisem trafegar por vias centrais e assim desafogar o trânsito.
São quatro trechos construídos ao longo das gestões Mário Covas, José Serra e Geraldo Alckmin: oeste, sul e leste, já entregues, e norte, ainda em obras, com previsão de conclusão em 2019. É a obra viária mais cara do Brasil. Seu custo final deve ficar em torno de R$ 26 bilhões, um valor 163% maior do que o previsto em 1998, quando o primeiro edital foi lançado, segundo reportagem do jornal O Estado de S. Paulo.
As suspeitas de superfaturamento envolvendo esse megaprojeto de infraestrutura rodoviária existem há anos. Em 2018, elas se transformaram em denúncias criminais, com o avanço das investigações no país motivadas pela Lava Jato. São duas até julho, apresentadas pelo braço da operação no Ministério Público Federal em São Paulo: uma em março e outra na sexta-feira (27).
Trecho norte: o ex-secretário de Alckmin
Na denúncia mais recente, os procuradores da República acusaram 14 pessoas, entre elas Laurence Casagrande Lourenço, ex-secretário de Transportes de Alckmin (2017) e ex-presidente da Dersa (2011-2017), empresa que conduz obras de estradas do estado. Lourenço está preso preventivamente desde junho de 2018. Ele dirigia a Cesp (Companhia Energética de São Paulo) quando foi levado para a cadeia. Agora, é acusado dos crimes de fraude em licitação, associação criminosa e falsidade ideológica.
Segundo os procuradores, lotes do trecho norte do Rodoanel tiveram um superfaturamento de R$ 480 milhões, a partir de aditivos feitos no contrato inicial com as construtoras OAS, Mendes Júnior e Isolux, para a retirada de rochas por onde a via vai passar. Os envolvidos negam irregularidades no contrato. Essa denúncia criminal não se refere a acusações de corrupção ou peculato, quando há desvio de dinheiro para benefício pessoal de agentes públicos. O Ministério Público Federal, porém, pediu a abertura de inquéritos separados para que investigações nesse sentido sejam conduzidas. O inquérito é a fase de apuração anterior a uma denúncia formal.
O passo seguinte é a abertura do processo criminal, para que a Justiça possa julgar o caso e dar uma sentença. As acusações envolvendo obras no trecho norte do Rodoanel envolvem também Pedro da Silva, ex-diretor de engenharia da Dersa. Silva havia substituído no cargo Paulo Vieira de Souza, conhecido como Paulo Preto e apontado como operador de propinas dos tucanos paulistas.
Trecho sul: o homem apontado como operador
Em março de 2018, a força-tarefa da Lava Jato paulista apresentou sua primeira denúncia criminal envolvendo acusações sobre as obras do Rodoanel. Ela mirou o trecho sul do megaprojeto e teve como principal alvo Paulo Vieira de Souza, ligado ao hoje ministro de Relações Exteriores do governo Michel Temer, Aloysio Nunes Ferreira, senador tucano licenciado e eleito por São Paulo.
Paulo Vieira de Souza virou diretor de relações institucionais da Dersa em junho de 2005, no primeiro período em que Alckmin foi governador do estado. Em 2007, quando Serra assumiu o comando de São Paulo, foi promovido a diretor de engenharia, responsável pelas grandes obras da empresa do estado, posto que ocupou até 2010. Segundo o Ministério Público Federal, ele e outras quatro pessoas participaram de um esquema que desviou R$ 8 milhões que deveriam ser destinados a moradores removidos de áreas onde seriam feitas obras do trecho sul.
O homem apontado como operador dos tucanos paulistas foi acusado de peculato, formação de quadrilha e inserção de dados falsos em sistema público de informação. Ele nega ilegalidades. Paulo Vieira de Souza chegou a ser preso preventivamente mais de uma vez, mas acabou solto por determinação do ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes. Segundo informações de bastidores publicadas pelo jornal Folha de S.Paulo, ele chegou a pensar em fechar um acordo de delação premiada, pelo qual passaria a colaborar com a Justiça em troca de benefícios penais, mas acabou desistindo.
A denúncia formal da qual é alvo não inclui suspeitas enviadas ao Brasil por autoridades suíças, segundo as quais ele mantinha R$ 113 milhões depositados em contas do país europeu. Esse caso está sendo investigado em inquérito separado.
A situação dos políticos tucanos
Nenhuma das duas denúncias criminais apresentadas até aqui pelo Ministério Público Federal em São Paulo envolve os governadores tucanos que comandavam as obras do Rodoanel. Mas seus nomes aparecem nas delações premiadas da Odebrecht, maior construtora do Brasil, que também tinha contratos no megaprojeto viário. Serra, senador com foro privilegiado, é alvo de um inquérito que está sob a guarda do Supremo e cujo relator é Gilmar Mendes.
Um dos delatores da Odebrecht afirma ter pago R$ 23 milhões para a campanha presidencial do tucano em 2010 em troca de obter auxílio em obras, entre outros valores repassados. Aloysio também é alvo de procedimentos. Ele e Serra negam ilegalidades. Os depoimentos dos executivos da empreiteira também atingiram Alckmin. Ele é suspeito de ter recebido R$ 10 milhões da construtora, por meio de seu cunhado, para as campanhas de 2010 e 2014. Seu caso estava no Superior Tribunal de Justiça, responsável por suspeitas envolvendo governadores, até o início de 2018. Mas foi transferido para a primeira instância paulista quando ele renunciou para se tornar pré-candidato do PSDB à Presidência.
As suspeitas não estão sendo tratadas, inicialmente, como casos de corrupção, ou seja, elas não têm ligação, a princípio, com obras públicas como o Rodoanel. As investigações sobre o repasse de R$ 10 milhões estão sob a guarda da Justiça Eleitoral, que lida com caixa dois. O caixa dois é diferente da corrupção, pois nele não se pressupõe uma contrapartida paga por empreiteiras em troca de benefícios em obras públicas, apenas um repasse não registrado na Justiça Eleitoral. As punições são mais brandas do que na corrupção, e raramente aplicadas no Brasil.
Alckmin ainda é alvo de uma investigação que apura improbidade administrativa, também ligada às suspeitas de repasse dos R$ 10 milhões. A improbidade está na área cívil, não criminal. O nome do PSDB que vai concorrer ao Palácio do Planalto nas eleições de outubro de 2018 nega ilegalidades. Em junho, quando questionado pela imprensa se a prisão de seu ex-secretário de Transportes teria algum efeito em sua campanha, respondeu: “nenhum”.