Por Rogéria Araújo
Negras, catadoras de resíduos, quilombolas, vítimas de violências física e psicológica, afetadas por remoções, violadas pelas ações do Estado e grandes projetos, encarceradas. Se a exclusão e invisibilidade tomam conta da realidade de diversas mulheres, por outro lado há muita coragem e ousadia para enfrentar o modelo patriarcal. Fortalecer coletivos de mulheres é o objetivo do projeto “Nós, mulheres, em defesa e na luta por direitos”, que teve o seu inicio nos dias 21 e 22 de outubro, em São Paulo, reunindo grupos de mulheres de Porto Alegre, Fortaleza, São Paulo, São José dos Campos e Belo Horizonte, em uma Oficina Nacional para construir um plano de trabalho para o próximo período.
Este primeiro encontrou serviu para que os coletivos pudessem trocar experiências e partilhar seus trabalhos e suas lutas. Assim, Cícera Silva trouxe a realidade das mulheres encarceradas na cidade de Fortaleza, informando que 70% das mulheres detidas estão lá provisoriamente e não têm previsão de julgamento. É lá que o Instituto Inegra realiza formações voltadas para formação política e direitos humanos.
De São Paulo, Mara Lúcia, levantou a cruel realidade das mulheres catadoras de resíduos, que são invisibilizadas em todos os sentidos tanto pelo Estado como pela sociedade em geral. “Nós vivemos uma política de extermínio das mulheres negras e da periferia, também temos a privatização do lixo em São Paulo. Resíduo, hoje, é dinheiro. Nossa maior dificuldade é que somos invisíveis. Todos os dias mulheres catadoras morrem e são estupradas e ninguém fala nada”, disse Mara.
Mariza da Rosa, Jéssica Motta e Claudia Favaro trouxeram para a roda de partilha a situação das famílias ameaçadas de remoção por causa dos grandes projetos e que estão, hoje, na Vila Dique, em Porto Alegre, em resistência por um plano urbanístico popular para a comunidade. Também na luta por moradia e no trabalho de enfrentamento à violência contra a mulher, o evento contou com a contribuição do Centro Dandara, de São José dos Campos (SP), através de Angela Aparecida e Marcela de Andrade. Da mesma forma, Regina, da Pastoral Indígena/Cimi, trouxe a necessidade de formação para as mulheres indígenas da região de São Paulo.
Os direitos reprodutivos também foram temas trazidos para a oficina. Ermelinda Melo e Beatriz de Oliveira frisaram a importância de concretizar políticas públicas em relação à saúde das mulheres. Elas representaram a Rede Feminista de Saúde.
No âmbito laboral, Mônica Fidelis, da Pastoral Operária, falou sobre os retrocessos trabalhistas que a classe operária vem sofrendo, atingido de forma direta as mulheres, que já contam com várias jornadas de trabalho e no mercado formal a ameaça do desemprego e a precarização. “Precisamos de fortalecimento na conjuntura atual. Com a retirada de direito, temos que ver a questão da mulher no mundo do trabalho. Há uma nova configuração do trabalho e é necessário saber como a mulher vivencia e se prepara para lidar com tudo isso”, afirmou.
Como integrante da coordenação nacional do Grito dos/as Excluídos/as, Karina Pereira, destacou a participação, muitas vezes na linha de frente, das mulheres quando da realização do Grito, que acontece todos os anos na Semana da Pátria. Também teve a participação de Joana Emmerick, do Instituto Políticas Alternativas para o Cone Sul (PACS) que levou várias experiências sobre cartografia social ou cartografia militante. Esse instrumento servirá para a ação social do projeto e contribuição para ações futuras.
A Oficina proporcionou momento de análise sobre a atual conjuntura e os impactos dos ajustes da atual política de retirada de direitos sobre a vida das mulheres. Analisar os impactos é olhar o papel do Estado que privilegia em suas políticas os rentistas, os pagamentos da dívida pública, a qual tem comprometido aproximadamente 45% do orçamento para os compromissos com a dívida pública brasileira, que até março de 2017 estava em R$ 4.727 trilhões. Com isso “o Estado mínimo, que também é racista, sexista e patriarcal, vai se consolidando e os recursos para moradia, trabalho, saúde, educação e outras cada vez mais são suprimidos, impactando diretamente a vida das mulheres”, destacou Rosilene Wansetto, coordenação da Rede Jubileu Sul Brasil.
Cinthia Oliveira Abreu, coordenadora do projeto, destacou a importância do projeto “neste contexto de luta e a construção de uma agenda desde os territórios foi alcançado ao final da oficina”. Cada local a partir de sua realidade desenhou um calendário de ação com os públicos de mulheres diferenciados que irão participar deste trabalho de cartografia social e política que contará com rodas de conversa, seminários, oficinas locais, visitas de campo para conhecer e reconhecer a realidade local, fortalecer e fomentar a organização e a mobilização para a ação.
O projeto “Nós, mulheres, na defesa e na luta por direitos” ocorrerá nos territórios de Porto Alegre, Belo Horizonte, Fortaleza, São Paulo e São José dos Campos e tem por objetivo realizar um ciclo de formação ao longo de um ano e fortalecer os coletivos de mulheres nestes territórios articulando com as lutas já em curso. O projeto é uma realização da rede Jubileu Sul Brasil com apoio do Instituto Irmãs da Santa Cruz, Adveniat e Cafod.

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