Moradores do bairro da Zona Oeste do Rio de Janeiro, cobram de candidatos ao legislativo, combate às violações de direitos da Ternium Brasil, maior siderúrgica da América Latina
Por Instituto Pacs
Ao longo de 13 anos de atuação marcados por violações de direitos e impactos sociais e ambientais, a siderúrgica Ternium Brasil, antiga ThyssenKrupp Companhia Siderúrgica do Atlântico, tem uma trajetória que atinge direta e negativamente a população e o território de Santa Cruz, na zona oeste do Rio de Janeiro. Além de afetar a saúde, o meio-ambiente e os espaços de trabalho dos moradores e moradoras da região, a empresa já foi denunciada diversas vezes por conta das condições de perigo a que expõe os seus funcionários.
Em 2017, o grupo ThyssenKrupp anunciou a venda da siderúrgica para a Ternium sem dar resposta alguma às denúncias de piora na saúde, alagamento das casas, índices altíssimos de poluição atmosférica, interrupção da pesca, uso de vultosas isenções públicas, dentre outras.
Com o intuito de pautar o debate em torno das violações geradas pela atuação da Ternium Brasil na zona oeste, moradoras e moradores de Santa Cruz elaboraram uma carta pública com reivindicações e denúncias sobre o caso destinada aos candidatos e candidatas ao Governo do Estado e aos cargos de Senadores, Deputados Federais e Estaduais pelo estado do Rio de Janeiro. Algumas exigências apresentadas são a necessidade de suspensão da licença ambiental de operação da empresa, além da devolução dos incentivos fiscais concedidos à sua operação e atuação no território.
Confira a carta na íntegra:
Rio de Janeiro, setembro, 2018
Ao atual e futuro(a) Governador(a) do Estado do Rio de Janeiro,
Aos/As atuais e futuros(as) Senadores(a),
Aos/As atuais e futuros(as) Deputados(as) Federais,
Aos/As atuais e futuros(as) Deputados(as) Estaduais,
Nós, moradores(as), pescadores(as), juventude de Santa Cruz (especialmente da Reta da Avenida João XXIII), junto ao Instituto PACS, apontamos abaixo nossas reivindicações ao poder público seguidas de uma síntese das denúncias frente as violações de direitos, as ilegalidades e as lutas existentes contra a operação da Companhia Siderúrgica do Atlântico, antiga TKCSA, e atual Ternium Brasil, em Santa Cruz, zona oeste do Rio de Janeiro.
A CSA/Ternium Brasil é a maior siderúrgica da América Latina e, ao longo de 13 anos de funcionamento, sua trajetória tem sido marcada pela violação de direitos trabalhistas; pela prática de intimidação, cooptação e criminalização de lideranças e pesquisadores/as que são críticos ao empreendimento; e pela produção de impactos negativos ao meio ambiente e à saúde de homens, mulheres e crianças que vivem no bairro de Santa Cruz. A empresa é alvo de diversas denúncias dos moradores e moradoras junto à Defensoria Pública do Estado, totalizando atualmente 238 ações, onde são apontados os impactos ocasionados pela linha férrea, por doenças relacionadas à emissão do material particulado na atmosfera e pelo alagamento do conjunto habitacional de São Fernando, decorrentes da terraplanagem realizada pela empresa na fase de instalação do empreendimento.
Não custa lembrar que durante seis anos (2010 a 2016) a empresa funcionou sem licença de operação, e que a mesma é objeto de duas ações penais movidas pelo Ministério Público Federal por crimes ambientais. Não obstante todas as violações, irregularidades e crimes cometidos pela empresa, todos já relatados em Audiências Públicas e investigadas por Comissões, a empresa segue contando com pesadas isenções fiscais (estaduais) e benefícios municipais, além de vultosos financiamentos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Diante desse quadro grave acima relatado, reivindicamos:
- Suspensão da licença ambiental de operação da empresa, por parte do órgão ambiental responsável, tendo em vista que a mesma continua a poluir o ar e a provocar inúmeros mal estares e doenças aos moradores vizinhos ao empreendimento. É necessário que seja realizado um estudo aprofundado e independente sobre a quantidade e a natureza das substâncias que são desejadas no ar diariamente pela empresa.
2. Adequação e especialização de todas as instituições públicas de saúde locais tendo em vista o tratamento e a prevenção de doenças e os tratamentos relacionados com siderurgia e poluição atmosférica, de modo a proporcionar um atendimento médico especializado com rapidez, conforme previa a implantação de uma unidade sentinela de saúde no Termo de Ajuste de Conduta, assinado em 2012.
3. Exigimos que a empresa compense pescadores e moradores vizinhos às suas instalações por todos os danos e violações de direitos cometidos desde o período de sua instalação os quais são objetos de reivindicação na justiça pela Defensoria Pública e por ações individuais.
4. Suspensão e devolução imediata de todos os incentivos fiscais concedidos à operação da CSA/Ternium Brasil no Estado do Rio de Janeiro sob o fundamento de reiterado descumprimento da legislação brasileira, como apontam diversos laudos, estudos, pareceres técnicos do Ministério Público, Defensoria, movimentos sociais e entidades civis organizadas. É inadmissível que em pelo regime de recuperação fiscal, ao qual o estado do Rio de Janeiro está submetido, a CSA/Ternium Brasil receba regalias financeiras enquanto a população fluminense paga a conta;
5. Rescisão imediata e devolução integral dos contratos de financiamento para o complexo siderúrgico negociados junto ao BNDES sob o fundamento não apenas da violação da legislação em vigor, mas também por haver operado de 2012 a 2016 sem a devida Licença de Operação — em discordância aos critérios definidos nos respectivos contratos;
6. Que sejam revistas e atualizadas todas as Zonas de Exclusão de Pesca da Baía de Sepetiba já que estas têm ocasionado graves impactos às economias familiares de pescadores e pescadoras que vivem das águas e dos peixes há mais de 30 anos. O Direito a Pesca é condição fundamental para a reprodução da vida local;
7. Suspensão imediata das outorgas de uso da água e do respectivo Cadastro Nacional dos Recursos Hídricos, por parte do Instituto Estadual do Ambiente (Inea). Exigimos que seja cumprido o que a Política Nacional de Recursos Hídricos (Lei n° 9.433/1997) afirma em seu Art. 1°, inciso III, que “em situação de escassez, o uso prioritário dos recursos hídricos é o consumo humano e a dessedentação animal”. Da mesma forma o Art. 15 define que “a outorga de direito de uso de recursos hídricos poderá ser suspensa parcial ou totalmente, em definitivo ou por prazo determinado”, se houver a “necessidade de se atender a usos prioritários, de interesse coletivo, para os quais não se disponha de fontes alternativas” (inciso V);
Até quando os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário serão coniventes com as múltiplas violações de direitos humanos e impactos socioambientais aqui mencionados? Até quando vidas serão descartadas para que nossas terras, águas e florestas sejam transformadas em mercadorias para serem comercializadas no mercado externo? Até quando financiaremos com recursos públicos empreendimentos que matam? Nós dizemos chega! Nossas peles coçam, nossos olhos ardem e nossa respiração está pior, pois aqui chove prata! Nossas casas alagam! Nossas paredes estão rachadas e nossos ouvidos não aguentam mais quando o trem passa! Nossos peixes morreram! Nós estamos adoecendo, mas seguiremos na resistência!
É pelo descaso, pela irresponsabilidade, pelo abandono e pela violência ocasionada pela CSA/Ternium Brasil com o apoio do Governo do Estado do Rio de Janeiro, que apresentamos aos candidatos a reeleição e eleição estas reivindicações.
Resgate das violações da CSA/Ternium e das denúncias realizadas:
– No plano internacional a CSA/Ternium Brasil já foi denunciada no Parlamento alemão (junho de 2008, janeiro de 2010, abril de 2013) e europeu;
– No Senado Federal, a CSA/Ternium Brasil também foi objeto de uma audiência pública realizada pela Subcomissão Permanente de Trabalho e Previdência, que funciona no âmbito da Comissão de Assuntos Sociais, para apurar a contratação de trabalhadores chineses.
– No âmbito estadual, a empresa já foi objeto de investigação de uma comissão da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (ALERJ) para apurar “irregularidades e omissões do Governo do Estado e do Instituto Estadual do Ambiente (INEA)”.
– A empresa foi objeto de duas Audiências Públicas na Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da ALERJ. Além disso, a empresa acumula mais de R$14 milhões de multas aplicadas pelo INEA;
– No município do Rio de Janeiro também foi realizada uma Audiência Pública na Câmara dos Vereadores para tratar dos impactos socioambientais da CSA/Ternium Brasil;
VIOLAÇÃO DE DIREITOS TRABALHISTAS
– Houve Embargo da obra, em maio de 2008, pelo Superintendente Regional do Trabalho e Emprego do Estado do Rio de Janeiro, devido à existência de graves e iminentes riscos potencialmente ocasionados pela inadequação da legislação à segurança e a medicina do trabalho;
– Em Agosto de 2008, o Ministério Público do Trabalho protocolou uma ação civil pública contra a CSA/Ternium Brasil pela exploração de mão-de-obra chinesa não especializada e pelo desrespeito a então legislação trabalhista;
– Um ano depois, em agosto de 2009, a CSA/Ternium Brasil foi denunciada pelas condições degradantes de trabalho, aonde os trabalhadores chegaram e ficar dois meses sem salário, dormiam em alojamentos sem camas, não tinham acesso à água e recebiam apenas uma refeição por dia;
IMPACTOS AMBIENTAIS
– O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), em 2007, embargou a licença de instalação uma vez que foram suprimidos 4 hectares de mangue, o dobro da área licenciada para a construção de uma ponte;
– Em junho de 2011, o Ministério Público Estadual (MPE) denunciou pela segunda vez a CSA/Ternium Brasil por crime ambiental, onde o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (GAECO) afirmou que não houve as medidas de precaução necessárias para o funcionamento dos alto-fornos e nem sequer foram comunicados aos órgãos ambientais os impactos ocasionados.
– Em janeiro de 2013 a Prefeitura do Rio de Janeiro ordenou a interdição da CSA/Ternium Brasil devido à falta de licenciamento do funcionamento do estabelecimento, através da diretoria de fiscalização da Secretaria Especial de Ordem Pública;
– Em dezembro de 2016, o MP-RJ, por meio do Grupo de Atuação Especializada em Meio Ambiente (GAEMA), ajuizou uma ação civil pública de improbidade administrativa contra o ex-governador Sérgio Cabral, (preso e condenado a 100 anos de prisão), o então secretário de Estado da Casa Civil Athur Bastos, a então secretária de Meio Ambiente Marilene Ramos e a CSA/Ternium Brasil por terem autorizado ilegalmente o funcionamento do alto-forno 2, em dezembro de 2010, com o propósito de beneficiar a empresa. Após a recusa do INEA em permitir o funcionamento do alto-forno 2, o ex-governador e seus secretários autorizaram, em menos de 24h, a operação indo contra o parecer técnico do órgão ambiental;
IMPACTOS TERRITORIAIS
– O funcionamento da CSA/Ternium Brasil aumentou em 76% a emissão de dióxido de carbono (CO2) no município do Rio de Janeiro. A materialidade destes impactos são sentidos nos corpos destes homens, mulheres e crianças.
– Após o funcionamento dos alto-fornos da siderurgia, em junho de 2010, ocorreram três Chuvas de Prata em Santa Cruz, afetando gravemente a população que reside no bairro de Santa Cruz. A população convive com uma poluição constante e tem relatado inúmeros casos de doenças respiratórias e problemas dermatológicos. A chuva de prata (microparticulados), agora bem mais fina, persiste na região do entorno da empresa dia e noite.
– A população atingida não encontra atendimento médico nas instituições públicas de saúde da região e, até o momento, a SEA e o INEA nada fizeram com relação aos danos à saúde causados pelos particulados emitidos pela CSA/Ternium Brasil;
– A SEA afirma, em relatório publicado em 2012, que o pó emitido é tóxico e contêm, além de Carbono e Ferro, elementos químicos como Zinco, Silício, Sódio Manganês, Cromo e Cádmio. Afirma ainda, que o pó pode causar asma, câncer de pulmão, problemas cardiovasculares, defeitos congênitos e
morte prematura, mas mesmo assim não apontou nexo causal entre a contaminação da atmosfera por parte da emissão de material particulado e as doenças respiratórias e dermatológicas;
– Em Março de 2008, dois pescadores foram atropelados por uma embarcação a serviço da CSA/Ternium Brasil no Canal São Francisco. Um deles foi gravemente ferido e internado e o outro desapareceu.
– A operação da CSA/Ternium Brasil e o aumento da circulação de embarcações na Baia de Sepetiba têm ocasionado à diminuição de peixes, diminuindo drasticamente a renda de pescadoras e pescadores.
FINANCIAMENTO PÚBLICO
– No plano federal, a CSA/Ternium Brasil é beneficiada pela isenção do IPI, ICMS, PIS e Cofins. Não obstante, estas isenções fiscais geram créditos que permitem o abatimento de outros impostos, como o IRPJ e a CSLL. No plano estadual, através da Lei nº 4.529/2005 a CSA/Ternium Brasil obteve acesso aos recursos do Fundes e do deferimento do ICMS. No plano municipal, através das leis nº 4.372/2006 e nº 5.133/2009 a CSA/Ternium Brasil é beneficiada pela isenção ou redução da alíquota do ISS;
– Sem o acesso ao conjunto das informações fiscais e tributárias da empresa, os valores relativos a todas as isenções fiscais chegam a R$2,5 bilhões. Quando somados os dois empréstimos do BNDES destinados a CSA/Ternium Brasil, equivalente a R$2,3 bilhões, o total de recursos públicos investidos na empresa é da ordem de R$5 bilhões;
Saiba mais sobre o histórico de violações do empreendimento: http://paretkcsa.org/