A decisão, favorável ao povo, suspende processo contra a comunidade Laranjeira Nhanderu até que se julgue o caso de repercussão geral no STF, que trata do marco temporal
Por Assessoria de Comunicação do CIMI – Maiara Dourado
Na última segunda-feira (15), a Justiça Federal de Dourados, do Mato Grosso do Sul (MS), decidiu a favor do povo Guarani e Kaiowá e rejeitou o pedido de reintegração de posse da fazenda Inho, de propriedade de José Raul das Neves. A fazenda está localizada sobre o tekoha Laranjeira Nhanderu, em Rio Brilhante (MS).
A decisão assegura ao povo Guarani e Kaiowá a posse da terra e suspende o processo até que se julgue o caso de repercussão geral no STF que pode definir o futuro das terras indígenas do país – o Recurso Extraordinário (RE) 1.017.365. A ordem judicial usa como base a decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e relator do processo, Edson Fachin, que determinou a suspensão de todas as ações que envolvam a demarcação de terras indígenas até o julgamento final do recurso.
“Pela amplitude do tema admitido em repercussão geral, e as peculiaridades apresentadas pelo presente caso, a resolução a ser dada à presente demanda [de reintegração de posse] perpassa pelo que for definido no julgamento do RE 1.017.365”, afirmou, na decisão, Fábio Fischer, juiz da 2ª Vara Federal de Dourados.
O seguinte processo envolve o caso de reintegração de posse movida contra o povo Xokleng, em Santa Catarina, e teve repercussão geral reconhecida pelo STF. Isso significa que o que for decidido neste julgamento implicará em todos os outros casos judiciais que envolvam o direito à terra dos povos indígenas do Brasil.
O recurso, que volta a ser discutido na Suprema Corte no próximo dia 7 de junho, coloca em discussão o estabelecimento de um marco temporal que busca limitar o direito dos povos indígenas. Por essa tese entende-se que os indígenas só teriam direito às terras que estivessem sob suas posses no dia 5 de outubro de 1988 – promulgação da Constituição Federal -, ou que, naquela data, estivessem sob disputa física ou judicial comprovada.
Nesse sentido, a retomada do julgamento do RE se torna urgente, pois definirá não só o futuro da comunidade do tekoha Laranjeira Nhanderu, mas também o de todas as outras comunidades indígenas do país. No Mato Grosso do Sul, caso seja aprovada a tese do marco temporal, dezenas de comunidades indígenas sofrerão processos de reintegração de posse de forma imediata, podendo ocasionar mais despejos e o agravamento da situação de vulnerabilidade na qual se encontram as comunidades indígenas sul mato-grossenses.
Competência e tutela de urgência
A sentença da 2ª Vara Federal de Dourados reconheceu, ainda, a competência da Justiça Federal para julgar o caso, e recusou a tutela de urgência com a qual se requeria a aplicação de ordem de reintegração de posse. Em um primeiro momento, o suposto proprietário da fazenda Inho recorreu à Justiça Estadual com o argumento de que a área não se tratava de Terra Indígena (TI), não havendo estudo antropológico que atestasse sua tradicionalidade, nem demarcação da área em disputa.
Contudo, no entendimento do juiz, o direito indígena prescinde a demarcação formal das terras, não podendo ser uma condição para seu reconhecimento, o que torna o caso uma competência da Justiça Federal. “A disputa por direitos indígenas não se limita à defesa da terra demarcada, mas à própria demarcação de espaços eventualmente ocupados de forma tradicional pelos povos indígenas, para que seja reconhecida, formalizada e assegurada a sua posse sobre a terra”, explica o juiz em sua decisão.
Retomada Laranjeira Nhanderu
A fazenda sobreposta ao território tradicionalmente ocupado pelo povo Guarani e Kaiowá foi retomada pelos indígenas em março deste ano. Desde então, a comunidade vive sob constante ameaça de ataques ilegais da Polícia Militar (PM), conduta cada vez mais recorrente no estado do Mato Grosso do Sul, e da qual foram vítimas, pela primeira vez, em fevereiro deste ano.
Na ocasião, a PM retirou de forma violenta os indígenas da fazenda Inho sobreposta ao tekoha Laranjeira Nhanderu. A ação da polícia foi feita sem ordem judicial e deixou pelo menos três pessoas feridas por bala de borracha.
A área indígena invadida pela fazenda Inho é reivindicada, há anos, pelos Guarani e Kaiowá. Em 2008, foi criado um Grupo de Trabalho (GT) de identificação e delimitação pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), a fim de comprovar a tradicionalidade da ocupação e determinar a extensão da TI.
O GT, contudo, só foi instituído após acordo firmado entre o Ministério Público Federal (MPF) e a Funai, em 2007, por meio de um Termo de Ajustamento de Condutas (TAC). No TAC, as reivindicações territoriais foram reunidas em sete terras indígenas, conformadas pelas bacias dos rios, chamadas de “peguá” pelos Guarani e Kaiowá, estando o tekoha Laranjeira Nhanderu dentro da Terra Indígena (TI) Brilhante-peguá.
Após 15 anos desde a assinatura do TAC, e 14 anos desde a instituição da portaria que criava o GT, o tekoha Laranjeira Nhanderu segue sem providência, deixando a comunidade exposta a ameaças do fazendeiro e abusos da PM.
A tradicionalidade da ocupação Guarani e Kaiowá pode ser comprovada pela autodemarcação apresentada em documentos diversos pela comunidade, bem como pela perícia antropológica realizada em 2013. A perícia constatou a tradicionalidade da ocupação indígena na fazenda vizinha , a fazenda Santo Antônio, também retomada pela comunidade Laranjeira Nhanderu, em 2011.
Naquele ano, em decorrência de um pedido de reintegração de posse do fazendeiro contra os indígenas, a Justiça Federal de Dourados (MS) determinou a realização de uma perícia antropológica acerca da tradicionalidade da ocupação indígena.
A perícia, concluída em 2013, reconheceu que a área é tradicionalmente ocupada pelos indígenas, embora não seja, ainda, demarcada. Nesse sentido, não há dúvida de que a fazenda Inho, bem como a fazenda Santo Antônio, são terras indígenas Guarani e Kaiowá.