“A Polícia Civil matou meu filho, ninguém vai me calar”
Por Karla Maria | Rede Jubileu Sul Brasil
Essa foi a denúncia dolorosa, o grito de Bruna Silva. Jovem, a moradora do Complexo da Maré, no Rio de Janeiro, teve seu filho Marcus Vinícius, 14 anos, morto no dia 26 de junho pela Polícia Civil, quando estava a caminho de sua escola. O uniforme manchado de sangue testemunha. Marcus era estudante da rede municipal de ensino do Rio de Janeiro.
Bruna participou nesta quinta-feira, 30, da coletiva de imprensa da 24ª edição do Grito dos Excluídos, que chama a população às ruas, na Semana da Pátria, para denunciar as diversas formas de violência a que a população está submetida nas periferias do país. “Se o meu filho hoje não está aqui é porque ele foi excluído pela Polícia Civil do Rio de Janeiro”, disse Bruna, segurando em suas mãos a camisa suja de sangue do filho morto.
“Não houve troca de tiro. E quando eu falo que a polícia é a assassina do meu filho é porque eu sei. O meu filho estava com vida na UPA [Unidade de Pronto Atendimento] e me disse “mãe, eu tomei um tiro da polícia”. Essa frase fica se repetindo na minha cabeça. Ele já tinha tomado uma carreira [de tiros] do helicóptero, e se eu soubesse que ele estava debaixo daqueles tiros, eu também estaria morta, porque iria atrás dele. Eles acham que vão matar preto, favelado e vai ficar por isso mesmo, não vai não, porque a gente tem voz”, disse uma mãe que trocou o luto pela luta.
Bruna tem denunciado a truculência policial nas favelas e por isso tem sido perseguida por policiais. Seu telefone foi grampeado. “Eu tenho medo sim, mas não vou deixar de denunciar, porque isso não pode se repetir com o filho de mais ninguém. Essa dor atingiu meu útero. Minhas lágrimas agora são frias, de luta”, disse a mãe.
Para o economista Plínio de Arruda Sampaio Filho, a violência que mata 62 mil pessoas no Brasil é o resultado da administração da barbaridade, com a crescente exploração dos mais pobres e da militarização. “As vítimas são os mais pobres e 70% deles são negros”, lembrou o economista.
Ainda, segundo o economista, a desigualdade social que existe e que mais uma vez o Grito dos Excluídos denuncia, é resultado de um sistema que não enxerga e pauta as necessidades de sua população e sim a manutenção do sistema atual que exclui e promove a barbárie aos mais pobres. “Na economia, essa barbárie, é o chamado ajuste fiscal, o ataque à previdência, à política pública. Por que nenhum candidato [à presidência da República] tem a coragem de pautar a Dívida Pública?”, questiona o economista.
“A população tem voz quando está nas ruas, quando está mudando, consciente e organizada. A burguesia já falou o projeto dela: o avanço da barbárie e a intervenção militar, porque quando tem que segurar a pobreza, os estudantes e os movimentos sociais, eles chamam os militares”, denunciou o economista que enxerga as eleições de 2018 como uma fraude.
Para a socióloga Rosilene Wansetto, uma das coordenadoras do Grito, enquanto a PEC dos gastos não for revogada nada de diferente poderá ser feito no país. “É preciso que as pessoas questionem qual são as prioridades da população brasileira? Por que congelar investimentos na Saúde e Educação por 20 anos? Para que o Estado brasileiro está servindo”, questionou a socióloga, que também denunciou a presença militar do Estado nas comunidades e favelas brasileiras.
“Bruna, nós sentimos sua dor. Choramos a sua dor e não vamos nos calar diante de tamanha violência. Vamos continuar diariamente denunciando a violência a que tantas brasileiras e brasileiros estão sofrendo por este país, porque esta política de opressão é a política desse desgoverno golpista”, denunciou a socióloga, também mãe, ao lado de Bruna.
Monica Helena Andrade Fidelis , também compôs a mesa e lembrou que o Grito dos Excluídos acontece também e Aparecida, cidade onde está localizado o Santuário de Nossa Senhora Aparecida. “Como romeiros vamos até a mãe Aparecida, levar nosso clamor por justiça. Somos peregrinos de luta, consciência e fé”, concluiu.
O Grito dos Excluídos nasceu no seio da sociedade e da Igreja Católica. Para dom Eduardo Vieira dos Santos, bispo da Região Episcopal Sé da Arquidiocese de São Paulo e representante da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) na coletiva, as denúncias trazidas pelo Grito são pertinentes, porque temos uma sociedade excludente.
“Uma grande camada da sociedade vive à margem dessa mesma sociedade, sem direito à moradia, sem direito à alimentação adequada, sem direito à saúde, ao trabalho, e todos esses aspectos fazem parte da vida da dignidade humana. Enquanto tivermos uma parcela, que seja um da sociedade que passe por essa situação, há sim sentido no Grito dos Excluídos, ainda que esse excluído não seja o que grite, mas os seus irmãos devem gritar por ele”.
Segundo dom Eduardo, a base do cristianismo é a solidariedade. “Aquele que omite diante do sofrimento do irmã, aquele que recua em defender o seu irmão diante do sofrimento ele não está vivendo o Evangelho, não está seguindo a Cristo”, concluiu.