Por ISA – Instituto Socioambiental
Ministra de Direitos Humanos diz que não há recursos para desapropriações neste ano. Encontro ocorreu após denúncia contra governo na Comissão Interamericana de Direitos Humanos
Representantes da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) cobraram da ministra da Família, Mulher e Direitos Humanos, Damares Alves, a titulação dos quilombos.
“As comunidades estão sofrendo com a violação de seus direitos, dia após dia, por causa do não reconhecimento de seus territórios”, afirmou Denildo Rodrigues, da coordenação da Conaq. Ele também cobrou de Damares a elaboração de um plano nacional de titulação de quilombos, com metas e prazos definidos.
Os quilombolas encontraram-se com a ministra na sede da pasta, em Brasília, ontem (21). A conversa ocorreu em função da recomendação da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) de que o governo recebesse as lideranças, após denúncia feita pela Conaq no colegiado, em fevereiro, na Bolívia. Além das titulações, a denúncia mencionava ainda o aumento da violência contra os quilombolas e a ausência de consulta prévia sobre obras e medidas que afetam seus territórios. A audiência na CIDH foi pedida pelas organizações parceiras da Conaq, entre elas o ISA. Na ocasião, os representantes do governo Bolsonaro limitaram-se a dizer que herdaram problemas de gestões passadas (saiba mais).
Damares é responsável pela política de igualdade racial da administração federal. No encontro em Brasília, a ministra voltou a repetir que o governo não irá violar os direitos das comunidades. Apesar disso, a reforma ministerial, promovida no início do ano, subordinou o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), responsável pelas titulações, ao Ministério da Agricultura, comandado pela ala mais radical dos políticos ruralistas, adversários históricos do reconhecimento dos quilombos, assim como o próprio Bolsonaro (leia mais). O presidente chegou a ser processado por racismo por declarações preconceituosas contra os quilombolas.
Na conversa com os quilombolas, Damares apresentou-se como advogada das comunidades e pediu para visitá-las, supostamente para chamar a atenção da imprensa para sua causa.
As lideranças da Conaq responderam que a prioridade do governo deve ser fazer avançar os 31 processos de titulação que, até o ano passado, estavam parados na Casa Civil, aguardando assinatura de decreto presidencial de desapropriação, além de fortalecer e aportar recursos financeiros para o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), responsável pelo reconhecimento dos territórios.
O órgão aguarda, há vários meses, o repasse de R$ 26 milhões para pagar as desapropriações de 17 territórios. No início do ano, o governo também vetou recursos que permitiriam a reestruturação da carreira dos técnicos da instituição. Segundo Damares, não haverá recursos disponíveis até o fim deste ano. A ministra pediu apoio dos quilombolas para conseguir verbas para este fim no Congresso no orçamento de 2020. Entre 2012 e 2018, os gastos do Incra com o reconhecimento e desapropriação de territórios caíram de R$ 50 milhões para cerca de R$ 3 milhões.
“Me preocupa quando vocês falam no desmantelamento do Incra”, disse Damares. Ela desconhecia o número de processos de titulação abertos e ainda não concluídos no Incra e disse estar “assustada” quando foi informada de que eles são 1,7 mil. Apesar disso, Damares não apresentou nem se comprometeu com nenhuma medida concreta, além de intermediar conversas com órgãos como a Casa Civil e o Incra.
Os quilombolas também reivindicaram a conclusão das titulações dos territórios localizados na base militar de Alcântara (MA). As comunidades locais sofrem pressões, há quase 40 anos, de vários setores do governo para que os processos sejam anulados. A administração Bolsonaro acaba de assinar um acordo com os EUA para que a área seja usada para o lançamento de foguetes. A medida dificulta ainda mais o andamento dos procedimentos.