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Controversa entre os próprios militares, a atuação das Forças Armadas em operações de segurança pública tem deixado um rastro ainda pouco perceptível, mas que tem aumentado à medida que ela se torna mais frequente: dezenas de brasileiros foram mortos por membros do Exército e da Marinha desde 2010.
Ao longo de seis meses a reportagem da Pública registrou casos através de entrevistas com familiares e advogados das vítimas, reportagens de imprensa e pedidos de Lei de Acesso à Informação aos Comandos do Exército e da Marinha – que responderam prontamente às demandas de informação.
O levantamento contabilizou pelo menos 32 mortes em que há fortes indícios de envolvimento de militares. Entre elas, 29 envolvem membros do Exército e três, membros da Marinha. Muitas mortes foram causadas em confronto com criminosos. Mas há alguns casos em que inocentes foram confundidos com criminosos ou atingidos em meio a tiroteios; e também há casos de mortes após uso excessivo da força pelos soldados.
A investigação procurou entender como as vítimas e familiares são tratados pelas Forças Armadas e pela Justiça – seja ela comum ou militar – após o ocorrido. Todos os que foram localizados relatam terem sido abandonados à própria sorte. Muitas das vítimas são cidadãos comuns, moradores de favela e trabalhadores.
Os sobreviventes e as famílias ficaram sem socorro, sem auxílio legal, financeiro ou psicológico. Até por isso, os casos não são de conhecimento público. O Ministério da Defesa e o Comando do Exército não fazem um acompanhamento sistemático das mortes causadas em operações de GLO. E os dados enviados pelo Comando do Exército à Pública são contraditórios ou incompletos.
No levantamento foram descartados todos os casos em que os soldados participavam de operações conjuntas com a PM, mas em que há evidências que os tiros foram disparados pela força estadual. O próprio Comando Militar do Leste (CML) foi consultado, por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI), e apontou alguns desses casos.
Todas as mortes de civis, com exceção de uma, ocorreram na região metropolitana do Rio de Janeiro.
No mesmo período, houve cinco mortes de membros das Forças Armadas em GLOs – duas delas em acidentes.
Apontado como mentor intelectual da intervenção federal no Rio de Janeiro, cujo comando é militar, o general Sérgio Etchegoyen, chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), demonstrou em 2017 ter clareza das consequências do empenho militar em tarefas de segurança. “Existem dois fatores críticos para o sucesso disso: a adesão da sociedade no Rio de Janeiro e a compreensão que a mídia terá do que será feito. Isso é fundamental porque vamos ter insucesso, vamos ter incidentes. Estamos numa guerra. Vai acontecer, é previsível que aconteçam coisas indesejáveis, inclusive injustiças. Mas ou a sociedade quer ou não quer”, afirmou durante uma palestra no Encontro Brasil de Ideias, em 1o agosto do ano passado.
Por outro lado, o comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, demonstrou ser crítico do emprego das Forças Armadas na segurança pública. “Eu quero deixar bem claro que nós não gostamos de participar desse tipo de operação”, afirmou ele à Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara dos Deputados em 5 de julho de 2017. “Então, reconheço como positivo o governo estar repensando esse tipo de emprego das Forças Armadas, porque ele é inócuo e, para nós, é constrangedor.”
O general ilustrou seu descontentamento com uma cena que presenciou em 2015, durante a ocupação do complexo de favelas da Maré. Era um dia de semana, ele acompanhava as tropas que passeavam numa rua cheia de mulheres e crianças. Segundo ele, cada soldado estava “muito atento, muito preocupado, muito crispado e armado”. “Falei: somos uma sociedade doente. O Exército está apontando armas para brasileiros. Isso é terrível.”
A Pública pediu uma entrevista ao comandante do Exército, mas a assessoria afirmou que ele não está dando entrevistas no momento.
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